Com anos de sucesso dentro e fora do campo, o Método Monchi provou seu valor no Sevilla. Mas, como apontou o diretor esportivo, é uma abordagem que pode ser feita por qualquer clube
MRN Informação | Denise Neves e Diogo Almeida – Twitter: @denineves_ e @DidaZico
A contratação de um novo jogador de futebol é um dos processos mais importantes dentro de um clube, tendo em vista que é através dele que se constrói toda a estrutura tática do time e que se elabora estratégias que zelem pela saúde financeira do clube, ao fazer investimento em promessas e atletas consolidados no mercado.
Porém, é uma tarefa que requer conhecimento técnico qualificado a fim de evitar armadilhas geradas pelo amadorismo do departamento de futebol. Para fundamentar essa afirmativa, selecionamos os cinco principais critérios definidos pelo Método Monchi e adotados por dirigentes esportivos ao redor do mundo, principalmente na Europa, o lugar mais almejado por todo jogador de futebol.
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Bons olheiros
Ter uma boa rede de olheiros é fundamental para encontrar o que um clube necessita. São eles que estão encarregados de ter o poder de percepção para identificar o perfil do jogador que o clube procura e chegar em primeiro lugar antes dos demais clubes concorrentes.
Relacionamento
Outro fator crucial para analisar um atleta é o relacionamento dele tanto com o grupo quanto com o treinador. Nesse quesito, temperamento, adaptação, capacidade de diálogo, espírito de liderança e de equipe são avaliados e têm forte influência para as definições necessárias na tomada de decisão para contratar o jogador.
Contato com a bola
Além do relacionamento interpessoal, obviamente, a relação do atleta com a bola é outro aspecto fundamental para traçar o perfil do jogador. Aqui, a performance do jogador é avaliada minuciosamente em todo esquema tático desenvolvido pelo atleta dentro de campo.
Iniciativa, criatividade, força, agilidade, intensidade, confiança, competitividade, capacidade de raciocínio, ritmo etc, tudo o que envolve os sistemas defensivo e ofensivo do atleta são determinantes na hora da contratação.
Leitura de jogo
Em complemento a performance dentro de campo, a leitura de jogo do atleta na maior parte das vezes é o que destaca o jogador na equipe. Nessa avaliação, é observado a postura do atleta com e sem a bola. Sendo assim, tanto a linguagem corporal quanto a verbal são traduzidas nas entrelinhas ao observar um possível nome para o clube.
Com a bola é fácil, pois é o momento onde o jogador apresenta o seu trabalho. O mais importante acaba sendo quando ele está sem a bola, porque demonstra a visão de jogo do atleta e a capacidade dele em converter determinadas oportunidades em chances de jogo para o conjunto.
Ser humano
Por último e não menos importante, é necessário que se entenda o personagem em questão não só como um jogador de futebol, mas também como um ser humano. Nesse contexto, avaliar todo o psicológico do atleta, desde as preocupações às suas expectativas, podem definir se o jogador tem capacidade de assumir ou não a função que o clube necessita.
Em outubro de 2020, o informativo oficial de La Liga, a entidade responsável pela organização do campeonato nacional profissional de futebol da primeira divisão da Espanha, traçou um ótimo perfil de Ramón Rodríguez Verdejo, ou Monchi, como é chamado desde os tempos que defendia o gol do Sevilla.
Após trocar as luvas pela pasta de executivo de futebol, Monchi levou o tradicional clube andaluz a uma dezena de conquistas, de 2000 até 2017 e novamente desde 2019. O feito parece ficar obscurecido quando projetamos a sombra dos alcançados por Real, Barça e, num patamar um pouco abaixo, o Atletico. Contudo, pontua o artigo:
Nos primeiros 110 anos de história do Sevilla FC, o clube conquistou quatro troféus importantes. Nos 20 anos desde que Monchi mudou de sua função de goleiro titular para diretor de esportes, ele conquistou 10 títulos importantes, o último deles levantando a Liga Europa 2019/20.
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Além das conquistas, o Sevilla se beneficiou dos lucros das vendas milionárias de jogadores que foram contratados por baixos valores. As ótimas vendas de Ivan Rakitić, Wissam Ben Yedder, Dani Alves, Clément Lenglet e Vitolo, entre outros, consolidaram do caixa do clube entradas quatro vezes maiores do que foram as saídas.
Sem segredos
Durante o confinamento imposto pela autoridades espanholas a partir da explosão da pandemia em março de 2020, o departamento de comunicação do Valencia lançou uma uma série de 13 episódios chamada “MONCHI 13 Masterclass” no YouTube. Mesmo sem legendas para o português, os interessados em gestão esportiva menos fluentes no idioma podem tirar muito proveito deste material.
Monchi realmente quer expandir para o mundo sua metodologia. Além de ter publicado em 2017 seu livro “El Método Monchi: Las claves del sistema de trabajo del Rey Midas del fútbol mundial” (Editora Samarcanda), cujo e-book pode ser adquirido por apenas R$ 14,79 na Amazon, com as as bases de sua filosofia, o profissional não recusa a exposição de seus segredos em diversos fóruns sobre o futebol ao redor do mundo.
Se você decidir que a taxa média de sucesso no passe longo deve ser de 68% por jogo, você usa essa variável para descartar jogadores.
Monchi
Na conferência Soccerex 2020 ele participou de uma videochamada com a mídia internacional, organizada pela LaLiga, onde destacou outros pontos importantes que devem ser observados pelos maiores clubes do mundo.
E aqui cabe uma provocação aos homens que comandam o futuro do Flamengo, parte naturalmente interessada no que Monchi tem para falar sobre outros tópicos de suma relevância para o sucesso de um departamento de futebol: será que eles estão atentos a tudo isso? Será que eles participaram da Soccerex 2020? Esperamos que sim. E se sim, infelizmente não vimos o emprego desse conhecimento ao longo da temporada recheada de trapalhadas.
Voltamos a Monchi e seus ensinamentos na Soccerex 2020.
A importância dos dados
O clube precisa colocar os dados no centro da tomada de decisões.
“Sou um paciente de dados”, declarou Monchi na conferência. E explicou mais: “Tanto Big Data quanto Inteligência Artificial e aprendizado de máquina. Eu acredito muito nos dados. Você pode maximizar o desempenho, reduzir o tempo de tomada de decisões e, o mais importante, reduzir a margem de erro”.
“A primeira coisa é definir, caracterizar o jogador que você deseja. Imagine que você queira um zagueiro que faça bons passes longos porque o seu time joga com muita mudança na frente. Se você decidir que a taxa média de sucesso no passe longo deve ser de 68% por jogo, você usa essa variável para descartar jogadores”, acrescentou.
Em seguida, explicou: “No final, é ser capaz de, por meio da Inteligência Artificial, interpretar da melhor maneira possível como é o jogador típico para que atue ao máximo dentro de um sistema coletivo que o treinador utiliza e uma vez que perfil com Big Data, tentando encontrar esse jogador”.
Contratação de profissionais
Como o uso de dados tem sido um sucesso no mercado de transferências, o clube continua investindo.
“O que implementamos na gestão do esporte é a criação de um departamento de P&D”, destacou Monchi.
“Um departamento exclusivamente de dados onde há pessoas que 5 ou 6 anos atrás seriam uma utopia. Temos matemáticos, temos engenheiros, temos físicos, estatísticos e analistas”. Os Rojiblancos também estão trabalhando no desenvolvimento de software e ferramentas próprias para agilizar os processos de contratação.
“Estamos desenvolvendo um aplicativo próprio que nos permite fazer um ajuste fino ao máximo”, revelou Monchi. “Estamos trabalhando nisso”.
Combinar o técnico com o esportivo
É claro que a coleta de dados de qualidade não garante o sucesso.
Monchi defende que a intuição humana continua a ser essencial para a tomada de decisões, mas sem deixar de estar o mais bem informado possível.
“8 milhões de dados são gerados em cada jogo e nem tudo é necessário”, explicou. “O importante é poder conciliar o relato subjetivo com o objetivo. Todos os clubes estão trabalhando nisso. Temos um departamento para integrar os dados no processo de seleção do jogador sem esquecer de ver o jogador. Você tem que combinar as duas questões para tomar a melhor decisão”.
Para fazer isso, o clube desenvolveu uma abordagem abrangente que permite uma ampla coleta de dados e, em seguida, uma análise humana mais próxima.
“A forma como o Sevilla FC trabalha em termos de gestão desportiva tem dois pilares: vigilância e coordenação com o treinador”, afirmou. “O técnico não é quem decide o nome do jogador, mas o perfil. E com o trabalho dos batedores, tentamos oferecer possibilidades a eles.”
O Sevilla FC divide o ano como os olheiros em duas partes. De julho a dezembro, os 12 olheiros seguem suas respectivas ligas com uma visão ampla e coletam informações. Depois, de janeiro a maio, há um acompanhamento mais próximo de alguns jogadores que saem do clube com um elenco de cerca de 15 jogadores por posição.
O técnico não é quem decide o nome do jogador, mas o perfil.
Monchi
Isso é seguido por conversas aprofundadas com o treinador no final da temporada, onde o departamento descreve seis ou sete opções potenciais que poderiam atender às necessidades do treinador.
Com anos de sucesso dentro e fora do campo, o Método Monchi provou seu valor no Sevilla FC. Mas, como apontou o diretor esportivo, é uma abordagem que pode ser feita por qualquer clube e com a análise de dados que continua avançando, ainda há muito progresso pela frente.
“Em 2000, a estrutura era zero”, concluiu. “Hoje somos um clube em estudo. É fruto do trabalho de muitas pessoas. E não paramos. Tentamos continuar crescendo.”