Já comentei aqui, de forma geral, minhas impressões sobre o balanço do 3º Trimestre do CRF. No entanto, penso que ainda falta um olhar mais detalhado sobre aquilo que realmente chocou, o aumento dos gastos do futebol.
Como disse no artigo anterior, ter dinheiro não é garantia de conquistas esportivas, porém a falta dele geralmente resulta em fracassos retumbantes. Além disso, o Flamengo experimenta, nesse 3º Trimestre de 2017, seu primeiro período de verdadeira bonança financeira, porque até então os sucessivos superávits serviam para zerar o prejuízo acumulado por décadas de irresponsabilidade.
Um dos clichês do mundo corporativo ensina que a satisfação é a consequência da subtração do resultado da experiência da expectativa – “Satisfação = Resultado – Expectativa”. Perdi a conta de amigos maravilhados com a campanha do Botafogo, sem sequer prestar atenção de que, no frigir dos ovos, o outrora Glorioso está mais ou menos na mesma condição na tabela e na temporada. Evidentemente, essa sensação se origina da frustração das (altas) expectativas, não dos resultados em si.
Ainda assim, mesmo achando exagerada a expectativa gerada em torno do potencial do elenco do Flamengo (cujo investimento não é muito maior do que o da maioria dos seus principais competidores), me assustei com a elevação pouco criteriosa dos gastos do Flamengo.
Antes de dissecar os números, um pequeno esclarecimento. Vou tirar da conta final os valores referentes aos “Transportes/Despesas de Jogos” por razões óbvias, são gastos que ocorrem independente do investimento direto no elenco (e até aumentam em proporção à Bilheteria). Vou tirar também a comissão paga aos agentes do Vinicius Jr pela venda (se alguém realmente quiser saber depois tento explicar o rolo) e o custo do programa de ST, que quanto mais alto melhor, já que maior a nossa arrecadação.
Feitos esses abatimentos, o Flamengo teve, nos 9 meses de 2017, um gasto total no futebol de cerca de R$ 193 milhões, uma média de mais de R$ 21 milhões (atenção: isso NÃO é a folha salarial, mas sim a média mensal de todos os gastos, incluindo a compra de direitos federativos). No mesmo período em 2016 (e com os mesmos abatimentos), o gasto foi de cerca de R$ 129 milhões. Em resumo, em 2017 o Flamengo gastou R$ 64 milhões a mais (ou cerca de R$ 7 milhões a mais por mês), para colher um resultado até aqui pior.
A meu ver, o que mais assusta é ver a qualidade de alguns desses gastos. A maioria das queixas se concentra nos suspeitos de sempre, Márcio Araújo, Rafael Vaz e assemelhados, mas para quem se preocupa com uma avaliação de custo/benefício, o problema não está nos “perseguidos/protegidos”, mas sim onde o Flamengo depositou suas maiores esperanças.
Vejam, por exemplo, o caso de Geuvânio. O balanço informa que o Flamengo ainda devia quase R$ 4,9 milhões de Direito de Imagem para ele. Ora, como ele ainda tinha 15 meses de contrato a vencer, são cerca de R$ 315 mil mensais a esse título. E, como a última alteração da Lei Pelé (em agosto/2015) passou a limitar o pagamento de direitos de imagem a 40% do total da remuneração do atleta, a remuneração do Geuvânio, ao que tudo indica, é de cerca de R$ 815 mil mensais.
Pelo mesmo critério, Everton Ribeiro ganharia cerca de R$ 640 mil mensais, com o agravante de que o Flamengo investiu na compra de seus direitos econômicos. Não achei informação oficial, mas a imprensa noticiou que seriam R$ 22 milhões. Sendo isso, Everton Ribeiro, com 4 anos de contrato, custaria mais de R$ 52 milhões ao Flamengo – ou cerca de R$ 1,1 milhão por mês.
Diego Alves receberia pouco mais de R$ 600 mil. Rômulo, pouco mais de R$ 350 mil. Rever, R$ 375 mil. Berrio, R$ 640 mil.
Esses números, ressalto, são especulativos. Não se sabe os valores já pagos a esses atletas e há razões para crer que os pagamentos não são lineares. Afinal, por esses critérios aqui adotados Guerrero ganharia cerca de R$ 570 mil e Diego Ribas “apenas” R$ 350 mil. Tudo leva a crer que ganham mais – ou seja, a amortização de direitos de imagem foi mais forte nos períodos que antecedem essa informação.
A maioria dos atletas do Flamengo não tem créditos de direitos de imagem, seja porque já receberam, seja porque é pouco valor e entram em um somatório de “outros” que juntos têm a receber pouco mais de R$ 2 milhões, seja porque, enfim, não recebem mesmo. Nunca saberemos. Dos que estão informados no balanço, faltou falar de Trauco e Muralha (valores relativamente baixos) e Vinicius Jr (um caso peculiar, por conta da sua venda).
Eu vejo uma ansiedade muito grande pela chamada “barca”, ou seja, a dispensa de jogadores ao final da temporada. Infelizmente, isso não é um processo simples, porque o marco regulatório do futebol brasileiro torna as rescisões antecipadas muito custosas.
Com contrato acabando agora, de nomes relevantes e caros, temos Conca, Ederson, Juan e Marcio Araújo (se bem que para esse há boatos de cláusula de renovação automática). Temos também Mancuello e Cuellar, mas esses podem ser apenas uma formalidade – como a lei proíbe contratos com estrangeiros superiores a 2 anos, é comum existir contratos de gaveta que implicam em renovação automática. E Guerrero, cujo contrato acaba no meio do ano.
O resto tem permanência longa. Rafael Vaz e Geuvânio até 12/2018, Arão, Everton Cardoso, Pará, Rhodolfo, Rever, Rodinei e Gabriel até 12/2019. Muralha, Rômulo e Renê até 12/2020. E ainda tem as grandes estrelas, como Diego Ribas, Diego Alves, Everton Ribeiro.
É mais ou menos óbvio que a combinação de salários altos + desempenho irregular dificultará o embarque de vários desses atletas na sonhada barca. Eu não alimentaria grandes esperanças de uma dispensa em massa, a menos que o Flamengo esteja disposto a pagar para os indesejados reforçarem algum rival. Pode ser mais simples em relação a jogadores não muito badalados e de salários que presumo medianos (como, por exemplo, Rafael Vaz ou Gabriel), porém complexo aos que ganham muito (como Rômulo ou Geuvânio).
A paciência da torcida está no limite (ou até então além disso), mas infelizmente talvez ainda seja necessário um pouco mais. Friamente falando, o Flamengo de hoje é parecido com aquele sujeito que investe o dinheiro da rescisão ou do PDV em uma franquia e sonha em ficar rico, mas aprende a duras penas que a vida não é tão cor de rosa quando idealizava. O clube precisa desesperadamente que esses caras que estão lá correspondam ao tanto que se paga por eles.
Eu gostaria de ter coisas melhores para compartilhar. Mas o que temos é isso aí. Sei que a tendência é bater nas velhas teclas de sempre, falar mal dos assuntos para os quais ninguém mais tem a menor paciência, fantasiar que basta nomear/contratar um Darth Vader malvadão que na base do esporro generalizado vai fazer o time correr e render, mas, insisto, não é de gritos e esperneios que precisamos agora.
Precisamos, mais do que nunca, de sobriedade, cautela, frieza. E, quem sabe, de São Judas Tadeu, do Sobrenatural de Almeida, dos Inexplicáveis Poderes do Manto….porque, olhem, quanto mais eu interpreto esses números, mais eu me assusto.
Enfim…..saudações rubro-negras.
Walter Monteiro é advogado com MBA em Administração. Membro das Comissões de Finanças do Conselho Deliberativo e do Conselho de Administração do Clube de Regatas do Flamengo. Escreve sobre o Flamengo desde 2009, em diferentes espaços.
Imagens destacadas no post e nas redes sociais: Gilvan de Souza / Flamengo