O cobertor parece sempre curto
Há bastante tempo venho martelando na mesma tecla: o orçamento é um cobertor curto. Se você gasta aqui, vai faltar ali.
A torcida não tem que simplesmente olhar se fulano é bom ou ruim, tem que ver o custo-benefício. Um jogador nota 7 que ganha 200 mil é muito mais caro do que um nota 5 que ganha 20 mil.
Além disso, o torcedor tem que analisar especialmente mais dois fatores: o percentual de direito econômico que o clube possui sobre determinado atleta e o termo final do contrato.
Tudo isso é chato, mas o futebol é mais do que bola na rede. Com o dinheiro mal empregado, futebol é bola nas costas e gol do adversário.
No início do ano o Flamengo teve a oportunidade de não renovar com alguns jogadores que oneram demais a folha mensal do clube. Pará, Márcio Araújo e Sheik ganham, juntos, aproximadamente 600 mil por mês.
Estou falando apenas de jogadores que, após 31 de dezembro de 2015, não possuíam mais nenhum vínculo com o clube. Claro que seria ótimo, por exemplo, conseguir vender o Gabriel pra China ou antecipar a volta do César Martins ao Benfica, mas estou falando apenas de negociações em que Rodrigo Caetano não precisaria pôr o Tico e Teco para trabalhar.
Você ainda pode somar os valores gastos com os salários de Chiquinho e Fernandinho e a contratação do reserva Muralha. Parte do resultado dessa equação é o quadro atual da nossa zaga.
Além disso, quando você contrata o Márcio Araújo, automaticamente você retira minutos do Canteros (goste ou não, ele é um ativo do clube, diferentemente do Márcio) e Ronaldo, jovem revelação que deveria ter recebido chances no irrelevante, desdenhável, deficitário e catastrófico Campeonato Carioca de Futebol.
Em outras palavras, quando Rodrigo Caetano recontrata um Márcio Araújo, além de jogar mensalmente uma boa quantia no lixo, ele desvaloriza ativos do clube.
Para explicar isso melhor e fazer as contas, ainda que em ordem de grandeza, de quanto desperdiçamos, trouxe meu amigo @Homer_Fla, que assume o texto a partir de agora.
José Peralta – Twitter: @CRFlamenguismo
Sem Verba Futebol Clube
Desde o início da Gestão EBM, o investimento no futebol do Flamengo esteve subordinado à saúde financeira do clube. Em passo que essa política inicialmente restringiu consideravelmente o orçamento do futebol, o desafogo financeiro, que promoveu o retorno do patamar de investimento do time não implicou em melhoria significativa no desempenho do clube.
Pelo contrário, a sensação do baixo rendimento e má utilização da verba do clube se agravou, hipótese acentuada por duas notícias impactantes publicadas durante a semana: A reportagem da Época que revela que o Flamengo é o 4º time com pior retorno de seu investimento na Série A, gastando absurdos R$ 2,1 milhões por ponto conquistado – 45% acima da média nacional -, justificando a vergonhosa 12ª posição com a 6ª folha salarial do país e o inacreditável repasse do zagueiro Antônio Carlos, 22, para a Ponte Preta após onerar o clube por quatro meses sem ter feito um jogo sequer, apesar da bravata de que o Carioca seria utilizado para testes.
Cansados das desastradas contratações de jogadores com notável deficiência técnica sob a justificativa de “composição do elenco”, aliada à muleta de falta de recurso para investimento que qualifique o elenco, decidimos passar o pente fino nas 51 contratações do quadriênio (2013-2016) e verificar, mesmo que de maneira vaga, o custo dessas contratações.
Para isso, identificamos os reforços que se encaixam nessa categoria em duas grandes categorias, apostas e medalhões (refugos), calculando o custo associado à suas passagens de maneira simplificada, levando em conta os salários e valores de transação, quando houver, divulgados pela imprensa, sem considerar impostos e outras obrigações. O objetivo dessa metodologia não é aferir precisamente os gastos ou se debruçar sobre cálculos trabalhistas e contábeis complexos, mas apenas transmitir noção da ordem de grandeza de seus custos.
Dessa maneira, inicialmente levaremos em conta apenas as contratações dúbias no instante em que foram realizadas, desconsiderando, portanto, eventuais insucessos em contratações justificadas, como o lateral direito Léo Moreira ou geralmente aprovadas, como Carlos Eduardo. Desconsideraremos inicialmente na análise o custo associado as renovações questionáveis (como Renato Abreu) e as volumosas multas rescisórias pagas para desfazer os negócios associadas a essas.
APOSTAS
ANO | JOGADOR | SALÁRIO | PERMANÊNCIA | CUSTO EXT | TOTAL |
2013 | Bruninho | 50 mil | 7 meses | 300+50%x12 | 950 mil |
2013 | Val | 50 mil | 7 meses | 50%x5 | 475 mil |
2013 | Diego Silva | 70 mil | 7 meses | 490 mil | |
2013 | João Paulo | 70 mil | 24 meses | 1,68 milhão | |
2014 | Arthur | 60 mil | 7 meses | 420 mil | |
2014 | Pico | 20/60 mil | 3/6 meses | 420 mil | |
2014 | Feijão | 20 mil | 4 meses | 80 mil | |
2014 | Marcelo | 40/80 mil | 8/12 meses | 1,28 milhão | |
2015 | Almir | 35 mil | 7 meses | 245 mil | |
2015 | Thallyson | 20 mil* | 6 meses | 120 mil | |
2015 | Arthur Maia | 80 mil | 7 meses | 560 mil | |
2016 | Antônio C. | 40 mil | 5 meses | 200 mil | |
2016 | Arthur H. | 20 mil | 5 meses | 100 mil | |
TOTAL | 7,02 milhões |
MEDALHÕES
ANO | JOGADOR | SALÁRIO | PERMANÊNCIA | CUSTO EXT | TOTAL |
2013 | Chicão | 180 mil* | 18 meses | 3,24 milhões | |
2013 | André S. | 270 mil | 12 meses | 30×120 mil | 6,84 milhões |
2014 | Elano | 250 mil | 6 meses | 1,5 milhão | |
2014 | Márcio A. | 150 mil | 24 meses | 8×150 s.c. | 4,8 milhões |
2014 | Élton | 150 mil | 4 meses | 600 mil | |
2015 | Pará | 140 mil | 17 meses | 1,2M*+19×140 | 6,24 milhões |
2015 | Ayrton | 80 mil | 6 meses | 480 mil | |
2015 | César M. | 100 mil | 10 meses | 2×100 s.c. | 1,2 milhão |
2015 | Bressan | 80 mil | 8 meses | 640 mil | |
2015 | Émerson | 300 mil | 11 meses | 7×300 s.c. | 5,4 milhões |
2016 | Chiquinho | 60 mil | 5 meses | 7×60 s.c. | 720 mil |
TOTAL | 31,66 milhões |
*: Os salários especulados (pela imprensa) dos jogadores Chicão e Thallyson tiveram discrepância significativa em diferentes fontes. Foram adotados os menores valores, 20 e 180 mil, respectivamente, a despeito dos 60 e 300 mil mensais encontrados. Espera-se que esse procedimento compense, mesmo que vagamente, valores “inflacionados” sobretudo de apostas. Os R$ 1,2 milhões denotados como consequência da aquisição de Pará foram obtidos pela diferença entre o crédito pela venda de Rodrigo Mendes e o valor recebido pós-acordo com o Grêmio. Essa quantia não reflete, necessariamente, o valor pago pelo atleta.
Falta de Verba ou Má Alocação?
Ao longo dos pouco mais de três anos da modernização administrativa do Flamengo, o discurso da indisponibilidade de recursos para investimento em áreas cruciais foi constante e, por muitas vezes, justificado. No entanto, hoje, tal discurso parece pouco convincente. Não porque o Flamengo deva aumentar seu investimento ou extrapolar os limites da responsabilidade orçamental – não deve, mas sim porque o patamar de investimento atual é suficiente para a formação de uma equipe minimamente competitiva, se bem gerido.
Os dados compilados, no entanto, ajudam a explicar os recentes fracassos no futebol. Embora sua confiabilidade seja questionável, esses revelam um desperdício próximo de R$ 40 milhões nos últimos 41 meses apenas em jogadores que chegaram rodeados por dúvidas ou que desagradaram a torcida, isto é, desconsiderando renovações malsucedidas e jogadores bem referenciados com baixa performance – a inclusão de apenas dois nomes, Carlos Eduardo e Marcelo Moreno, por exemplo, elevaria a estimativa para mais de 51 milhões de reais.
Apenas para efeito de comparação, reporta-se que a intenção de se investir até R$ 8 milhões em um zagueiro ‘classe A’. Os gastos em medalhões e apostas questionáveis até o momento seriam suficientes para remodelar a zaga por completo, permitindo a contratação de três zagueiros denominados Classe A para acompanhar Juan e ainda pagar um ano de gordos salários de R$ 400 mil mensais para cada um. O valor também é comparável com o custo total do contrato de Paolo Guerrero, isto é, o suficiente para a aquisição e pagamento por 3 anos de elevadíssimos salários de um jogador de referência internacional.
Mas engana-se quem pensa que o custo mensal médio de 962 mil, suficiente para suprir carências importantes e contratar jogadores de referência, relacionado a esse perfil de contratação seja sua pior parte.
Custo de Oportunidade
Na gestão de finanças pessoais, conceitos econômicos básicos aparecem de maneira trivial. É cristalino que é vantajoso guardar seu dinheiro na poupança, onde será reposto com a inflação e uma irrisória taxa de juros, em detrimento de guardá-lo em casa, onde apenas se desvalorizará de acordo com a inflação. Do mesmo modo, é ainda mais vantajoso realizar investimentos em aplicações mais rentáveis, isto é, com maior taxa de juros.
Desse modo, fica claro que embora não se pague nenhuma taxa ao manter seu dinheiro em casa, ao escolher essa alternativa em detrimento de investimentos em aplicações ou até na poupança, em linhas gerais, você deixa de ganhar. Esse exemplo simplificado pode ilustrar bem a diferença entre custo contábil e custo de oportunidade. Enquanto o custo contábil de manter seu dinheiro em casa é zero, isto é, você não paga por fazê-lo, seu custo de oportunidade é equivalente à quantia máxima que deixou de ser ganha por preterir investimentos mais rentáveis.
Contextualizando ao futebol, um efeito colateral desse perfil de contratações é o inchaço do elenco associado a elas, que normalmente resulta em subutilização das categorias de base por conta da priorização aos jogadores contratados, normalmente referendados por técnicos cujo compromisso é apenas com a manutenção de seu cargo, não com a estrutura e futuro do clube, causando não apenas o inchaço e mediocrização da folha salarial, mas também tirando importantes minutos de desenvolvimento de jogadores das categorias de base e patrimônios do clube.
Sequência de jogo é parte fundamental no desenvolvimento técnico e, portanto, da valorização financeira de jogadores jovens. No entanto, mesmo após o título da última Copa São Paulo, jovens jogadores com potencial de valorização como Léo Duarte, Ronaldo e Lucas Paquetá vêm sendo preteridos por medalhões que não pertencem ao Flamengo ou com baixo valor de mercado, mesmo em campeonatos insignificantes, perdendo preciosos minutos de jogos que poderiam render desenvolvimento técnico, evidência e valorização financeira que seria refletida em lucros posteriores.
Para ilustrar o nível do prejuízo, decidimos avaliar o impacto do tempo de jogo nos valores de mercado de três das últimas promessas da base do Flamengo, Samir, Jorge e Adryan utilizar o valor médio encontrado para supor a valorização que Léo Duarte e Ronaldo deixaram de receber ao perder minutos para jogadores medianos. Para isso, foi utilizada a tática estatística de Regressão Linear.
Embora esse seja um modelo absurdamente simplificado, com muitas suposições e muito imperfeito, essa técnica atende razoavelmente bem à proposta do texto, estimar de maneira imperfeita os prejuízos causados por medalhões e refugos, sobretudo para uma baixa quantidade de minutos. Desse modo, não pretendo me alongar em aspectos teóricos e matemáticos por trás de uma descrição precisa, embora possa fazê-lo em outro texto caso haja interesse suficiente.
Seguindo o pensamento explicitado, podemos facilmente calcular que os 475 minutos que César Martins, patrimônio do Benfica, tirou de Léo Duarte apenas essa temporada poderiam render uma valorização próxima de € 281 mil ao zagueiro, valorizando o patrimônio do Flamengo em quase R$ 1,1 milhão em partidas de baixa importância. Do mesmo modo, os 1022 minutos que Márcio Araújo tirou de Ronaldo podem ter custado uma valorização de € 605 mil ao patrimônio do clube, algo em torno de R$ 2,39 milhões, em caso de bom desempenho do meio-campista.
Pior do que apenas a não valorização, os minutos na vitrine se reverteram a terceiros. No caso de César Martins, ao Benfica, detentor de seus direitos econômicos. No caso de Márcio Araújo, ao próprio jogador, que pela idade avançada e status contratual tem baixo valor de mercado. Dessa maneira, fica evidente o grande poder destrutivo da priorização de jogadores medianos em detrimento dos jogadores da própria categoria de base do clube.
Bancados por técnicos, esses jogadores, recebem salários significativamente mais altos que os jogadores vindos das categorias de base, diminuem seu espaço e se apropriam de minutos que poderiam ser cruciais na formação e no desenvolvimento de jovens promessas, quase nunca entregando em troca futebol que justifique a circunstância, desintegrando qualquer possibilidade de valorização de ativos do clube.
Dessa maneira, em pouco tempo conseguem inflacionar a média da folha salarial do clube com opções comuns, fazendo com que o recurso disponível seja gasto em “mais do mesmo” para cobrir buracos e falhas na formação do elenco ao invés de financiar a chegada de jogadores pontuais realmente diferenciados e qualificados para dar o equilíbrio e auxiliar na transição dos jovens talentos.
Embora pessoalmente não condene apostas e oportunidades de mercado – algumas delas, como Alan Patrick, Paulinho e sobretudo Hernane, foram bem-sucedidas em seu tempo -, a chance de encontrar soluções em casa não pode ser negligenciada em hipótese alguma, tendo em vista que seu custo benefício é, por natureza, altíssimo.
Assim, essa sessão termina convidando os amigos a pensarem, também, sob uma ótica patrimonial na formação e escalação do elenco, buscando a substituição de jogadores comuns por atletas oriundos das Categorias de Base, patrimônios do clube e com salários consideravelmente mais baixos, por meio de uma utilização racional do Carioca e da Pré-Temporada para dar oportunidades e testar adequadamente os bons talentos, obtendo um diagnóstico mais preciso sobre a capacidade real de cada um, apelando para a substituição de jogadores da base por apostas, sejam de jogadores desconhecidos ou da recuperação de medalhões, apenas em caso de necessidade, e não o contrário, permitindo qualificar o elenco com reforços pontuais diferenciados com a verba excedente economizada.
@Homer_Fla é um rubro-negro fanático, fã do Zico, do Junior, do Pet e dos Simpsons e anônimo por abnegação, decidindo assinar seus textos como Homer J. Simpson, em homenagem ao maior personagem da televisão mundial. Engenheiro, é só mais um dos milhões de rubro-negros espalhados pelo mundo. Brasiliense que reside atualmente em Boston.