O blog começa hoje uma seção com entrevistas de profissionais ligados às categorias de base dos principais clubes brasileiros.
A ideia surgiu após esta postagem sobre o ano de ouro das divisões de base do Flamengo. O clube conquistou os estaduais sub-13, 14, 15, 17, o Torneio OPG sub-20 e a Copa São Paulo no começo do ano, além de ter terminado em segundo lugar no estadual sub-11, 12 e 20.
O entrevistado de hoje é o jornalista Gabriel Fuhrmann, que acompanha uma das melhores categorias de base do país: a do São Paulo.
Confira:
Ninho da Nação – Há quanto tempo acompanha a base do São Paulo?
Comecei a acompanhar por volta de 2004, mas pra valer mesmo foi em 2006, quando comecei a fazer faculdade.
NN – O São Paulo foi um dos primeiros, se não o primeiro, a investir em estrutura para as divisões de base. O Flamengo vai começar a construir seu CT em 2017, além de dispor um valor de R$ 15 milhões, o maior da história. Ter um CT é um investimento diferencial para o sucesso na base? Qual valor o tricolor paulista investe?
Com certeza investir financeiramente é um grande diferencial e por vários fatores. Por exemplo, os melhores atletas querem ir para o lugar onde terão melhor estrutura para se desenvolver. O desenvolvimento físico dos jogadores é maior. Adaptação dos jovens à rotina de jogador de futebol. São diversos pontos que tocam o investimento financeiro, que tornam uma base melhor, porém todo o investimento não vale nada se a gestão for mal feita.
NN – O Flamengo conquistou o estadual sub-13, 14, 15, 17, a OPG sub-20 e a Copa SP. Tem uma geração que é considerada uma das mais talentosas, com destaque para Vinicius Jr, além de Vizeu, Matheus Sávio e Paquetá. O principal desafio é fazer a transição correta. Como funciona esse processo no SP e quais erros o Flamengo não pode mais repetir?
No São Paulo o processo não funciona, houve uma mudança muito recente ainda na visão do próprio time quanto a isso. O primeiro erro que não se pode cometer é preterir um potencial da base, por um jogador de qualidade duvidosa vindo de outro time. Por exemplo, se for para o Paquetá não jogar, que seja porque o Flamengo tem um jogador muito superior a ele, um cara que seria titular em 95% dos clubes do Brasil, do contrário, tem que colocar o menino pra jogar sim. O segundo é não ter medo, o mantra não está pronto atrapalha mais do que ajuda, essa história de não estar pronto é meia verdade, pois o atleta só fica pronto jogando, ninguém fica pronto assistindo videotape e treinando. Então falar que não está pronto e não dar a solução para que fique, é a mesma coisa que dizer que nunca vai servir, melhor contratar de fora.
NN – No começo do ano a ideia era a padronização tática das divisões de base com o time adulto. O caminho é esse para o sucesso? Não engessa demais? Qual sua opinião?
Esse com certeza é um dos caminhos para o sucesso porque aumenta muito o aproveitamento dos jogadores no time de cima. Acontece muito de você formar um grande talento na base, mas que está acostumado a desempenhar um papel que não existe no time principal, então não tem como subir o jogador. O que realmente engessa, é, apesar de você ter um padrão definido, você tirar a liberdade criativa do atleta, impedir que ele faça o jogo que é natural para ele. A saída é que você consiga adaptar o jogo natural do atleta, para a função que você precisa que ele desenvolva.
NN – Qual sua avaliação das divisões de base do Flamengo?
Houve uma melhora bem grande em vários sentidos, sendo o principal deles a captação de atletas. O Flamengo, além de estar indo muito bem no sub-20, está formando gerações de alto nível no sub-17 e sub-15, tendo alguns dos melhores atletas do país em suas categorias, como Lincoln, Vinicius Jr e Lázaro. No entanto, é bom atentar para o fato de que o Flamengo já teve equipes vitoriosas anteriormente, talvez em um trabalho menos sólido, mas teve e a transição não ajudou os atletas como Adryan, Lorran, Frauches, Lucas Quintino, etc.
NN – O Flamengo contratou a empresa belga Double Pass para aprimorar o trabalho das categorias de base. Conhece a empresa? É um bom caminho?
É uma boa alternativa sim e quando se fala de Double Pass, se fala de um dos trabalhos mais bem feitos de base no mundo. Eles são responsáveis pelo trabalho tanto da Alemanha quanto da Bélgica, que resultaram em jogadores fantásticos. O trabalho deles é a longo prazo, tem o mínimo de dois anos para que tenha ao menos um ciclo completo de avaliação e comece a agir em mudanças efetivas. Eu gosto da alternativa, é uma forma de profissionalização, baseada em estudos, já que a Double Pass é ligada diretamente a uma universidade e seu curso de gestão esportiva.
NN – O Santos parece ser o melhor modelo de gestão das categorias de base, principalmente por ter uma transição para o profissional certeira, que aproveita bem os grandes talentos. Você que é do estado de São Paulo e acompanha mais de perto, o Santos é de fato o melhor modelo? Qual o diferencial pra gerar tantos bons jogadores no time adulto?
O Santos, como todos os times, tem seus erros e acertos. O que o Santos tem de diferente do São Paulo, por exemplo, é a liberdade dos garotos. Em Santos o clima sempre foi mais ameno para a garotada, sempre houve uma liberdade criativa, que por um bom tempo o São Paulo cerceou nos seus meninos, mas hoje tem mudado sua visão nesse aspecto. O que diferencia o Santos é essa formação e a coragem de lançar jogadores, que parte da filosofia do técnico. Se for um técnico com outra filosofia, o Santos não vai revelar, assim como outros times. Mesmo adotando essa postura, o Santos também comete seus erros, por exemplo desperdiçou Felipe Anderson e Emerson Palmieri, ambos foram pro futebol italiano, ainda hoje existem algumas posições onde atletas de fora, com menos qualidade do que os formados em casa, são titulares, mas em um balanço geral o Santos é um dos times com mais coragem de usar a base, mas considere também que a pressão popular é muito menor do que em outros times. Agora ser um modelo é difícil dizer, cada clube e cada base tem os seus respectivos problemas. Funciona como a teoria da caixa de bombom (onde você pega apenas os bombons que gosta de cada caixa), você pode pegar um pouco do que acha interessante da gestão de cada clube e formar assim uma gestão que seja totalmente eficiente no seu clube.