Todos sabiam que conquistar o certame nacional de 78 seria extremamente complicado. Afinal, o Mengo não poderia contar com Zico e Toninho, na Seleção Brasileira. Além disso, não havia dinheiro em caixa para reforçar o elenco. Nem mesmo a venda de Osni ao Bahia, por 1,5 milhões de cruzeiros aliviava a situação. A esperança era negociar Toninho com o Inter, por mais 3 milhões. O lateral, entretanto, não acertou as bases salariais com o clube gaúcho e permaneceu na Gávea.
A ordem era prestigiar a prata da casa. Jovens como Leandro, Vítor, Cidade e Lino passariam a ganhar mais oportunidades. Os únicos reforços contratados foram o obscuro centroavante Radar, que veio do Rio Verde, de Goiás, por empréstimo e o ponta esquerda Santos, trocado pelo lateral Vanderlei (Luxemburgo) com o Inter.
Capítulo 2 – Finalmente… O Campeonato Brasileiro de 78
Primeira fase
A primeira fase do Campeonato tinha dois grupos com treze clubes e quatro com doze. Os seis primeiros colocados classificar-se-iam para a segunda fase. Os demais, iriam para repescagem. O Flamengo ficou na Chave G. Estreou diante do Fluminense, vencendo por 1 a 0, gol de Luís Paulo. Neste clássico, Modesto Bria dirigiu a equipe.
Na sequência, Joubert assumiu o comando do time, pelo menos até Coutinho voltar da Copa, em Julho. Mesmo jogando mal, o rubro-negro emplacou mais três vitórias seguidas, todas pelo placar mínimo, sobre o Fast (gol de Júnior Brasília), Remo (gol de Valdo) e Goytacaz (gol de Merica).
Antes do primeiro revés da equipe, um emissário da Inter de Milão foi a concentração Brasileira e apresentou uma proposta de 1 milhão de dólares por Zico. Márcio Braga tratou logo de rechaçar os italianos. Enquanto isso, a equipe caia diante do América, por 3 a 2(gols de Adílio e Carpegianni) perdendo assim sua invencibilidade na competição
Na sexta rodada, o Mengo voltou a vencer e não convencer. Bateu o Americano, em Campos por 1 a 0, gol marcado por Radar.
Outros cinco triunfos fecharam a participação e deram ao fla a liderança do grupo. Contra o Bangu, mesmo com uma zaga improvisada, formada pelos ex juvenis Adriano e Cidade, uma goleada de 4 a 1. Destaque para o “novo ídolo”rubro-negro Radar, autor dos quatro tentos.
O próximo compromisso seria contra o Nacional, de Manaus. Temia-se um prejuízo pelo pouco público. O novo supervisor do clube, Domingos Bosco tratou de convocar a torcida “Venham ver Radar jogar”. O novo xodó não marcou e o time saiu de campo vaiado, mesmo vencendo por 2 a 1 (Santos e Adílio). Radar, segundo o Jornal O Globo do dia seguinte, não conseguia nem mesmo dominar a bola.
Na nona rodada, a melhor partida do time. Júnior e Tita marcaram, no 2 a 1 em cima da Portuguesa. No triunfo seguinte, diante do Paysandu, Tita e Radar fizeram os gols do 2 a 0. Finalmente, em Piracicaba, o Mengo bateu o XV, por 2 a 1 (Júnior e Tita). Encerrando assim sua participação.
Aproveitando-se de uma folga na tabela, antes do início da segunda fase, a equipe pode recuperar alguns jogadores, como Cláudio Adão e marcar três amistosos, atenuando um pouco a crise financeira. Por recomendação do Vice Presidente de Futebol, Ivã Drumond, Leandro, que vinha impressionando nos treinamentos, deveria ser testado na vaga do oscilante Ramirez.
O primeiro amistoso aconteceu diante do Atlético de Alagoinhas. Três a um, para o Flamengo, com gols de Júnior, Ramirez e Valdo. Contra a Seleção de Ipiáu, goleada de 4 a 0 (Radar, duas vezes, Luís Paulo e Merica). A última partida foi diante da Seleção de Nova Friburgo. Mais um triunfo tranquilo, desta vez de 3 a 0 (Tita, duas vezes e Anselmo).
Segunda fase
A excelente campanha na fase anterior dava ao Flamengo uma certa tranquilidade. Afinal, agora seriam formados quatro grupos, com nove integrantes dada.Os seis primeiros estariam classificados a terceira fase, juntamente com o time que tivesse a maior pontuação dentre os 12 eliminados (achou confuso e bagunçado? Tudo culpa de nossos cartolas).
A estreia foi diante do Corinthians, no Morumbi. Radar marcou e salvou o time da derrota. O 1 a 1 ficou de bom tamanho pelo que as equipes apresentaram. Na sequência, mais dois empates, ambos no Maracanã, frente ao Sport ( 0 a 0) e Botafogo (1 a 1, gol de Tita). Neste jogo, o rubro-negro desperdiçou a oportunidade de acabar com uma longa invencibilidade do alvinegro.
Nos treinamentos, Cláudio Adão finalmente havia se recuperado de uma lesão e voltaria ao time, se fosse bem no coletivo. Depois dos 3 a 1 nos juvenis, gols de Valdo, Adão e Evilásio, ele foi confirmado. Outra boa notícia vinha da Seleção. Toninho renovara seu contrato com clube.
A primeira vitória nessa fase veio somente na quarta rodada. Cláudio Adão, de volta a equipe e Júnior, de pênalti, marcaram no 2 a 0 em cima do Juventude. Entretanto, toda a animação que tomara conta da torcida e do treinador Joubert foi por água abaixo logo na rodada seguinte, depois da derrota para o Operário-ms, por 1 a 0.
Faltavam três rodadas e a equipe sabia que precisava somar pontos, para não depender de outros resultados para classificar-se. No Maracanã, triunfo de 2 a 0, em cima do Botafogo de Ribeirão Preto, que contava com um jovem doutor e futuro craque chamado Sócrates. Os gols foram de Adílio e Merica.
Na sétima rodada, um empate sem gosto, frente ao Comercial, por 1 a 1 (Radar). Insatisfeito com o rendimento da equipe, Joubert escalou Tita na ponta direita (lugar que ele iria ocupar anos depois). No coletivo, deu tudo certo três a zero nos reservas, tentos de Adílio, Carpegianni e Cláudio Adão. Outra mudança promovida pelo treinador foi a barracão de Cantareli. Roberto entraria em seu lugar.
O Flamengo precisava ao menos do empate diante do América, na última rodada, para não depender de outros resultados. Mais uma vez, o time rubro aprontou para cima do mengo. O 2 a 0 obrigava o fla a esperar pelos demais resultados e jogos atrasados para saber se iria ou não disputar a terceira fase.
Para piorar ainda mais a situação, na disputa de terceiro lugar da Copa do Mundo, Toninho machucou seu joelho e Zico sofreu uma forte distensão na coxa. O galinho estava definitivamente fora da fase decisiva do nacional, se o time se qualificasse.
A vaga acabou sendo conquistada, mesmo com o Mengo tendo terminado apenas na sétima colocação. O clube entrava por índice técnico. O médico Célio Cotechia vai ao aeroporto, receber os lesionados do Flamengo. Fica desanimado e diz que Zico só volta em 60 dias.
Antes da próxima fase, mais dois amistosos, afinal, havia contas a serem pagas. Diante da Seleção de Macuco, goleada de 4 a 0, gols de Ramirez, Enéas (contra), Merica e Júnior Brasília. Já frente ao Estrela do Norte, vitória magra, pela contagem mínima (gol de Valdo).
Terceira fase
A terceira fase do brasileiro contaria com quatro grupos, com oito integrantes. Apenas os dois primeiros colocados avançariam as quartas de finais. Antes de estrear, contra o Botafogo, Radar, que havia perdido espaço com a volta de Adão, é devolvido ao Rio Verde. Bosco ainda tentou prorrogar o empréstimo ou parcelar a compra, mas não houve acordo.
Mais uma vez, o rubro-negro tinha a oportunidade de dar um fim a longa série invicta do Botafogo. Novamente, falhou. O clássico acabou igual ( 1 a 1, gol de Carpegianni). Pior, Júnior sentiu uma contusão e não poderia atuar diante do Palmeiras.
Contra o verdão, Ramirez foi improvisado na lateral esquerda e o novato Leandro, fez sua estreia no time titular. O resultado foi decepcionante (novo empate de 1 a 1, gol de Adílio), porém nascia para o futebol um dos maiores jogadores da história do clube. A atuação de Leandro foi elogiada pela imprensa e arrancou do técnico Joubert a seguinte declaração “Leandro foi realmente uma surpresa. No segundo tempo do jogo contra o Palmeiras, em vez de marcar, estava sendo marcado pelo ponta esquerda Nei”.
Os dois empates já não haviam sido bons resultados. Entretanto, uma goleada sofrida frente ao Grêmio, por 5 a 2 (gols de Santos e Júnior, de pênalti), praticamente sepultaram qualquer pretensão rubro-negra de brigar pelo título. Além disso, a derrota foi o estopim de uma crise na Gávea. Carpegianni disse que queria ser vendido. “Não aguento mais. O time não tem defesa, meio de campo ou ataque. Está tudo muito mal. Estou louco de vontade de sair. Desesperado mesmo”. Nos microfones da Rádio Nacional, o Apolinho, Washinton Rodrigues dizia que alguns jogadores não mereciam vestir o Manto Sagrado. Sobrou até mesmo para Júnior. O Presidente Márcio Braga era outro pessimista. “Não há dinheiro para contratar reforços. Temo pela nossa participação no Campeonato Estadual. Vou pedir ajuda a FAF (Frente Ampla pelo Flamengo)”. Segundo relatório apresentado por Ivã Drumond e Domingos Bosco, o time necessitava de pelo menos quatro reforços. Um goleiro, um zagueiro, um ponta direita e um centroavante.
Pela quarta rodada, a equipe foi ao Morumbi e segurou o 0 a 0 frente ao São Paulo. Diante do quadro, a igualdade foi considerada um bom resultado. Na sequência, veio um alento. Uma vitória de 3 a 1 sobre o Coritiba, no Maracanã (gols de Cláudio Adão, Toninho e Adílio). O lateral Toninho voltou ao onze titular, mesmo estando fora de forma e sem ritmo de jogo.
Para ter qualquer chance de se qualificar, o Flamengo precisava vencer seus dois últimos compromissos por três gols de diferença ou mais (pelo regulamento, isso daria três pontos por vitória).
E ainda torcer por uma grande e complexa combinação de resultados. O técnico Joubert e o Supervisor Domingos Bosco disseram que ainda acreditavam.
O sonho terminou na sexta rodada. O algoz foi novamente o América. A derrota de 1 a 0 foi uma vingança de Jaime Valente, que havia sido demitido da equipe da Gávea e agora dirigia o time rubro.
Restava apenas cumprir tabela, na derradeira partida. Antes da viagem para Bauru, onde enfrentaria o Noroeste, Cláudio Adão alegou dores na coxa e foi cortado da delegação que iria para o jogo e depois para a Argentina, disputar um amistoso diante do Talleres, em Córdoba. Desmotivado, o Mengo foi dominado pelo adversário e o revés por apenas 1 a 0 acabou sendo pouco, tal o domínio do Noroeste. Agora, era juntar os cacos e se preparar para o Campeonato Carioca!
No próximo episódio: Finalmente, começam as alegrias!
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Capítulo 3 | Com título épico contra o Real Madrid: A preparação para o Carioca de 78
Gustavo Roman é jornalista, historiador e escritor. Autor dos livros No campo e na moral – Flamengo campeão brasileiro de 1987, Sarriá 82 – O que faltou ao futebol-arte? e 150 Curiosidades das Copas do Mundo. Conhecido como um dos maiores colecionadores de gravações de jogos de futebol, publica toda quinta-feira, aqui no MRN, a série “Biografia Rubro Negra 1978-1992”, onde conta a saga do período mais vitorioso da história do clube mais querido do mundo.