A única definição correta de um líder é alguém que tem seguidores. O verdadeiro líder não é alguém que seja amado ou admirado. É aquele cujos seguidores fazem o que tem que ser feito. A popularidade não é liderança, mas os resultados são. A liderança não é posição, privilégios, títulos ou dinheiro. É responsabilidade!” (Peter Drucker)
A chegada de Reinado Rueda ao Flamengo movimentou o noticiário e os debates esportivos. Como tudo que acontece quando envolve o Mais Querido, a repercussão foi gigantesca. Análises de todos os tipos já foram publicadas. Mesmo assim, resolvi ser mais um a abordar o tema, porém com um enfoque mais voltado para a questão gerencial. Embora não acredite que apresentarei qualquer novidade, pretendo organizar o que se fala por aí, dentro da teoria de liderança.
O trabalho do técnico de futebol é basicamente um trabalho de liderança. Não é por acaso que, em inglês, a função receba o nome de coach, um dos modismos atuais do desenvolvimento de pessoas. Um treinador é alguém que precisa fazer com que um grupo (de jogadores) por meio de um planejamento (esquema tático) utilize a capacidade técnica de cada integrante de forma sinérgica (“time encaixado”, “conjunto”) em prol de um objetivo (fazer mais gols do que o adversário).
Portanto, a função vital do técnico é ter capacidade de motivar/influenciar os jogadores (liderados) para que contribuam com entusiasmo para alcançar o objetivo da equipe (vencer jogos). Liderança é a capacidade de produzir sentido para outra pessoa.
Para conseguir sucesso é preciso ser bom em planejamento (tática) e em relacionamento interpessoal (“vamos correr por ele”), uma vez que se trata de um esporte de alto rendimento ou seja algo extremamente competitivo, o que significa que os jogadores precisam se dedicar ao extremo, usando o máximo de suas capacidades física, mental e emocional.
Como um líder, o trabalho do treinador passa por aspiração, transpiração e inspiração. Quem tem aspiração, tem sonhos. Cabe ao “professor” a função de fazer a equipe sonhar de forma conjunta, compartilhada. No mundo corporativo, a transpiração significa o famoso “arregaçar as mangas”. No futebol, está presente nos treinos. Na repetição, para que o subconsciente de cada um capte o que precisa ser feito nos jogos. Já a inspiração tem relação com a personalidade e caráter do indivíduo. É o que irá convencer ou não os jogadores a realizarem as funções planejadas. É o que fará alguém correr por ele (e pelo colega de grupo). É o fator que poderá extrair o algo a mais de cada um.
Um mesmo grupo de jogadores poderá ter resultados bem diferentes com treinadores distintos sem qualquer alteração no esquema tático. A explicação está na inspiração expressa no dito popular “deu liga!”. Um treinador pode não conseguir transmitir suas ideias para um grupo e ter enorme sucesso com outro. O ambiente também tem peso considerável, por conta dos agentes externos (pressão da torcida, apoio da diretoria, grau de exposição pública, aceitação da mídia e seus formadores de opinião, etc). Então, um grupo de jogadores e comissão técnica que não deu certo num clube pode dar em outro e vasco-versa.
Não basta, por exemplo, um técnico ser estudioso e entender muito de tática se não tiver boa capacidade de comunicação. Na era do conhecimento, conversar é trabalhar. O treinador de futebol precisa que os jogadores entendam e assimilem seu esquema. “Futebol não é xadrez” diz com simplicidade sábia um conhecido meu. Afinal, o técnico precisa realizar seu trabalho de maneira indireta, ou seja, por intermédio de outras pessoas.
Quando um novo treinador assume, mesmo sem tempo para alterar esquema e metodologias de treinamento, muda-se automaticamente a comunicação e isso por si só já representa uma alteração significativa que pode influenciar na motivação e/ou assimilação de ideias por parte do grupo, o que afetará o rendimento para o bem ou para o mal.
Outro dia, Guerrero deu uma entrevista dizendo que sente o Flamengo “mais paciente” agora. Era óbvio que nos últimos jogos sob comando do Zé Ricardo (a quem defendi, então não estou aqui jogando pedras), havia um problema emocional. O nervosismo quando tomávamos um gol era nítido. Mas ia além, pois a equipe parecia já entrar em campo afoita, querendo decidir logo, muitas vezes de forma atabalhoada, e bastante preocupada em não tomar gols, o que gerava um desequilíbrio na equipe.
Já o Rueda conseguiu dar uma tranquilidade maior à equipe. Por uma série de fatores que vão de sua provável capacidade de liderança (a confirmar) até mudanças de posicionamento (como prender mais os laterais), passando por motivos externos, porém importantíssimos num clube de massa, como é o caso do apoio da torcida. Nos últimos jogos sob comando do ZR a tensão no ambiente era muito maior. Esse clima atual de confiança da Massa Flamenga no trabalho do treinador ajuda a acalmar e dar confiança aos jogadores. Haverá mais paciência com o erro e, portanto, menos ansiedade.
Um grupo como o de jogadores de futebol é ainda mais complexo de se lidar. Ao contrário das empresas, onde o lucro se acumula em quem detém o capital, a estrutura de propriedade e de administração dos clubes não gera o mesmo efeito, até porque muitos são organizações sem fins lucrativos. Assim, o alto volume financeiro gerado pela ampla audiência envolvida, faz com que os trabalhadores sejam o elemento da cadeia que leva a maior fatia de valor dessa indústria. Logo, os jogadores ao invés de vistos como operários, são astros e ganham fortunas! Ao redor deles, há diversos assessores. Muita gente para lhes encher a bola, já que têm benefícios nisso. Um treinador facilmente terá oposição dos representantes dos boleiros que não estiverem com boa imagem. Não é nada simples liderar um grupo assim.
Além disso, por ser algo que muitos acompanham com grande atenção, não faltam “entendedores”. De técnico e louco, todos nós temos um pouco, certo? Então, imaginem os jogadores. Claro que eles possuem visão própria de como deveriam jogar. Cabe ao treinador, a árdua tarefa de convencê-los do que deveria ser o certo a fazer. A liderança, como já abordado aqui, precisa fazer sentido para o liderado. O técnico de futebol precisa constantemente convencer o grupo de jogadores que o que está propondo é o mais adequado a ser feito. Para a liderança ser eficaz, os liderados precisam continuar acreditando na capacidade de instrução e diagnóstico do líder.
Nas constantes substituições de treinadores no brasileiro, ano após ano, vemos casos de alguns darem certo, depois de naufragarem em outro clube. Um comandante que havia fracassado em um clube pode ter sucesso em outro, num curto intervalo de tempo. Não é verossímil acreditar que ele mudou subitamente seu comportamento e estilo de liderança. Então, provavelmente, o motivo foi que se adaptou melhor ao novo ambiente (clube, grupo de jogadores, etc).
Uma troca de treinador pode fazer com que haja uma mudança relevante na forma da equipe atuar, mesmo em pouco tempo. Não se trata de mágica, nem de que novo seja brilhante e antigo, péssimo. A capacidade de liderança do antigo técnico já poderia não estar sendo bem aceita pelo time, o que não significa que estivesse existindo boicote. Mas, sim, que não estava mais produzindo efeitos para seus liderados. Mais difícil que motivar costuma ser manter um grupo motivado num prazo mais longo.
Quem acompanha futebol sabe que um mesmo grupo jogando da mesma forma pode parar de alcançar resultados que vinha alcançando de forma repentina. Alguns atribuem a isso uma questão puramente tática de que o esquema ficou manjado e outros conseguiram anular as principais forças. Sim, é bem possível, porém há fatores além da tática. Se o discurso do treinador for padrão e imutável, os jogadores simplesmente podem parar de prestar atenção. A manutenção da motivação é um dos principais desafios da liderança. Assim, depois desse começo promissor, cabe ao Rueda mostrar que não foi um sonho de uma noite de verão como já vimos, por exemplo, com Oswaldo de Oliveira.
Eu, particularmente, estou otimista com os sinais dados até aqui e confiante de que o Ronaldo Rueda será um líder capaz de alimentar um forte senso de equipe, proporcionando um ambiente que recompense o bom desempenho e que o time seja organizado de forma que cada um saiba o que deve fazer.
Jorge E. F. Farah, mais conhecido no mundo rubro-negro pelas iniciais JEFF, é administrador de empresas, tendo pós-graduação em administração geral e MBA em finanças, com experiência em bancos de investimento, consultoria e setor público. Foi colaborador dos blogs Magia Rubro-Negra, Saudações Rubro-Negras e Ouro de Tolo e pode ser encontrado no twitter como @JEFF_MAGIA ou @IgrejaFlamengo. É sócio proprietário do C.R. do Flamengo e assessor da comissão de finanças do Conselho Deliberativo.
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