O placar elástico contra o Bangu e a classificação no Carioca aliviaram a pressão existente no Flamengo e deram confiança ao time para buscar a classificação na Copa do Brasil. O Flamengo precisava ganhar por mais de um gol de diferença e a vitória mínima levaria aos pênaltis.
A surpresa da partida ficou por conta da surpreendente escalação de Fernandinho, que havia tido participação discreta no jogo-treino dessa semana. A troca não só mudava nomes, mas o próprio esquema de jogo que deixaria de ter a cara do 4-2-3-1 para voltar ao tão criticado 4-3-3.
Assim o time teve Paulo Victor – Rodinei, Wallace, Juan, Jorge – William Arão, Mancuello, Cuéllar – Cirino, Guerrero, Fernandinho.
A proposta do Confiança
Do primeiro jogo da Copa do Brasil para o segundo houve muitas mudanças em ambos os times e, no caso do Confiança, a maior foi a troca de treinador. Contudo, o time ainda tinha a proposta de usar uma boa defesa para anular o Flamengo.
A marcação forte, encaixada, se aliava a uma linha de impedimento surpreendentemente bem treinada, que evitou uma série de lances de perigo do Flamengo. Basicamente o treinador sabia que o rubro-negro tinha linhas espaçadas e uma transição lenta entre os setores do campo, além de meias que saíam muito pro jogo, então posicionou a defesa para explorar isto, buscando cortar os passes longos e acionar o veloz e habilidoso Danilo Bala, que entrava no espaço deixado por Arão.
Mancuello, cerebral e dinâmico
Quem lembra do apelido de Mancuello no Independiente? Em sua chegada até brinquei fazendo uma montagem de boas-vindas. Porém, havia um pouco mais de desconfiança que de otimismo por parte da torcida já que jogadores estrangeiros acabam tendo problemas de adaptação no Flamengo, alguns até mesmo injustamente criticados, como Cáceres.
Ignorando esse histórico, Mancuello chegou com humildade, determinação em se adaptar o mais rapidamente possível, inclusive se dedicando a aprender o nosso idioma. Nem mesmo a lesão que o afastou por algumas rodadas diminuiu sua determinação ou a importância conquistada no time.
Logo em seu jogo de estreia deu 6 assistências para finalização e 1 para gol, totalizando 7. Arão, líder do fundamento até então, em 3 jogos havia dado 7 assistências para finalização e 2 para gol. Além disso, a diferença do aproveitamento das bolas paradas ofensivas foi gritante, não há um escanteio que não leve perigo, as faltas dificilmente são mal batidas e a dinâmica de jogo era exatamente o que faltava no meio, tanto atacando quanto defendendo.
Da estreia para cá o Flamengo foi crescendo com o desempenho do argentino e amargou tempos ruins depois de sua lesão, apenas 2 vitórias, 4 empates e 2 derrotas, com direito a 4 jogos sem gols do Flamengo.
No seu retorno, Mancuello não mostrou falta de ritmo e nem se poupou. Atuando aberto na esquerda, aparecendo pouco pela direita e às vezes pelo meio, Mancuello criou mais que Alan Patrick, que jogou centralizado, ainda fez o gol que abriu o placar em uma cobrança que nos fez lembrar de Petkovic e Zico.
Contudo, apesar de ser um jogador rápido e tático, conseguindo trabalhar muito bem com Jorge, seu melhor posicionamento para mim sempre foi centralizado, tendo liberdade para derivar por todo o campo. E, graças a inexplicável decisão de Muricy de escalar Fernandinho, Mancuello pôde jogar onde se desenvolve melhor, dando dinâmica ao time.
Logo no início do jogo podia ser visto encostando na esquerda ou direita, recuando para ajudar Cuéllar a fazer a saída de bola e chegando de trás para finalizar. Chegou a mandar três bolas na direção do gol, uma balançou a rede e foi anulada por impedimento – bem marcado – e na quarta abriu o placar após ótimo contra-ataque. Fernandinho fez excelente inversão para Arão escorar de cabeça pro meio da área, onde Mancuello e Cirino entravam pelo meio, cabendo ao argentino encobrir o goleiro e fazer o gol que empatava o placar agregado.
O Super-Man ainda cobrou uma falta idêntica à do golaço de falta de sua reestreia, mas Rafael Sandes – goleiro do Confiança – fez grande defesa. Já no 2° tempo, Mancu bateu mais um escanteio venenoso na cabeça de Arão, que desviou a bola, a qual caprichosamente foi parar na segunda trave onde entrava Cirino, que só escorou para fazer o 2° gol.
E, logo depois do 2° gol, em que teve participação fundamental além de já ter feito o seu, Mancuello apareceu sozinho pelo meio e recebeu passe açucarado de Guerrero, o goleiro saía do gol, não seria difícil fazer o 3°, mas o argentino isolou. Ao invés de rir ou bater palma, Mancuello se abaixou no gramado, olhos baixos, lamentando-se profundamente pela chance perdida, a primeiras das 2 que errou, tendo acertado 5 no jogo.
Essa seriedade e foco com que joga, também vista nos treinos, tem contagiado o grupo, estimulado uma nova postura em campo. Mancuello se entrega, joga para o time, orienta os companheiros e, na minha opinião, já seria um capitão a ser considerado para o Campeonato Brasileiro, principalmente se vier um zagueiro para o lugar de Wallace.
Cuéllar – O Protetor
Se o argentino é o espírito ofensivo, o colombiano é o espírito defensivo do time. Muito se falava da velocidade de Márcio Araújo em comparação a lentidão de Cáceres, mas o paraguaio apesar de lento posicionava-se muito bem, enquanto Márcio Araújo sempre corria atrás. Cuéllar consegue aliar as duas características em prol do time, tendo ótimo posicionamento e sentido de cobertura, além de ser veloz para cobrir os espaços deixados pelos companheiros.
Na saída de bola o colombiano também destaca-se. Contra o Confiança distribuiu 103 passes certos e errou apenas 2, evitando os “chutões”, ao tentar apenas 5 lançamentos, dos quais acertou 3. Sua movimentação para se posicionar para receber a bola dos zagueiros também é um destaque de seu estilo de jogo, oferecendo sempre opção para fazer a saída de bola de forma rápida e o mais eficiente possível, o que só não dá mais dinâmica pelo problema crônico de movimentação do time.
Como o Flamengo precisou de tempo para domar o Confiança, Cuéllar teve trabalho no primeiro tempo e início do segundo. O time de Sergipe chamava o rubro-negro pro seu campo, procurando roubar a bola na intermediária e contra-atacar rápido. Como Arão e Rodinei jogam muito adiantados, Danilo Bala se posicionava do meio para a direita e isso obrigava Cuéllar a sair da esquerda – onde originalmente deveria se posicionar – para ir combater na direita, onde volta e meia precisa cobrir os espaços deixados pelos companheiros.
Após Arão lançar Cirino, que avançou na área e tirou do goleiro para marcar o terceiro e último gol aos 21 minutos, o Confiança se rendeu e o Flamengo dominou o jogo. Cuéllar então passou a jogar se adiantando mais, procurando auxiliar a armação e arriscando mais nos passes, mostrando sua versatilidade.
O que falta ao time para continuar crescendo?
Mais jogadores como Cuéllar e Mancuello. Ambos estão longe do perfil boleiro que habita os gramados brasileiros, são como soldados que dão o sangue para defender seu clube. Guerreiros focados, concentrados, dedicados e que jogam mais para o time que para si, perfil que podemos encontrar em Ederson, praticamente formado no exterior, e Guerrero.
Inclusive o peruano tem sido criticado por, diferentemente dos centroavantes brasileiros, preocupar-se mais em deslocar os marcadores, abrindo a defesa e fazendo o pivô, que em finalizar como uma máquina para tentar o gol. Guerrero nunca foi um goleador, seu estilo de jogo é de servir ao time, permitindo que outros jogadores entrem na área livres para finalizar e marcar gols (Cirino é um dos grandes beneficiados dessa característica do jogo do peruano).
No time que vem sendo escalado por Muricy, também podemos encontrar Juan e Jorge com este espírito coletivo e visão tática. Ao todo 5 dos 10 jogadores de linha, mas podendo ampliar para 6 se Muricy der o braço a torcer e escalar Ederson aberto na esquerda, voltando ao 4-2-3-1 que tem tido melhor fluidez, mantendo Mancuello centralizado. Assim, a expectativa é que o restante do time possa ir se adequando ao espírito do jogo coletivo e abandonando os vícios da individualidade cultivados no futebol brasileiro.
Saudações Rubro-Negras