O verdadeiro protagonista do livro de Arthur não é o Flamengo, ou seus jogadores. É o torcedor rubro-negro
Arthur Muhlenberg sempre soube o real tamanho do Flamengo. Quem andou esquecido foi o próprio Flamengo. Por isso, em outros momentos os textos de Muhlenberg sobre feitos menores do clube possam ter soado megalômanos ou grandiloquentes ao observador desatento. Não é o caso desse “Libertador -A reconquista rubro-negra da América”, primeiro livro sobre o tão esperado bicampeonato da Libertadores do Flamengo. Não é que Muhlenberg tenha deixado de ser hiperbólico: é que o Flamengo voltou, enfim, a ser um exagero.
Curiosamente, no início do livro, que retrata os jogos da primeira fase, na já longínqua e nada saudosa era Abel, o leitor encontra um Muhlenberg algo ressabiado. O “rumo a Tóquio” – que não é um indicador geográfico, e sim de estado de espírito rubro-negro – está lá já no primeiro texto, mas não sem algumas ressalvas que mostram que, gato escaldado que é, o autor não poderia exatamente imaginar que aqueles textos poderiam integrar no fim do mesmo ano uma coletânea sobre o caminho para a segunda Libertadores do Flamengo.
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“Quem sabe, talvez, um dia, no futuro, o Flamengo (na figura de seus dirigentes) mostre uma fração da importância, do respeito e da reverência que a torcida dedica à Libertadores da América”, escreveu o xará do – até então – único herói de uma final de Libertadores na história do Flamengo no início da crônica sobre o sofrido empate que garantiu a sofrida classificação (a redundância se faz necessária para enfatizar o sofrimento) à segunda fase. Abel ainda era o técnico, e ainda não havia sido substituído por Jesus e pelo otimismo que ele traria. “Em tese faltam só sete jogos, uma Copa do Mundo, para o Flamengo quebrar a escrita e acabar com a inhaca de 38 anos sem ganhar Libertadores. Só que quando assistimos ao Flamengo jogar é fácil compreender que estamos separados por eras geológicas da grande equipe de 1981”, escreve Arthur.
Porém, com a queda de Abel, o tom do livro muda da água para o vinho, ou do vinho gaúcho para um bom vinho do Porto. Conhecedor dos meandros da alma rubro-negra, Arthur explica muito bem esse cenário no texto sobre a contratação do técnico Jorge Jesus:
“O astral da torcida do Flamengo tá lá no alto. Otimismo aqui é mato. Um otimismo fundamentado, solidamente apoiado em fatos que não dão margem a qualquer interpretação. É jogador e treinador chegando, suculentas especulações no mercado europeu, recordes de renda, de público e de venda de pacotes de figurinhas. Até a conquista da Champions pelo velho freguês de Anfield Road foi vista como um bom augúrio e motivo para cotar passagens e hospedagem no Catar em dezembro. Traga a sua bola de cristal e aquele incenso do Nepal que você comprou no camelô. Só tem maluco, fazer o quê? O traço pitoresco desse espírito positivo que hoje grassa entre os rubro-negros é que há apenas duas semanas uma grande parte desses rubro-negros sorridentes estava enfurecido, pichando muros, exigindo cabeças como jacobinos no Terror e jogando suas toalhas nas redes sociais como se o ano já estivesse irremediavelmente perdido. Não tem nada de esquisito em nossa bipolaridade, o Flamengo é assim mesmo desde 1895. O rubro-negro só conhece dois estados mentais, a Crise e o Oba-Oba. É justamente a alternância entre esses dois estados antagônicos que produz o gás que nos leva pra frente.”
O verdadeiro protagonista do livro de Arthur não é o Flamengo, ou seus jogadores. É o torcedor rubro-negro. O livro, como tantas obras literárias, relata a jornada do herói – o torcedor herói, como é bem definido por Arthur no fim do texto sobre o último momento ruim do Flamengo na competição, a derrota na partida de ida contra o Emelec. “O torcedor herói, esse tipo humano inesquecível, guerreiro, mártir, fanfarrão, não é o maior patrimônio do Flamengo. É o único.”
E se não é cientificamente comprovado que torcida ganha jogo, é verdade que, mais do que outros torcedores que tiveram alegria parecida – mas não tão grande – nos últimos anos, o rubro-negro fez por onde merecer o título da Libertadores. Que não foi acidental, mas fruto de uma reconstrução do clube que contou com maciço apoio das arquibancadas – e redes sociais.
“Ora, meus amigos, existe no universo do futebol torcida com mais direitos que a do Flamengo de exigir para si mesmo as glórias e as conquistas das quais abriu mão, com notável desprendimento e senso de dever cívico? Quem se martirizou mais do que nós no jejum compulsório dos despossuídos ou roendo o osso insípido da retidão fiscal durante longos anos? Somos arrogantes, sim, mas para exercer essa arrogância nos entregamos ao sacrifício em nome de um bem maior”, escreve Arthur ao abordar o chororô colorado sobre um possível “já ganhou” do Flamengo antes do confronto decisivo contra o Internacional.
Pois bem, as conquistas chegaram. Todos sabemos como. Mas vale a pena lembrar o caminho até elas pelo inconfundível estilo de Arthur Muhlenberg. E que venha logo o livro sobre a reconquista do mundo.
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O lançamento oficial vai acontecer no Aconchego Carioca, no dia 16 de dezembro, a partir das 18h. A casa está localizada no Leblon, na rua Rainha Guilhermina 48.
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