DIRETO DE GUAYAQUIL – Guilherme Schneider acordou em 28 de novembro de 2021, em Montevidéu, de cabeça inchada. Na boca, o gosto amargo da derrota para o Palmeiras causada por diversos erros, da diretoria ao falso volante Andreas Pereira, mas também passando pelo suposto técnico Renato Portaluppi.
Mesmo assim, como bom rubro-negro, Guilherme combateu a tristeza com a confiança que só tem quem viu Zico, Júnior, Leandro, Romário, Petkovic, Adriano, mas também Arrascaeta, Bruno Henrique, Everton Ribeiro, Gerson e Gabigol jogarem. Abriu o app no celular e marcou o AirBNB para Guayaquil, entre os dias 28 e 31 de outubro de 2022. O sonho do tri recomeçava ali, onze meses antes.
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Amigos desde a infância, Guilherme e este repórter se encontraram na cidade portuária do Equador na última sexta-feira, 28 de outubro. Na região de Puerto Santa Ana, ou a Guayami, como os equatorianos a chamam, os dois amigos se abraçaram e repetiram o mantra repetido desde o apito final no Uruguai: “Vamos buscar!”
Por toda Guayaquil, milhares de torcedores do Flamengo dividiam o mesmo sonho. O tricampeonato parecia inevitável. Nas conversas em mesas de bares, o clima era de obrigação da conquista, mas com um certo pé atrás de quem viu Andreas escorregar.
Guayaquil era vista com desconfiança pelos visitantes, mas recebeu os brasileiros de forma muito amável. O povo equatoriano estava verdadeiramente orgulhoso de ser o centro nervoso do futebol sul-americano por um final de semana. Nos pontos turísticos como o Malecon 2000, era comum ver pedidos de fotos com os rubro-negros. Na Embaixada do Torcedor, brasileiros e equatorianos trocavam camisas do Flamengo e do Barcelona.
Final única é um suco de América do Sul
Mesmo com toda a boa vontade do povo local e a ação da Conmebol de tapar o sol com a peneira, a verdade é que o continente sul-americano não foi feito para final única. Não há voos para chegar a Guayaquil (ou à maioria das cidades do continente). Quem chegou, não encontrou hotéis suficientes. Quem encontrou hotel, sofreu para se locomover, pois os taxis cobravam preços exorbitantes e os motoristas de aplicativo eram escassos.
Para piorar, no Brasil, uma agência de viagens resolveu vender pacotes para a final sem ter os aviões para embarcar as pessoas. O resultado foram quatro dias de caos, muita gritaria e choro no aeroporto do Galeão. Quem conseguiu embarcar, só recebeu os ingressos para o jogo horas antes da partida. Descaso total.
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Mesmo assim, a festa foi grande. A partir do dia 26, os torcedores do Flamengo foram tomando a cidade. Quando o time chegou ao hotel Oro Verde, centenas deles estavam lá, cantando, bebendo e dando entrevistas para as TVs equatorianas.
Nos dois treinos do time no campo do Emelec, em 27 e 28 de outubro, eles estavam lá também. Até jogar uma pelada com equatorianos na frente do George Capwell, eles jogaram. Em todas as oportunidades, o canto mais ouvido era: “Oh, vamos ser Tri, Mengo!!! Vamos ser Tri, Mengo!!!”
O dia que o sonho do Flamengo virou realidade
O sábado, 29 de outubro, amanheceu ensolarado. Guilherme tomou café da manhã no Villa Café, no bairro de Velasco Ibarra. Já estava nervoso, mas confiante. Dali, partiu para o Malecon 2000, pois ainda era cedo para ir para o estádio.
No ponto turístico, os torcedores do Flamengo se distraíam antes de enfrentar o trajeto até o estádio. Aliás, chegar ao estádio foi uma aventura. Os taxis cobravam, 15 dólares (cerca de 77 reais no câmbio de hoje) ou mais. A Conmebol havia anunciado ônibus especiais a um dólar, mas ninguém sabia onde eles estavam.
Quase por um milagre, um desses ônibus surgiu na avenida que margeia o calçadão na beira do rio Guayas. Os torcedores foram entrando a cada parada. Lá dentro, muita festa e confiança. Faltavam três horas para o apito inicial.
Sol, calor e Taça
A arquibancada sul do estádio Monumental Isidro Romero Carbo (ou Banco Pichincha!) lotou no setor inferior e ficou um terço cheia no setor superior. Guilherme e mais 12 mil rubro-negros fizeram a festa desde duas horas antes do jogo começar.
Do outro lado, os atleticanos precisaram da ajuda dos equatorianos para deixar o setor norte semi ocupado. Apesar de esforçados em alguns momentos do jogo, não fizeram frente aos torcedores do Flamengo que entoaram sem parar: “Oh, vamos ser Tri, Mengo!”
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O jogo começou feio. Estranho. Como em finais anteriores, o Flamengo parecia lento e desligado. Quase levou um gol de Vitinho aos 11 minutos, quando David Luiz matou mal uma bola no peito. Santos salvou. Na cobrança de lateral seguinte, a bola mais uma vez pererecou na área do Flamengo até Alex Santana bater de voleio por cima.
Aos 18, Filipe Luís pediu para sair, pois não aguentou a dor da pancada no pé esquerdo em dividida com Vitor Roque, minutos antes. Por incrível que pareça, ao perder seu lateral esquerdo titular, o Flamengo começou a vencer o jogo.
Mais uma vez, Gabigol
Ayrton Lucas deu uma velocidade ao time pela esquerda que Filipe não tem mais condições de dar. E foi justamente em uma bola esticada pela esquerda que o Athletico-PR cometeu seu erro capital. Aos 42, Pedro tocou para Ayrton Lucas, mas a bola correu muito. Veloz, o camisa 26 chegou antes de Pedro Henrique, que deu um rapa no lateral esquerdo do Flamengo.
O zagueiro atleticano já havia tomado cartão amarelo ao dar uma pernada por trás em Gabigol, mas recebeu o segundo do árbitro Patrício Lostau. Para piorar, Luiz Felipe Scolari demorou a recompor a defesa. E foi exatamente no espaço do zagueiro que Gabigol marcou aos 48.
Everton Ribeiro, o melhor em campo, se livrou de Hugo Moura com um giro de corpo que é crime em 50 países, tabelou com Rodinei e cruzou da direita. A bola percorreu a área toda e encontrou o predestinado camisa nove para empurra-la para as redes. Quarto gol dele em três finais de Libertadores desde 2019. Igualou Zico. Um jogador eterno para o Flamengo.
A gente é Tri, Mengo!!!
Com um a mais e na frente no placar, o Flamengo dominou o segundo tempo, mas não conseguiu ampliar o marcador. Não se sabe se foi pelo calor ou por um cansaço de final de temporada, o Rubro-negro tocou a bola e não correu sustos.
Terans bateu uma falta aos 45 do segundo tempo, mas Santos defendeu sem problema. Com o apito final, o sofrimento de um ano, desde o fatídico 27 de novembro de 2021, chegou ao fim. Na arquibancada Sul, Guilherme correu para o alambrado para comemorar com os jogadores.
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No grupo dos amigos no WhatsApp, que desde 2019 se chamava “Rumo ao Tri”, veio a ordem: “Muda o nome do grupo!” E assim foi feito. Até 11 de novembro de 2023, o grupo vai se chamar “Rumo ao Tetra”. Isso porque, nos bares de Puerto Santa Ana, o canto já havia sido atualizado.
Inebriados, os torcedores do Flamengo já cantavam: “A gente é Tri, Mengo! A gente é Tri, Mengo! A gente é Tri, Mengo!” Guilherme e este repórter se despediram, mas com a certeza de que vão se reencontrar em pouco mais de um ano em outra cidade sul-americana sem a estrutura necessária para receber milhares de pessoas de uma só vez. E vão fazer a festa mais uma vez! “Oh, Vamos ser tetra, Mengo!”