A nossa história começa em 1984. Foi nesse ano que o então Presidente do Flamengo, George Helal, realizou o sonho de comprar um terreno para futura construção de um Centro de Treinamento exclusivo para os jogadores das divisões de base. A área custou CR$ 300 milhões ao clube na época. O dinheiro saiu da venda de Zico para a Udinese, em 1983. Nos primeiros anos, a única coisa que o Flamengo fez foi cercar e colocar um portão.
Despejo, maquete e campanha dos tijolinhos
Em 1990, o Presidente Gilberto Cardoso Filho mandou aterrar as partes alagadas e, segundo ele mesmo, deixou quatro campos prontos: “Só faltava colocar a grama. Dois já tinham até drenagem.” Porém, mais uma vez, as sempre presentes dificuldades financeiras do Flamengo interromperam quaisquer planos de construção de infraestrutura no local. Nesse meio tempo, o Flamengo arrendou o famoso Fla Barra em 1996, de onde foi despejado em 2000.
Pulamos para 2004, em campo, o Flamengo vivia uma de suas piores fases. Lutar contra o rebaixamento em competições nacionais era o máximo que o clube conseguia. A torcida vivia de títulos estaduais. Em 2004, com a campanha ‘Eu Amo o Fla”, o Presidente Márcio Braga consegue inaugurar dois campos. Mesmo assim, a precariedade era tamanha que qualquer tentativa de levar o elenco profissional para treinar lá, virava notícia de jornal. Não havia vestiários e alagamentos eram comuns. A Gávea seguia sendo a primeira (e única) opção.
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Mais um salto no tempo e chegamos a 2011. Patrícia Amorim, ex-nadadora e atleta olímpica, havia sido eleita a primeira mulher presidente do clube dois anos antes. Em maio de 2011, o Flamengo anuncia com pompa e circunstância os planos para construir o Centro de Treinamento George Helal. Com investimento previsto de R$ 8.500.000, o CT tinha o ambicioso cronograma de 12 meses para entrega (que atrasou em apenas 7 anos). Junto com os planos, Amorim lançou a famosa campanha dos Tijolinhos, que arrecadou doações de torcedores e sócios. Em troca, os doadores ganhariam tijolos com seus nomes. Cerca de dois milhões de reais foram arrecadados.
Prefeito Eduardo Paes promete R$ 5 milhões
Mais dois anos e chegamos a 2013. Depois de prometer ajudar os quatro grandes clubes do Rio a construir centros de treinamentos, a prefeitura do Rio cedeu dois terrenos para Vasco e Botafogo e prometeu os tais R$ 5 milhões para o Flamengo, já que o clube já possuia terreno para tal fim. O Flamengo ficou esperando a grana. Não demorou para surgirem dúvidas se o dinheiro realmente sairia.
Enquanto esperava, o Flamengo seguiu tocando as obras como podia. Patrícia Amorim inaugurou um novo campo em 2012, com o dinheiro dos tijolinhos. Uma parceira foi anunciada em 2013, com aporte de R$1.500.000.
Chegamos em 2016, já com Eduardo Bandeira de Mello no primeiro ano de seu segundo mandato e o tais R$5 milhões são apenas apenas lembranças. Nesse ponto da história, o Flamengo já havia investido R$16 milhões de dinheiro próprio ou através de renúncias fiscais de empresas privadas. Já havia até uma previsão de inauguração do primeiro módulo, o que realmente aconteceu em 13 de dezembro de 2016. A essa altura, os R$ 5 milhões não passavam de uma lenda.
Inauguração grandiosa seguida de tragédia
Mais dois anos se passaram e em 30 de Novembro de 2018, o Flamengo inaugurou o Centro de Treinamento George Helal como o conhecemos hoje. Com investimento de mais R$ 23 milhões, o novo equipamento impressionava pela modernidade, tecnologia e grandiosidade. Era um CT de clube Europeu no Brasil. Mas e o dinheiro da Prefeitura? Ninguém sabe, ninguém viu.
A história do Centro de Treinamento George Helal seria uma história de sucesso completo, mesmo que com atrasos, se o dia 8 de fevereiro de 2019 não tivesse transcorrido como transcorreu. Foi nesse dia que descobrimos que o CT George Helal tinha muitos problemas. Os atletas da base ainda dormiam em containers reformatados para serem alojamentos. E as instalações elétricas dos ar-condicionados não seguiam as normas de segurança. Descobrimos também que o Flamengo não tinha alvará de funcionamento e ignorou seguidas multas por faltas de condições de segurança nas instalações.
Da mesma forma, não havia vias de fuga ou número suficiente de funcionários supervisionando os meninos entre 14 e 17 anos que lá dormiam. O incêndio matou 10 atletas das equipes sub-15 e sub-17. Morreram Athila Paixão, de 14 anos; Arthur Vinícius de Barros Silva Freitas, 14 anos; Bernardo Pisetta, 14 anos; Christian Esmério, 15 anos; Gedson Santos, 14 anos; Jorge Eduardo Santos, 15 anos; Pablo Henrique da Silva Matos, 14 anos; Rykelmo de Souza Vianna, 16 anos; Samuel Thomas Rosa, 15 anos; Vitor Isaías, 15 anos.
Três anos depois do incêndio, o Flamengo já chegou a acordo com nove das dez famílias das vítimas fatais e com todas as vítimas feridas. O Ministério Público indiciou 11 pessoas por diversos graus de envolvimento na tragédia. Ninguém ainda foi julgado ou preso.
Os R$ 5 milhões nunca saíram dos cofres do Rio
Foi apenas no rescaldo da tragédia que se descobriu finalmente o que havia acontecido com os R$ 5 milhões que a prefeitura havia prometido ao clube, sete anos antes. Em matéria da Folha de São Paulo, os repórteres Alex Sabino, Catia Seabra e Diego Garcia revelaram que o Ministério Público do Rio contestou o repasse alegando que o Flamengo não havia garantido nenhum retorno ao município. Aliás, a prefeitura também retomou os terrenos cedidos a Vasco e Botafogo.
Resumindo: a prefeitura prometeu, demorou a entregar e, eventualmente, o Ministério público sustou o repasse. Enquanto isso, o Flamengo construiu o CT George Helal com dinheiro próprio e doações de empresas privadas. Segundo a Folha, foram R$ 10 milhões arrecadados via programas de renúncias fiscais .