Por Gerrinson. R. de Andrade (Twitter: @GerriRodrian) - Do Blog Orra, é Mengo!
A Luneta Mágica, obra-prima de Joaquim Manuel de Macedo, um dos livros mais esclarecedores já escritos. Mostra a todos como um olhar diferente pode mudar completamente seu entendimento de uma mesma coisa. Tem a luneta pra olhar com má-vontade, a luneta pra olhar com simpatia. A mesma parada é vista por ângulos diferentes, conforme os óculos de quem vê.
Pois o mesmo sujeito que olhou para o Tim Maia, na cinebiografia, com a cara no prato e dando bofetão na patroa, “ah quanta intensidade, um gênio explosivo, um experimentador”, pode ser o mesmo que bota sempre outros olhos para um Tião qualquer da vida que pôs a cara no prato e deu bofetada na patroa: “ah desgraçado, covarde, viciado maldito, pena de morte para esse!”. Muda-se o julgamento, tudo é outra coisa.
Inventaram até uma luneta mágica pra botar nos olhos quando é pra se ver futebol. Quando no Corinthians, diretoria não paga salário há meses, logo o jornalista vem com uma “readequação de mercado”, com “impasse administrativo” ou com o importante “senso profissional” que permite ao jogador exercer seu trabalho em fase de reestruturação financeira.
Quando é o Flamengo, se eventualmente atrasa o pagamento, o mesmo jornalista vem com a “falência de futebol brasileiro”, com a “falência moral e a irresponsabilidade da instituição”, com “a ação de criminosos” e “nenhum jogador deve se submeter a isso”.
Quando é o time de São Paulo que começa a jogar mal, logo aquele jornalista – de posse de sua luneta para elogiar gambá – vem com “cansaço natural provocado pelo estúpido calendário nacional”, com a “dificuldade de readaptação de jogador, em aprimoramento técnico”. Se o Flamengo é que cai de rendimento na temporada, aquele jornalista vem de novo com a outra luneta, de maltratar urubu. “O time nunca foi aquilo tudo”, “a preparação física da equipe é ridícula”, “agora o time está jogando o que sabe”.
Quando o Corinthians demite o seu técnico, “o profissional não estava preparado”, “profissional e equipe estavam conversando em outro idioma” e “é importante renovar a liderança”. Quando o Flamengo é que precisa mudar de técnico, “a diretoria foi covarde”, “o clube traiu e humilhou o profissional”, os jogadores “armaram pelas costas”.
Quem leu A Luneta Mágica e entende destas artimanhas da mente, fica de boa e até se diverte. Mas há quem leve a sério, sem perceber que o tal jornalista está de luneta trocada. E se trocou a luneta por ganhar uns trocados, por orientação do chefe ou por estratégia de marketing, ninguém sabe, ninguém viu.
Se o cheirador é o Tim Maia ou é o Tião, escolher com precisão a luneta na hora de avaliar faz toda a diferença. Mas colocar a luneta mágica do bom senso parece que ninguém quer, ninguém gosta.
Orra, é Mengo!