Até aquele momento o Fla controlava muito bem os pontas do Grêmio. Toda vez que Pepê e Alisson recebiam, estavam cercados e recuavam
Ninguém gosta de tomar gol. Isso é óbvio.
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O gol do Grêmio ontem, em um momento equilibrado da partida, gerou controvérsias entre os rubro-negros. Uns acham que o erro foi aqui, outros ali… Não há consenso porque a jogada é bem complexa.
O ponto crucial, claro, é esse aqui: Pepê atacando o espaço entre a defesa e o goleiro. O que o Flamengo deveria ter feito ali? Como defender esse espaço?
Chegaremos lá, mas antes vale a pena olhar outras coisas…
O lance começa com o Flamengo tentando sufocar o Grêmio e empurrando o adversário para trás. Dá certo, o time retoma, mas perde em seguida, vira um perde-e-ganha e a bola acaba ficando com Cortez e Jean Pyerre totalmente encaixotados no lado esquerdo…
Quem dá pressão na ponta direita é Arão — o que é relativamente incomum, mas não chega a ser bizarro — e Gerson acompanha de perto. A defesa sobe até a linha central do gramado, mas surge um espaço justamente no meio.
A pressão arrefece e deixa o Grêmio sair…
Até aquele momento do jogo o Flamengo controlava muito bem os pontas do Grêmio. Toda vez que Pepê e Alisson recebiam, estavam cercados e eram obrigados a recuar — ou pelo menos não conseguiam acelerar a jogada.
Mas aqui, pela primeira vez no jogo, Pepê consegue receber girando e acelera para o meio, justamente nas costas dos dois volantes que haviam saído para ajudar a pressão.
E Pepê é muito, muito perigoso quando acelera da esquerda para dentro. Ele tem uma noção muito precisa do momento certo para atacar os espaços vazios.
Todo rubro-negro já deveria saber disso…
Pedrinho sabia. Repare no comentário dele durante a transmissão. Não só ele começa a falar do próprio Pepê, mas como prevê a jogada de perigo e interrompe o raciocínio com a bola ainda no meio-campo!
Pepê continua e aciona Alisson. Alguns detalhes são interessantes…
Primeiro, a corrida de Filipe Luís. Ele está com o corpo bem posicionado e gira pelo lado certo para não perder tempo. Mas não havia ninguém do Grêmio atacando a profundidade…
Talvez, se o lateral rubro-negro estivesse um pouquinho mais colado em Alisson, o lance morreria ali mesmo. Seria mais uma de tantas interceptações precisas do lateral rubro-negro… Mas a bola chegou certo e ele teve que controlar Alisson, forçando o gremista para jogar por fora.
O outro detalhe é na própria corrida de Pepê. No futebol, não basta estar no lugar certo. É preciso estar no lugar certo na hora certa.
Quando a bola chega a Alisson, não há espaço para uma enfiada. Pepê então desacelera a corrida e permite que João Lucas descole dele.
Alisson cisca e não acha o espaço para o cruzamento. Recua e puxa para a perna esquerda.
Agora sim, chegamos ao ponto crucial… Como defender aquele espaço atrás da defesa?
Não é uma jogada simples… Não é óbvio como defender esse espaço. Afinal, o atacante está cruzando em diagonal por trás de todo mundo.
Não é a toa que o Botafogo tomou um gol igualzinho duas horas depois…
Há várias possibilidades, mas o mais importante é entender o seguinte: depende de como a equipe marca. Ou seja, NÃO HÁ RESPOSTA CERTA que se aplique a todos os times.
Não importa qual é a SUA preferência, importa qual é a solução que melhor se aplica à maneira ao FLAMENGO. A primeira opção que muita gente apontou era João Lucas perseguir Pepê até o final. Seria possível? Sim. Funcionaria? Talvez.
Se o lance fosse na defesa do Grêmio, provavelmente isso aconteceria, porque o time marca com encaixes longos.
Mas simplesmente não é como o Fla defende.
Quando João Lucas perseguiu Pepê um pouco para dentro, Arão — que já estava lá na ponta direita — retornou pelo lado, tomando o espaço do lateral-ireito. Deu até para ver João Lucas olhando para a direita meio na dúvida se deveria voltar à sua posição ou ocupar o espaço de Arão.
O Flamengo joga com “rigidez vertical”. Ou seja uma linha não entra na outra. Os jogadores não ficam se cruzando. Você não vai ver Everton Ribeiro marcando atrás do lateral direito (quase) nunca, só em situações muito, muito circunstanciais. A exceção é justamente quando um lateral sai, desgrudando da linha de quatro, e deixa um espaço entre ele e o zagueiro. Aí sim, Arão ou Gerson acompanham quem faz a infiltração ali.
Como Arão estava lá na lateral, Gerson até poderia acompanhar. O problema é que normalmente ele não entra pelo meio da zaga, ele se preocupou com o corte para o meio de Alisson (a entrada da área ficaria vazia se ele saísse) e tinha acabado de fazer pressão lá na frente.
Outra possibilidade era Léo Pereira estar um pouco recuado, mais preocupado em fechar o espaço da infiltração do que em neutralizar Diego Souza, que estava de costas.
O passe seria cortado, mas ali é realmente muito difícil… Não dá pra crucificar a escolha.
A opção mais natural pela forma que o Flamengo marca, que chega a acontecer algumas vezes durante os jogos, seria Rodrigo Caio fazendo a cobertura nas costas de Léo Pereira. De alguma forma, foi o que aconteceu… O zagueiro ainda tentou um carrinho desesperado na última hora.
Mas tem uma coisa que mata Rodrigo Caio na jogada: a movimentação de Jean Pyerre. Se o meia gremista não estivesse ali, é praticamente garantido que o zagueiro tivesse percebido o espaço vazio e feito a cobertura perfeita.
Quando Alisson puxa para o pé esquerdo, há a possibilidade de um cruzamento, então Rodrigo Caio foca toda a atenção em Jean Pyerre. Aí fica impossível controlar Pepê.
Às vezes a movimentação de um jogador que nem toca na bola é fundamental em um lance de gol…
Por fim, Diego Alves se prepara para uma improvável finalização de fora da área — como um bom goleiro precisa fazer sempre —, mas não está adiantado o suficiente e nem reage a tempo de fechar o espaço.Outro dia falei sobre os dois tipos de goleiro (A e R). Quando um time marca por zona — e ainda mais quando está marcando adiantado — o goleiro precisa ser muito ativo para ajudar a defesa a controlar a profundidade.
Mas mesmo quando o time está mais recuado, defendendo a área, esse espaço entre a zaga e o goleiro é o maior perigo. Portanto, a reação ali precisa ser rápida e às vezes é mais fácil o goleiro chegar do que os zagueiros. Afinal, ele está de frente. Os outros correm para trás. Não dá pra culpar um único jogador. Também não dá para julgar a qualidade da defesa sempre olhando os lances dos gols sofridos.
Veja também: Pedagogia do opressor (resenha do livro Outro Patamar – Téo Benjamin)
Aliás, também é preciso reconhecer os méritos do Grêmio, que foram muitos. Mas, principalmente, não dá para passar o ano todo exaltando a forma de defender do time e simplesmente passar a cobrar outros mecanismos (encaixe individual, quebra da rigidez vertical etc) quando se toma um gol explorando justamente os espaços que o nosso tipo de marcação dá. O Flamengo precisa de ajustes. Muitos ajustes. Mas o mais importante não é descobrir quem foi o culpado do gol.
Não há resposta absolutamente certa. O que importa é que todos os jogadores dentro do campo tenham a mesma resposta para cada pergunta do jogo, seja qual for.