A chamada “arma de Tchekhov” é uma espécie de lei narrativa proposta pelo escritor russo Anton Tchekhov, que afirma que, se um elemento é apresentado numa história, ele precisa ter alguma relevância real pra maneira como essa história vai se desenrolar. Você não pode revelar que um personagem tem um filho e esse filho não ter importância na trama, você não deve introduzir um problema se ele não for depois resolvido, se no primeiro ato da sua peça você apresenta uma arma, até o fim do terceiro ato ela precisa ser disparada.
Essa regra existe para evitar, entre outras coisas, a famosa sensação de anticlímax. Aquele sentimento de que houve promessa mas não recompensa, de que algo foi insinuado mas nunca realizado, de que houve todo um estardalhaço sobre certo elemento, mas na prática ele nunca se manifestou.
Mais ou menos como ocorreu na preguiçosa vitória de ontem do Flamengo sobre o Amazonas, pela Copa do Brasil.
Porque após a semana de puro caos, confusão e delírio que viveu o Flamengo, onde a tranquilidade causada por uma vitória segura na Libertadores foi rapidamente substituída pela caça às bruxas gerada pelo vestuário de um dos jogadores, muitas eram as dúvidas na Gávea.
Veremos em campo o Flamengo em ascensão técnica das últimas duas partidas? Teremos de volta o time estilo amigos do Eri Johnson x primos do MC Guimê dos jogos anteriores? Vamos sacramentar a paz e a boa fase? Vamos voltar a tropeçar? E principalmente, o que vai acontecer com Gabigol, que conseguiu se colocar numa espécie de limbo conceitual onde é amado e odiado, ídolo e reserva, camisa 10 e não camisa 10?
Mas no caminho dessas respostas existia um homem. Sim, ele, Adenor Bacchi, o famoso Tite, inimigo da narrativa, adversário da clareza, nêmesis das respostas diretas.
Porque na vitória magra ocorrida em Manaus não tivemos nem a continuidade daquele Flamengo que venceu com autoridade as duas últimas partidas e nem o retorno daquele Flamengo que tentava se complicar em todas as frentes. Tivemos um jogo chato, tivemos 90 minutos torturantes, tivemos um gol de Pedro num desvio de bola, mas no geral o Flamengo, ainda que não tenha corrido grandes riscos, atuou naquele nível de displicência que causa em Nico de la Cruz não apenas dores mentais como também físicas, dado o fato de que o jogador precisou ser substituído.
Quanto a Gabriel, que se entrasse em campo teria a chance de ser aplaudido ou vaiado, se redimir ou se afundar de vez, acabamos ficando sem resposta, já que Tite aparentemente nunca leu Tchekhov. Passamos a semana toda falando de Gabigol, só se discutiu Gabigol, nada seria mais simbólico do que colocar em campo Gabigol? “Me deixa então meter Victor Hugo improvisado na ponta, e tudo que vocês vão ver do camisa 99 é como ele tentou mudar o visual pra ficar a cara do Matheuzinho.”
No fim, seguimos sem respostas e com muitas expectativas. O Flamengo de Tite está encaixando ou não? Gabigol vai dar a volta por cima ou não? Perguntas para as quais seria bom ter respostas o quanto antes, já que na próxima terça, contra o Millionarios, temos mais uma partida de vida ou morte, dessa vez pela Libertadores. Que esse grande time, do qual tanto se falou no começo do ano, não nos cause anticlímax no resto da temporada.
João Luis Jr. é jornalista, flamenguista desde criança e já viu desde Walter Minhoca e Anderson Pico até Adriano Imperador e Arrascaeta, com todas as alegrias e traumas correspondentes. Siga João Luis Jr no Medium.
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