Nesta última sexta-feira, dia 10 de agosto, com base no estatuto do clube, os sócios David Butter Nunes e Guilherme de Andrade Salgado, que integram o grupo Flamengo da Gente, protocolaram requerimento destinado ao presidente do Conselho Deliberativo Rodrigo Dunschee de Abranches com o pedido de afastamento do presidente Eduardo Bandeira.
Apesar de Bandeira não ter oficializado nenhuma candidatura eleitoral, suas constantes declarações políticas, aparições públicas ao lado de Marina Silva, candidata a presidente pelo partido Rede Sustentabilidade (REDE), assim como a exploração da sua imagem na publicidade de campanha presidencial de Marina seriam motivos suficientes para que o gestor se desligasse do cargo. O grupo Fla+ também apoia a decisão.
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A atuação de Bandeira junto a uma campanha presidencial causa discussões entre conselheiros de diversos grupos políticos dentro do Flamengo há meses. O movimento de entrada no processo de suspensão do mandato de Bandeira no entanto, começou a tomar forma antes da Copa do Mundo na Rússia. A indignação tem origem nos artigo 2, parágrafos 1º e 2º, e artigo 24, inciso XIII, do Estatuto do Clube de Regatas do Flamengo.
Art. 2º O FLAMENGO tem como objetivos promover, incentivar e desenvolver:
§ 1º Para realização dos objetivos do clube, sua administração observará os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade, eficiência, responsabilidade social, gestão democrática e profissionalismo. (Inserido em reunião de 14.4.2014 pelo Conselho Deliberativo e mantida em 01.10.2015)
§ 2º A administração do clube adotará práticas de gestão necessárias e suficientes para coibir a obtenção, pelos administradores, individual ou coletivamente, de benefícios ou vantagens pessoais, em decorrência da participação no respectivo processo decisório. (Inserido em reunião de 14.4.2014 pelo Conselho Deliberativo e mantida em 01.10.2015)
Art. 24. Ao associado, além de outros deveres previstos neste Estatuto, impõem-se:
XIII – abster-se de usar ou envolver o nome do FLAMENGO em campanha, de qualquer natureza, estranha aos objetivos do Clube.
Apesar de Bandeira não confirmar se participará de fato da corrida eleitoral em 2018, é grande a expectativa da REDE de que ele seja candidato a deputado federal. A estratégia do partido parece cada vez mais clara em tentar transferir para si a popularidade de Bandeira e sua credibilidade como o gestor que deu fim ao caos administrativo do clube mais popular de futebol brasileiro.
Nos corredores da Gávea, é crescente o descontentamento com as atitudes de Bandeira. Antigos aliados falam em decepção ao interpretarem que o clube virou um trampolim político para a nova jornada do dirigente. Opositores de longa data vão mais longe e se perguntam se decisões estratégicas o futuro do Flamengo, como por exemplo o recente contrato com o Consórcio Maracanã, são decisões do cartola ou do novo político que o futebol brasileiro projetou.
Flamengo, BNDES, ProFut e filiação partidária
Bandeira de Mello é formado em administração de empresas e contruiu carreira no BNDES. Aposentou-se como funcionário público meses após entrar para a política do Flamengo. Em 2012 era o plano B de Wallim Vasconcellos, caso este não pudesse concorrer por questões que envolviam o cálculo do tempo necessário à candidatura. Com a impugnação de Wallim, o grupo que já era conhecido como Chapa Azul teve menos de 24 horas para protocolar a candidatura do desconhecido conselheiro Eduardo Bandeira de Mello.
No entanto, Bandeira mostrou-se extremamente hábil no jogo político. Contra uma Patrícia Amorim enfraquecida pela péssima gestão financeira, falta de grandes títulos e, curiosamente, criticada por usar o clube diversas vezes para atrair capital político – chegou a ser cotada em seu início de mandato, em 2010, para vice na chapa do candidato a presidente do Brasil José Serra, Bandeira ganhou apoio popular que desencadeou uma forte campanha nas redes sociais.
Das redes sociais para o intramuros da Gávea, a campanha ganhou corpo e fez de Bandeira o representante de um grupo de notáveis, composto por diversos homens de sucesso, empresários, empreendedores e funcionários públicos de alto escalão.
Anos depois, Bandeira foi crucial na aprovação do ProFut, um novo pacto de financiamento das dívidas de impostos dos clubes braisleiros. A atuação política do presidente do Flamengo ganhou elogios e chamou a atenção primeiramente do PSDB, na figura do próprio parlamentar que assinou o ProFut, o deputado federal pelo Rio de janeiro Otávio Leite.
O casamento com os tucanos porém, diferentemente do que ocorrera com Patrícia Amorim, não deu certo. Bandeira tinha laços antigos com Marina Silva, notória defensora das pautas ligadas ao Meio Ambiente, que fundou seu próprio partido, o Rede Sustentabilidade, após abandonar o Partido Verde. No BNDES, EBM era chefe do setor de análise de riscos ambientais em contratos de obras subsidiadas pelo órgão financeiro e por diversas vezes estava ao lado da presidenciável em reuniões e congressos.
Em meados de 2017, Bandeira entrou em contato com a amiga e sinalizou que gostaria de entrar para a política pública brasileira. A partir de então, os antigos amigos estreitaram os laços do interesse comum e o presidente do Flamengo criou seu projeto político visando 2019, quando não poderia mais ser reeleito no Mais Querido. Por sua vez, a Marina e REDE interpretaram a chegada de Bandeira como um golpe de sorte. Afinal, ter ao lado o presidente de uma Nação dentro da nação brasileira pode e vai, ao que parece, trazer muitos votos.
Em março, a filiação de Bandeira foi tratada como um evento amplamento noticiado em todos os jornais, inclusive no próprio site do partido. Enquanto o time do Flamengo perdia a chance de vencer a Taça Rio para o Fluminense, no mesmo dia EBM era o mais novo garoto-propaganda do partido de Marina.
No site do partida, a nota dizia que Bandeira era contumaz eleitor de Marina. Que em 2014 votou nela, mas achou melhor não anunciar publicamente. Nas atuais eleições a postura é completamente diferente.
“Em 2014, quando já era presidente do Flamengo, Eduardo chegou a pensar em divulgar o seu voto publicamente. Mas, na ocasião, considerou que não deveria misturar as coisas. ‘Sempre votei na Marina, tanto em 2010 como em 2014. E, agora, em 2018. Só que dessa vez nós vamos ganhar’”, publicou o site do partido.
Desde então, Bandeira se permitiu a estar por diversas vezes especulado na grande imprensa como, ora vice de Marina, ora concorrendo a algum cargo executivo. Após a confirmação de Eduardo Jorge para vice, tudo indica que o presidente do Flamengo está em campanha mesmo para deputado, basta saber se é para o âmbito estadual ou federal. Como afirmou Bandeira, em entrevista ao Valor Econômico, logo após sua filiação: “Só mais perto da convensão [da Rede], que vai ser no início de agosto, é que teremos uma ideia [se seria vice]. Eu tinha falado que vou fazer o que a Marina mandar. Eu não sei [a que serei candidato], vou fazer o que ela mandar”.
Politica e Futebol
O futebol é um grande e histórico trampolim para a política. E não é algo que acontece só no Brasil. Na Argentina há centenas de casos de sucesso eleitoral à reboque de bons mandatos nos grandes clubes, como é o caso do ex-presidente do Boca Juniors, Eduardo Macri. O velho continente tem a Itália, o Milan e Berlusconi sua grande história dessa espécie de sincretismo político. Atualmente no Brasil, os casos mais emblemáticos são de Alexandre Kalil, prefeito de Belo Horizonte após vitoriosa passagem pelo comando do Atlético Mineiro, e Andrés Sanchez, que após deixar a presidência do Corinthians, elegeu-se deputado federal e atualmente, ainda sendo congressista, voltou a ser presidente.
No Flamengo também há alguns exemplos de cartolas políticos. Márcio Braga, o presidente mais vitorioso da história rubro-negra, defendeu dois mandatos parlamentares na década de 80. E mais recentemente, Patrícia Amorim acumulou o cargo de presidente do clube e vereadora na cidade do Rio de Janeiro, cargo que já exercia (eleita em 2004 e reeleita em 2008) quando foi eleita presidenta do clube, em dezembro de 2009.