Técnico que abriu a temporada 2023 do Flamengo, Vitor Pereira voltou a aparecer no noticiário esportivo brasileiro ao dar declarações sobre duas joias brasileiras: Endrick e Vitor Roque. Como em breve os jogadores irão reforçar, respectivamente, Real Madrid e Barcelona, o jornal espanhol Marca perguntou ao técnico (sem clube desde a saída do Flamengo) o que esperar dos dois.
A resposta de VP foi a seguinte: “Os dois são jogadores especiais, mas que precisam de tempo. Necessitam trabalhar taticamente, porque vêm do Brasil meio ‘selvagens’, se é que me entendem. Eles têm qualidade técnica e são rápidos, nisso são diferenciados. São jogadores de qualidade, mas uma coisa é jogar no Brasil e outra, na Europa.”
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O termo “selvagens” destaca um traço ainda presente no mundo atual: a mentalidade colonial. Entendo que existe diferenças de jogo na Europa e que é preciso que os jogadores brasileiros se adaptem a isso, porém VP destaca através do uso dessa palavra um estereótipo racista e xenofóbica que, se algum dia foi implícito, ficou bastante explícito agora: na Europa o futebol é moldado no mais alto refino, enquanto no resto do mundo impera o bruto, a selvageria.
É importante destacar que esse tipo de comportamento está longe de ser visto apenas no futebol. Um bom exemplo está na União Europeia.
Josep Borrell, chefe da diplomacia europeia, gerou polêmica em 2022 ao discursar para um programa universitário de formação de novos diplomatas europeus na Bélgica.
Ao comparar a Europa com o resto do mundo, Borrell deu a seguinte declaração: “A Europa é um jardim. Construímos um jardim. É a melhor combinação de liberdade política, prosperidade econômica e coesão social que a humanidade já construiu”.
E continuou: “O resto do mundo […] não é exatamente um jardim. A maior parte do resto do mundo é uma selva, e a selva pode invadir o jardim. Os jardineiros devem cuidar disso, mas eles não vão proteger o jardim construindo muros”.
“Os jardineiros têm que ir para a selva […] Caso contrário, o resto do mundo vai nos invadir, por diferentes maneiras e meios”, disse, por fim.
O colonizador e o colonizado
A mente do colonizador só existe porque a do colonizado a permite. É só lembrar que o Flamengo tinha no seu comando técnico Dorival Jr, um brasileiro campeão da Copa do Brasil e da Libertadores (essa com a melhor campanha da história), e preferiu trocar pelo técnico português que esse mesmo derrotou nas duas competições, quando VP treinava o Corinthians.
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O resultado foi um péssimo futebol apresentado, perdendo Supercopa, Mundial, Recopa e Carioca em apenas quatro meses.
Vitor Pereira chegou ao Brasil como a maioria dos técnicos estrangeiros: boas campanhas, poucos títulos aqui e ali, um sotaque para encantar nossos dirigentes com síndrome de colonizado e a clássica arrogância do técnico de fora, que se sente ainda no século XVI descendo de sua caravela para trazer civilidade aos “bárbaros”.
Depois, ele foi embora como boa parte deles também: sem deixar saudades e sem títulos. Mas a soberba… essa ainda está ali.
Marcos Paulo Neves é professor e historiador formado pela UNIRIO. Apaixonado por futebol e pelo Clube de Regatas do Flamengo, procura falar sobre futebol, política e história de maneira clara e não revisionista.
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