É sempre um bocado perigoso tentar analisar futebol por qualquer tipo de viés moral. Seja porque “certo e errado”, “bom ou ruim” são coisas um bocado relativas, seja porque o futebol brasileiro não é, numa média, um ambiente exatamente honesto e correto.
O cara que é um craque dentro de campo pode ser um canalha fora dele, a equipe profundamente popular pode ter uma diretoria obscenamente elitista, nossos níveis de cobrança ética tendem a variar de forma um bocado selvagem entre a maneira como avaliamos o atacante do nosso time (“raçudo”) e o zagueiro do time adversário (“um bandido que deveria estar preso”).
➕ Quem é Evertton Araújo, herói do Flamengo contra Athletico-PR
Então qualquer análise de quem é “mocinho” ou de quem é “vilão” vai obviamente ser fruto muito menos de uma mensuração honesta e imparcial sobre atitudes e posturas, e muito mais resultado de experiências pessoais, preferências individuais e o senso, que cada um tem, do que é realmente ruim ou não, do que é realmente correto ou não, de quais coisas são mais graves e quais coisas são mais superficiais.
Dito isso, preciso reconhecer que, pra mim, com pouca margem de erro, a equipe do Athletico Paranaense representa muito do que existe de pior no futebol brasileiro, e o empate deste domingo representou não apenas um ponto importante na busca do Flamengo pelo 9º título brasileiro como também uma vitória daquilo que existe de mais bonito, simpático e correto no esporte bretão.
Porque o fato de termos arrancado um pontinho, mesmo diante do campo de fiapos de plástico em Curitiba, mesmo diante a arbitragem covarde de Daronco – que levanta 300 kg no bíceps mas aparentemente tem medo do Fernandinho – mesmo com um Flamengo absolutamente desfalcado e fragmentado, é um desses sinais de que talvez 2024 reserve sim alegrias para a torcida rubro-negra.
Mesmo diante do já tradicional anti-jogo da equipe paranaense, mesmo diante das reclamações do sempre histérico treinador condenado por estupro do time dos caras, mesmo com nosso próprio técnico sendo substituído pelo filho, mesmo com Wesley em campo pensando de maneira absolutamente não-cartesiana e tocando a bola não onde um jogador está, mas onde ele pode vir a estar num futuro possível, o Flamengo foi lá e mostrou que sim, ele ainda quer brigar, ele ainda quer jogar, ele ainda quer vencer.
O gol de cabeça de Evertton Araújo, o jogador que entrou no lugar do improvisado Léo Ortiz, um zagueiro que estava jogando de volante porque o volante reserva, Igor Jesus, está machucado e o volante titular, Pulgar, está convocado, sendo portanto o 4º jogador na fila da posição, mostra não apenas a qualidade da base, a competência do elenco, mas também que talvez esse Flamengo de Tite tenha sim aquela mágica, aquela sorte, aquele beijinho na testa dado pelo destino, que diferencia as equipes que conquistam grandes coisas, das equipes que apenas ficam pelo caminho.
Foi uma grande partida? Não foi, como ninguém esperava que fosse ser. Um time desfalcado, improvisado e ainda perdido, mas que contou com uma grande atuação de Léo Ortiz e conseguiu, durante boa parte do tempo, dominar as ações. Mas uma partida com o espírito do Flamengo? Isso com certeza sim, porque vimos um time que, apesar do vacilo no pênalti, jamais se entregou, jamais desistiu, jamais perdeu de vista que a derrota era inaceitável.
Que a equipe possa então manter esse espírito, essa pegada e esse ritmo. Porque se mesmo desfalcados, mesmo improvisados, nós conseguirmos continuar na liderança, é sinal de que, encerrada a nefasta Copa América, a tendência seria um Flamengo ainda mais forte, ainda melhor, com mais jeito ainda de campeão.
João Luis Jr. é jornalista, flamenguista desde criança e já viu desde Walter Minhoca e Anderson Pico até Adriano Imperador e Arrascaeta, com todas as alegrias e traumas correspondentes. Siga João Luis Jr no Medium.
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