Muito tem se falado sobre os talibãs e suas tentativas de invisibilizar as mulheres. Só não aniquilam por necessidade. Eles precisam do seu ventre. Apenas isso.
Portanto, construíram uma prisão a céu aberto, como bem descreve o escritor Ariq Rahimi. Mulheres não podem estudar, trabalhar, não podem sair de casa sem acompanhante masculino da família. Precisam cobrir o corpo e o rosto por inteiro ao andar na rua e lhes é proibido de falar em público.
Betsul 5 de 5 |
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Eu poderia escrever longamente sobre o ódio destilado pelos talibãs, ódio às mulheres, que nada mais é do que ódio ao mundo, ódio à pluralidade da humanidade, dos gêneros, das culturas, das religiões.
➕ COLUNA DA MARION: Sonhos e desejos
Mas não interessa.
Não me interessa explicar os talibãs. Pois não me interessa entender suas motivações, suas opiniões, suas razões.
Eles representam apenas a face do Mal, do ódio, do atraso.
O que importa é o que a comunidade internacional pode fazer por essas mulheres oprimidas de uma forma inimaginável em pleno 2024, inclusive no Esporte, cuja divulgação tem alcance mundial e permite uma maior conscientização sobre o tema.
A ONU já tinha utilizado o termo “Apartheid de gênero” se referindo ao Afeganistão. E recentemente, numa belíssima decisão, a União Europeia decidiu que toda mulher afegã tem direito ao status de refugiada. Não precisa passar por burocracia nenhuma, não precisa convencer ninguém da necessidade de ser acolhida. Ser mulher afegã já diz tudo, já carrega no seu gênero e na sua nacionalidade, o peso da perseguição e da opressão intrínseca.
Por outro lado, tivemos decisões contraditórias no decorrer dos Jogos Olímpicos de Paris.
Os primeiros JOs de paridade, como fizeram questão de propagar, desclassificaram uma atleta afegã, a B-girl Talash, que exibiu uma faixa “Free Afghan Women”, por ser um slogan politico.
Ora, o comitê dos Jogos Olímpicos tomou inúmeras decisões políticas, inclusive com relação aos talibãs.
O COI em 2016 anunciou a criação da “Equipe de Atletas Olímpicos de Refugiados”, a fim de aumentar a conscientização global sobre a escalada da crise migratória na Europa. E em setembro de 2017, estabeleceu a Fundação Olímpica de Refugiados para apoiar refugiados a longo prazo.
Em 2024, o comitê olímpico escolheu 6 atletas que iriam representar o Afeganistão nos Jogos Olímpicos. 3 homens e 3 mulheres, que estamparam a bandeira colorida do país, e não a bandeira branca do talibã. E proibiu a presença de autoridades talibãs nos Jogos.
Todas foram decisões políticas de acordo com a filosofia ancorada na paridade, na diversidade e na inclusão nos esportes.
Portanto, desclassificar uma atleta que apenas ratificou essas decisões do COI é contraditório. Pior, passou uma mensagem deplorável: silenciou, censurou uma mulher violentada e oprimida pelo seu país de origem.
Uma mulher que exibiu uma mensagem que o próprio comitê internacional apoia.
Faltou sensibilidade, faltou coerência. Faltou ouvir quem tem lugar de fala. E quem luta não apenas para participar de olimpíadas, mas também para viver.
Não podemos esquecer da afegã Zakia Khudadadi, medalha de bronze do taekwondo nas paraolimpíadas, cujo celular está nas mãos da polícia francesa, que investiga as 3000 mensagens de ameaças reiteradas e vive escondida. Seu crime? Ser mulher, ser afegã e ser atleta.
Portanto, no que diz respeito às mulheres afegãs, não se fala de slogan político. Se trata do direito básico e primordial à vida. E do direito de clamar por ele. Sem censura.
Não se combate o ódio e o Mal com medidas comedidas.
E as instâncias internacionais ligadas aos esportes, têm o dever não apenas de acolher as mulheres afegãs e de propiciar sua participação em todas as competições.
Essas instâncias, comitês, federações têm a obrigação de lutar por elas, conscientizar o resto do mundo, e assegurar seu lugar de fala, seu direito de denunciar a monstruosidade que as tornaram vítimas, alvos.
Pois combater o fanatismo dos talibãs, não é apenas combater a misoginia. É a reafirmação dos direitos universais da humanidade. E sem eles, não há liberdade, não há cultura, não há esporte.
Apenas ódio e escuridão.
Marion Konczyk Kaplan é conselheira do Clube de Regatas do Flamengo e presidente da Bancada Feminina do Conselho Deliberativo. Mestre em História pela Sorbonne Paris. Siga: @marionk72
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