Muito bom o trabalho elaborado por Marcos Inácio Severo de Almeida, Altair Camargo Filho, Denise Santos de Oliveira, Ricardo Limongi França Coelho e Pedro Savioli, da Universidade Federal de Goiás, como trabalho acadêmico para a ANPAD – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração.
O título do trabalho é “Desempenho mercadológico no país do futebol: determinantes simultâneos da presença de público nos estádios”. Muito bem-vindo dentro de um universo no Brasil que move muito capital, mas é inexplicavelmente pouco estudado e muito carente de análises bem embasadas. Que muitos outros estudos como este venham para ajudar o futebol a entender seu mercado de consumo e que assim possa oferecer adequadas experiências a seus consumidores.
Como muito bem destacaram os autores no seu texto: “Dirigentes e profissionais de marketing que atuam nessa realidade pouco sabem dos fatores que determinam a presença de público nos estádios. As pesquisas existentes sobre o contexto brasileiro são desenvolvidas segundo uma lógica estritamente econômica, que atribui importância a uma variável dependente apenas, o público total das partidas”. É preciso aprofundar muito o tema e o entendimento das expectativas do consumidor do produto futebol nos estádios. O Brasil em especial tem dificuldade com prestação de serviços ao consumidor em praticamente todos os segmentos econômicos, com muito a ser feito no quesito na chamada “customer experience”, ou seja, em oferecer uma verdadeira experiência em atendimento ao cliente.
A análise se preocupou em buscar histórico de análises do benchmark internacional. Na liga feminina alemã, foram encontrados efeitos positivos do que os autores classificaram como qualidade (partidas envolvendo equipes que disputam posições no topo da classificação) e incerteza da partida (envolvendo times com chances reais de conquistar o campeonato). Efeitos semelhantes de qualidade foram encontrados com dados da primeira divisão espanhola, embora restritos aos dois maiores clubes, Barcelona e Real Madrid. Até o início do século XX, o principal motivador da ida de pessoas a estádios era simplesmente a chance de vitória do time mandante, conforme indicou um extenso estudo com dados da Liga de Baseball dos EUA de 1904 e 2012. No início, as pessoas iam aos estádios para verem a superioridade dos seus times diante dos adversários. A partir da década de 1950 outros fatores, como a qualidade dos estádios e a incerteza em relação aos resultados também passaram a ser influentes para a presença de público. De estudos que tratam exclusivamente de fatores externos, destaca-se um modelo no qual o ambiente econômico (medido por meio da renda per capita da população), a qualidade do produto (número de pontos e de gols marcados em um passado próximo ao jogo, importância da partida, entre outros) e diversos outros incentivos (preço médio do ingresso, jogos em fins de semana, jogos à noite ou condições climáticas favoráveis) afetam o público pagante de eventos esportivos. Um estudo analisando dados entre 1990 e 2002 de clubes de futebol do Chile, verificou que, no contexto do futebol, o torcedor não se importa tanto com o preço do bilhete, mas sim com a experiência de assistir ao time em campo. Não é somente a habilidade técnica da equipe da casa que influência na presença dos torcedores, a força da equipe visitante atrai a atenção da torcida e seu talento influencia positivamente a ida do torcedor ao estádio. Sobre os fatores extrínsecos, nota-se que a época em que o jogo é realizado é um importante preditor da presença de público. Partidas disputadas em dias de meio de semana têm média de público inferior àquelas realizadas nos sábados e domingos. Um outro fator já destacado por estudos internacionais: pesquisadores norte-americanos envolvidos com investigações sobre o efeito da construção de novas arenas nos mais variados esportes classificam o fenômeno como “efeito lua de mel”, que se dissipa após 5 anos (o estádio novo, recém-construído deixa de atrair público apenas pelo simples fato de ser uma novidade).
Em resumo, os efeitos que impactam a presença de público nos estádios:
Fatores de desempenho da equipe: equipes campeãs da temporada corrente levam, comparativamente, mais público aos estádios que seus concorrentes, assim como equipes com melhor desempenho em temporadas anteriores. A presença nos estádios em um período anterior também influencia positivamente a mesma variável em período subsequente. A porcentagem de vitórias da equipe na temporada corrente também é fator determinante para a presença nos estádios. Outros trabalhos identificaram a influência positiva do número de pontos ganhos e gols marcados pela equipe que joga em casa nos cinco jogos imediatamente anteriores.
Fatores mercadológicos: identificou-se uma relação positiva entre o tamanho da torcida da equipe visitante e a presença no estádio. O preço está negativamente relacionado à quantidade de público que frequenta uma partida. A “força” da equipe possui certo efeito, pois está associada à inelasticidade da demanda.
Fatores econômicos e demográficos: o tamanho da população da cidade onde são realizadas as partidas está positivamente relacionado à presença de público nos estádios. Partidas em dias da semana são mais desfavoráveis que as realizadas nos fins de semana, apresentando, portanto, uma relação negativa com a presença nos estádios. Partidas realizadas aos domingos de manhã levam, proporcionalmente, mais espectadores aos estádios. Partidas realizadas no início e ao fim do campeonato são mais atrativas que as realizadas na metade da competição. A relevância da partida, como clássicos estaduais ou envolvendo equipes que estão em posição de classificação de torneios continentais, influencia positivamente. A incerteza com relação ao resultado pode estar negativamente relacionada à presença do público nos estádios. A média de público de uma equipe em partidas em casa e como visitante no ano anterior é positivamente relacionada à presença nos estádios pelo fato dos torcedores construírem hábitos de frequentar os estádios. Intempéries como chuvas podem influenciar negativamente a presença de público nos estádios.
Fatores estruturais: a capacidade do estádio está positivamente relacionada à presença de público, assim como os níveis de segurança e conforto oferecidos. Estádios em formatos ovais foram identificados como mais atrativos para o público.
O modelo econométrico desenvolvido pelos autores do trabalho apresentado à ANPAD foi estimado sobre uma base de dados que envolveu todas as partidas da Série A do Campeonato Brasileiro realizadas entre 2012 e 2016.
O estudo reforça como determinante predominante a força da marca representada por Corinthians e Flamengo. Partidas envolvendo esses dois clubes afetam positivamente (e simultaneamente) as variáveis dependentes; uma influência positiva consideravelmente superior a todos os outros grupos de variáveis. Desse modo, um critério estatístico orientou a criação de uma variável em fator, de quatro níveis, que designasse a força da marca da equipe de futebol que está disputando a partida: nível 1 – Corinthians, 2 – Flamengo, 3 – todos os outros 10 grandes clubes e 4 – outros clubes. O motivo para a separação entre Corinthians e Flamengo é que se admite que esses dois clubes, embora tenham tamanhos de torcida semelhantes, também se apresentam heterogêneos entre eles.
As principais variáveis do estudo foram:
Percentual da demanda: operacionalizada por meio da divisão entre os ingressos vendidos e os colocados à venda, para determinada partida da série A
Preço médio dos ingressos: a divisão entre a receita, em reais, de determinada partida, e o quantitativo de ingressos vendidos naquela partida
Taxa de ocupação: operacionalizada como a divisão entre o número de ingressos vendidos e a capacidade do estádio em que foi realizada a partida
Como resultado inicial, identifica-se a presença de apenas três determinantes simultâneos: um relacionado a um fator mercadológico (Efeito Marca), um associado ao desempenho da equipe (Mandante estar G-4, zona de classificação para a Copa Libertadores) e outro a uma característica estrutural-demográfica (Partida noturnas). Para o modelo da variável “Preço Médio” encontrou-se o maior quantitativo de preditores (13) e também o maior valor de explicação do modelo (R² = 43%). O R² do modelo para a Taxa de ocupação foi de 26%, um valor relativamente aceitável.
Com a taxa de ocupação dos estádios estabilizada em torno de 41% (a média das médias), o Campeonato Brasileiro se encontra abaixo das competições ucraniana e australiana, por exemplo. Até mesmo quando se considera apenas a taxa de ocupação das duas maiores torcidas do Brasil no período analisado, essa relação se mantém: análises descritivas na base de dados revelam que Flamengo e Corinthians apresentam taxa de ocupação de 48% e 58%, respectivamente, números que os colocariam próximos às taxas das competições mexicana e escocesa.
Concluíram os autores do trabalho: “O resultado mais expressivo da pesquisa se refere à variável “Efeito Marca”. Trata-se da variável com maior influência sobre as variáveis dependentes. E nos três casos analisados o Corinthians figura acima dos demais clubes. Isso significa que partidas do Corinthians possuem, ceteris paribus, percentual da demanda, preço médio dos ingressos e taxa de ocupação superiores aos demais. O Flamengo também figura consideravelmente acima dos demais clubes, denotando a importância do efeito marca nesse contexto, normalmente não mensurado em pesquisas da área. A interpretação dos coeficientes deve considerar a diferença entre os logaritmos em comparação com a categoria de referência e aplicar a função exponencial. Utilizando como exemplo os resultados dessa variável na regressão e destacando novamente que a categoria de referência é o Sport Club Corinthians, interpreta-se os resultados da seguinte forma: partidas que envolvem o Flamengo possuem um preço médio 9.51% inferior que partidas envolvendo o Corinthians; partidas que envolvem os outros 10 grandes possuem um preço médio 27.38% inferior que partidas envolvendo o Corinthians; e partidas que envolvem os demais clubes possuem um preço médio 49.33% inferior que partidas envolvendo o Corinthians”.
Acrescentando à conclusão, nem todos os fatores que determinam a melhor estratégia para otimizar receita estão sob controle, sendo possível ser parte de um planejamento. Mas a discussão é tão atrasada no Brasil, que quase não há qualquer linha de planejamento de pricing para os estádios – que nada mais é do que a correta precificação do espetáculo – voltada para atrair mais público quando o momento pedir, e para atrair mais receita (renda do jogo) e maximizar o resultado. Ao mesmo tempo, outros fatores, como a violência nos estádios certamente interferem no resultado da presença de público, mas não são capturáveis numa regressão de curto e médio prazos. Externalidades como o preço dos pacotes de pay-per-view na TV por assinatura, e a frequância da exposição de partidas na televisão, certamente também afetam o resultado, sem que ainda tenham sido devidamente estudadas. A discussão está aberta, e muitos outros trabalhos como este são necessários para se chegar ao futebol melhor.
Adaptando à realidade do Flamengo, é possível fazer um planejamento mais assertivo e que retorne uma maior rentabilidade em bilheteria aos cofres do clube; uma política de preços do clube deveria levar em consideração que:
(1) o preço-ótimo a ser praticado no Maracanã não é o preço-ótimo praticado na Ilha do Governador (diferença na logística de acesso, no conforto e na infraestrutura interna justificam preços diferentes);
(2) o preço de jogos às quartas e quintas precisa ser mais barato do que o preço aos sábados e domingos;
(3) é preciso existir uma oferta de preços populares de duas a três vezes durante o Campeonato Brasileiro, ao estilo “Black Friday”, com um propósito nestes dias de maximizar a presença de público e não a arrecadação de renda (estudos específicos para mitigar a canibalização de renda e o melhor momento do campeonato para realizar estes “dias promocionais” precisam ser feitos).
No blog A NAÇÃO, tanto o tema estádio quando o tema preço já haviam sido destacados, em alguns casos republicando outras opiniões, conforme pode ser visto nos links abaixo.
Análise sobre preço:
– Monitor de Preços dos Jogos do Flamengo (análises feitas entre abril 2014 e agosto 2015)
*Muitos dos pontos levantados pelos autores do trabalho citados neste post já estavam identificados nestas análises: diferença de valor entre quarta-quinta e sábado-domingo; diferença de valor por atratividade para jogos contra G-12 do Brasil, demais da Série A, e jogos do Carioca; diferença de preço por estádio; e o “efeito-novidade” das novas arenas recém-inauguradas. Vale a ressalva de que na época (2014-2015) imperava uma corrente na política interna do clube, liderada pelo VP de Marketing, BAP, que defendia que a demanda nos estádios de futebol era inelástica.
Análises sobre estádio publicadas aqui:
– Reflexões esportivas e econômicas sobre os jogos em Volta Redonda
– Maracanã: Ruim com a Concessionária, mas Pior sem Ela? – Parte 1
– Maracanã: Ruim com a Concessionária, mas Pior sem Ela? – Parte 2
– Maracanã: Ruim com a Concessionária, mas Pior sem Ela? – Parte 3
– Análise de Custos da Ilha do Urubu comparativa ao Custo-Maracanã
Imagens utilizadas no post e redes sociais: Gilvan de Souza / Flamengo
Marcel Pereira é economista e escritor rubro-negro, autor do livro “A Nação – Como e por que o Flamengo se tornou a maior torcida do Brasil” (Editora Maquinária). Este post é publicado originalmente no blog A Nação
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