Nos últimos dias, o ex-técnico das Sereias da Vila, Kleiton Lima, foi condenado por unanimidade pelo TJD de São Paulo, com 18 jogos de suspensão. A condenação teve como base as denúncias anônimas por assédio moral e sexual de nada menos que 19 jogadoras.
O caso ocorreu ano passado: os relatos diziam que o técnico comentava sobre os corpos e a vida sexual das atletas, além de apalpá-las e observá-las no vestiário. Kleiton pediu desligamento na época, mas foi recontratado meses depois, o que causou uma gigantesca onda de revolta. Tal repercussão fez com que ele acabasse saindo dias depois do Santos.
➕ MARION KAPLAN: Sobre aquela noite…
Mais um caso de total falta de compreensão de uma diretoria no universo do Futebol, alheia às mudanças do mundo. Contudo, o que chama atenção na condenação, é o artigo no qual o Kleiton foi enquadrado: “Art. 258. Assumir qualquer conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva não tipificada pelas demais regras.”
Ou seja, não existe nenhum artigo no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) que trate de assédio sexual. Não há menção, não há tipificação. Como pode se lutar contra algo que inexiste? Como pode se refletir, debater, previnir algo que é silenciado?
Pois o assédio sexual é crime. E esse crime praticado contra a mulher acontece por sua condição de sexo e gênero feminino. É um crime de ódio. Um crime que tem raizes na concepção arcaica que os homens tem sobre o corpo das mulheres. Corpos que lhes pertencem, corpos que podem, devem ser usufruídos de acordo com seus desejos predadores.
Ora, se o CBJD foi elaborado de acordo com as leis do país, em cima das especificidades inerentes aos esportes, porque não há menção aos crimes de assédio sexual? Pois, não se trata apenas de quebra de conduta disciplinar ou de ética desportiva. Estamos falando de crimes graves, que acontecem de forma reiterada, e que não apenas influem na performance das jogadoras e esportistas, mas também podem destruir vidas.
Se atletas são banidos por ingerirem substâncias ilícitas, é revoltante que quem é condenado por apalpar o corpo de uma mulher seja apenas afastado por um certo número de jogos. Como se fosse apenas uma infração qualquer.
➕ MARION KAPLAN: Inclusão e reação
Não é natural, não é normal, não é aceitável violentar o corpo de uma mulher, de uma atleta, que carregará essa agressão para sempre.
Então… Aqueles que elaboraram esse Código Brasileiro da Justiça Desportiva, eles estão esperando o que para mudar, para tipificar esse crime?Eles estão esperando o que para reconhecer que existem violações que ferem mulheres, atletas e coloquem em xeque avanços no resto da sociedade?Pois, parafraseando Montesquieu, “Une injustice faite à une seule est une menace faite à toutes” ( “A injustiça que se faz a uma é uma ameaça que se faz a todas”).
Marion Konczyk Kaplan é conselheira do Clube de Regatas do Flamengo e presidente da Bancada Feminina do Conselho Deliberativo. Mestre em História pela Sorbonne Paris. Siga: @marionk72
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