Faz tempo que eu escrevo sobre as finanças do Flamengo. Como qualquer clube de futebol, o Flamengo sempre se notabilizou por gastar mais do que arrecadava – e como tudo no Flamengo é superlativo, gastava MUITO mais do que o recomendável. Qualquer outra instituição já teria fechado as portas. Mas clubes de futebol, por diversas razões que não cabem neste artigo, nunca fecham as portas, apenas passam por um processo de declínio bem lento, como o América ou a Lusa.
É claro que um gigante como o Flamengo nunca se tornaria uma Portuguesa de Desportos. Era questão de tempo até alguém perceber o imenso potencial por trás do clube mais popular do Brasil. Não considero que o maior mérito por trás de lenta, silenciosa, porém revolucionária transformação que passa o clube seja capitaneado pelo Presidente Bandeira de Mello, pelos criadores da Chapa Campeão do Mundo em 2012 ou pelo grupo dirigente.
Creio que a grande mudança é a transformação radical do quadro social, que permitiu a formação de novas lideranças e a ascensão ao poder da Chapa Azul, seja a original, seja a sua versão de 2015. Quando vou nas reuniões do Conselho Deliberativo, noto que a maioria dos conselheiros se associou há menos de 10 anos (o que também é o meu caso). Esse sangue novo no clube arejou o ambiente interno e trouxe a base de apoio necessário ao cenário de transformação que o Flamengo precisava.
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Em 2013 pela primeira vez notei uma diferença fundamental na gestão: o clube interrompia a sequência de gastos crescentes e canalizava grande parte dos recursos para saldar as pendências do passado.
Abro aqui um parênteses importante. 2013 trouxe um salto na arrecadação obtido a partir de recursos inexistentes ou mal explorados. O clube aumentou suas receitas de patrocínio e conseguiu estabelecer uma arrecadação direta dos seus torcedores, criando o plano de sócios-torcedores e aumentando o valor dos ingressos. Foi extremamente criticado por isso, aliás é até hoje, uma vez que os planos de ST são caros e oferecem muito pouco em troca, além de ingressos mais altos terem efeitos colaterais conhecidos e amplamente debatidos.
Tenho minhas restrições pessoais ao ex-VP de Marketing, conhecido como BAP, mas ele foi a figura pública a defender essas medidas – antipáticas, mas que mudaram o paradigma de arrecadação do Flamengo e que estão por trás do cenário de recuperação econômica. O clube precisa ser grato a ele para sempre por isso. Fecho o parênteses.
Quando apresentei a primeira análise sobre os demonstrativos financeiros de então me faziam uma pergunta recorrente: quando o Flamengo pagaria sua dívida?
O Flamengo jamais deixará de ter dívidas, porque, como em qualquer grande empresa, capital de terceiros é um componente importante na estrutura da gestão. Além disso, parte da “dívida” é, na verdade, composta por obrigações correntes, como pagamentos de direitos econômicos e de imagem dos jogadores. Quem já leu outros artigos meus deve se lembrar do exemplo da mensalidade escolar: eu pago a escola das minhas filhas todos os meses, mas na verdade em janeiro eu assino um contrato onde me comprometo a pagar o ano inteiro, logo, se eu fizer um demonstrativo financeiro em 31 de janeiro, eu estarei “devendo” 11 mensalidades escolares, ainda que o ano letivo não tenha nem começado.
Portanto, a resposta correta não era apontar quando o Flamengo deixaria de ter “dívidas”, mas sim quando essas “dívidas” deixariam de pesar no orçamento do clube, ou, dito de outra forma, quando a receita de um determinado ano poderia ser usada quase que inteiramente para qualificar o elenco daquele ano mesmo, sem o peso da herança do passado.
E naquela época eu fiz uma previsão: 2018 seria o primeiro ano em que o Flamengo passaria a ter uma vida financeira “normal”. Daí em diante, cada ano seria melhor do que o outro, permitindo ao clube finalmente ser capaz de estabelecer uma dominância no campo esportivo correspondente à dominância em tamanho de torcida e arrecadação.
Fui aperfeiçoando essa previsão desde então. Passei a cravar que nas 10 temporadas iniciadas em 2018 o Flamengo se classificaria para a Libertadores em 6 a 8 delas, ganharia 2 ou 3 títulos brasileiros e ao menos 1 Libertadores. Não sei se parece muito ou se parece pouco, mas posso garantir duas coisas: esse é o desempenho esportivo de São Paulo e Corinthians nesse milênio e é um desempenho parecido com o Flamengo dos anos 80.
Disse mais: previ também que o Flamengo teria sua vida facilitada pelas dificuldades enfrentadas pelos rivais, porque nossa melhor fase financeira seria simultânea a momentos de declínio dos principais competidores. E que, ao final dessas 10 temporadas, alguns deles teriam se reequilibrado e ameaçariam o cenário de dominância que teríamos estabelelecido.
Bom, 2018, finalmente, chegou. É hora de colocar à prova as previsões que fiz lá atrás, quando tudo começava. E algumas coisas estão um pouco diferente, embora não muito.
Em primeiro lugar, o Flamengo se adiantou nesse processo. A venda do Vinicius Jr. fez com que o clube atingisse, já em 2017, a maturidade financeira necessária. De forma que já comentei (e deixei claro que não concordava inteiramente com essa estratégia), o Flamengo acabou investindo, em 2017 mesmo, as contratações de peso para 2018 (Everton Ribeiro, Diego Alves, Rhodolfo e, vá lá, Geuvânio) o que resulta em escassez de novidades no começo deste ano – curioso é que se antes era moda dizer que o time deveria se reforçar antes, agora critica-se o fato do time não ter novidades de peso na reapresentação.
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Em segundo lugar, o ambiente regulatório continua frouxo e permitindo a quebra sistemática do fair play financeiro, a ponto de um clube ao mesmo tempo que anuncia estar devendo 3 meses de salário possa pagar R$ 10 milhões para tirar o centroavante do rival (falo do Cruzeiro) e outro clube possa sofrer aportes de capital de uma empresa financeira sem grandes questionamentos da validade desse procedimento (falo do Palmeiras). Quando a regulação é ineficaz, quem age de acordo com o manual de bom comportamento fica com a impressão de ser o otário do pedaço. Mas, acredite, fazer o certo compensa a longo prazo.
Em terceiro lugar, um revés inesperado: estádio! Em 2013 o Flamengo jogava em um Maracanã novinho em folha, projetando ganhos de diversas fontes alternativas (camarotes, bares, etc.), além do reposicionamento do preço dos ingressos. De lá para cá, tudo piorou. O Maracanã foi destruído nas Olimpíadas, a Ilha do Urubu é um estádio acanhado e que ainda assim não costuma encher, ninguém tem a menor ideia que direção tomar nesse campo. Estádio é um componente muito importante no campo esportivo e financeiro de qualquer clube e o Flamengo está à deriva.
Ponderando esses fatos, ainda assim mantenho a previsão: o ano de 2018 é o ano zero da mudança definitiva da competitividade do Flamengo.
2017 foi de esgotar a paciência de qualquer torcedor, mais ainda diante da expectativa que se criou, porém, no frigir dos ovos, foi o melhor ano desta década do clube, que fracassou na Copa Libertadores precocemente, mas disputou duas finais relevantes e terminou o Brasileiro na última posição digna que restava, ainda que aos trancos e barrancos. Melhor, inclusive, do que 2013, onde, a despeito do título da Copa do Brasil, o time passou o Brasileiro lutando contra o rebaixamento.
Reconhecer isso não significa dizer que 2017 foi bom. Significa dizer que 2012, 2014 e 2015 foram ruins, 2013, aquele sim, foi mágico, por trazer um título improvável, mas na fronteira entre o céu e o inferno, 2011 foi a pior relação entre investimento x resultado e 2016 foi parecido com 2017, mas com a diferença de que nos campeonatos de mata-mata o time caiu cedo demais.
2013, aquele sim, foi mágico. Imagem: CBF / Divulgação
Significa também notar que o time está evoluindo e lentamente mudando de patamar, afinal 2016 já tinha sido melhor que 2015. Isso é tão óbvio que me choca a ira que desperta em parte da torcida quando lembrada dessa circunstância – até a própria direção do clube parece se envergonhar de defender publicamente seu feito.
Há uma enorme confusão entre ter dinheiro investido no elenco e conquistar títulos de forma automática. Além da diferença de investimentos entre os principais competidores não ser tão elástica, futebol é o esporte coletivo que dá mais chances ao improvável. É possível ser campeão por acaso, como o Flamengo mesmo já cansou de provar – sim, a bola muitas vezes entra por acaso. Mas não é possível disputar títulos de forma consistente por acaso.
Ter dinheiro, em resumo, não é garantia de ser campeão. Mas é, quase sempre, garantia de disputar títulos de forma habitual. Porém, o contrário é absolutamente verdadeiro: não ter dinheiro é um atalho conhecido para o fracasso. E ter dinheiro de forma perene é algo muito difícil, que exige disciplina férrea. Ilustro com um episódio.
Exatos 6 anos atrás a imprensa dava como certa a renovação de Thiago Neves com o Flamengo, que tinha feito uma temporada apenas razoável no ano anterior, mas que era peça importante na disputa da Pré-Libertadores que se avizinhava. Para surpresa geral, Thiago Neves foi apresentado nas Laranjeiras ao custo de mais de US$ 9 milhões, sob os gritos “Urubu otário, o Celso Barros tem dinheiro pra car…”. Realmente, o poder de fogo do tricolor, praticamente arrendado à Unimed, parecia não ter fim.
O que pouca gente se lembra é que a Unimed começou a despejar dinheiro no Fluminense em 1999 e levou 11 anos para erguer o primeiro campeonato brasileiro (ou 8 para uma Copa do Brasil), tendo contratado Romário, Edmundo, Deco, Fred, Belletti e uma penca de jogadores caros. E agora todos estão vendo como esse crescimento artificial, malgrado as 2 (ou 3) valiosas taças que deixou, pode terminar muito mal.
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Enfim, depois de 5 temporadas inteiras de dieta, as finanças do Flamengo finalmente estão ajeitadas, embora ainda sem a folga que muitos fantasiam.. Manter a linha agora só depende de nós. E a julgar pela acelerada decomposição de alguns dos nossos competidores (em especial dos cariocas), teremos pelo menos 10 anos de muita alegria.
Nesse período, façamos o de sempre: torcer! Parece óbvio, mas tem gente se esquecendo desse que parece ser um pequeno detalhe, mas é de onde vem a nossa força maior e a nossa identidade.
Walter Monteiro é advogado com MBA em Administração. Membro das Comissões de Finanças do Conselho Deliberativo e do Conselho de Administração do Clube de Regatas do Flamengo. Escreve sobre o Flamengo desde 2009, em diferentes espaços.
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