Saudações flamengas a todos,
Tendo em vista as notícias sobre a provável contratação do atacante Henrique Dourado pelo Flamengo, e a controvérsia por ela gerada, uma linha de argumentação chamou a atenção. Jogadores revelados, ou com passagens marcantes em clubes rivais, efetivamente logram êxito no Flamengo?
Os exemplos negativos de Edmundo, Robertinho, Wilsinho, Leandro Amaral, Yan, William e Luís Carlos Wink, entre inúmeros outros que certamente serão lembrados, depõem contra a prática. As trajetórias, por enquanto, instáveis (para usar um termo ameno) dos atuais Willian Arão, Rômulo e Rafael Vaz e do recente Conca também ajudam a consolidar uma percepção negativa. No entanto, há exemplos positivos, a guisa de contraponto, que indicam que, esporadicamente, é possível, sim, algum ex-rival prosperar no Flamengo.
No blog: 1989-1990: paralelos que a história rubro-negra insiste em querer ensinar
Donde, sem entrar no mérito da busca pelo “Ceifador”, segue uma “escalação” de jogadores que, com passagens anteriores por outro (ou outros) clubes do Rio, conseguiram entregar algum tipo de resultado com a camisa do Flamengo, mesmo, em alguns casos, não tendo se conectado com nossa torcida.
(Em tempo: o caso de Romário, por ser o mais controverso, não será analisado nesse texto. Sucesso, fracasso? A passagem do Baixinho pelo Flamengo mereceria, por si só, um post exclusivo. Por conta disso, não será aqui tratada.)
* * *
1 – UBIRAJARA MOTTA (1972-1977)
Após passagens vitoriosas por Bangu e Botafogo nos anos 1960 (chegou a ser convocado para a Seleção Brasileira que disputaria o Mundial de 1966 mas acabou cortado), é contratado para formar, junto com Renato, o plantel de goleiros do Flamengo, que monta um elenco forte para a temporada de 1972. Curiosamente, o rubro-negro conta com outro Ubirajara (Alcântara) na equipe, e assim “Bira” passa a ser identificado por seu sobrenome. Já no final da carreira, participa de alguns jogos e se revela um reserva confiável, ajudando na orientação de jovens como Cantarele. Em sua passagem pelo Flamengo, conquista os Estaduais de 1972 e 1974. Encerra a carreira pelo rubro-negro em 1977.
2 – LEONARDO MOURA (2005-2015)
Revelado pelo Botafogo, vive passagem bem-sucedida no Vasco, de onde se transfere para Palmeiras (participando da campanha do rebaixamento alviverde em 2002 para a Série B do Brasileiro) e São Paulo (onde “ganha” o sobrenome Moura). Do futebol paulista sai sem deixar saudades, mas reencontra o bom futebol no Fluminense, onde conquista o Estadual de 2005. No segundo semestre da mesma temporada, divergências de seu empresário com o clube das Laranjeiras facilitam sua transferência para o Flamengo. No rubro-negro vive o auge técnico da carreira, sendo muitas vezes considerado o melhor lateral-direito em atividade no país, o que lhe vale uma convocação para a Seleção Brasileira. No entanto, a partir do início da década de 2010 passa a viver relação conturbada com a torcida, em função da irregularidade de suas atuações. Com a prisão do goleiro Bruno, ascende à condição de capitão da equipe, que ostenta até deixar o clube, no início de 2015. Embora tenha sido agraciado com a rara honraria de um jogo de despedida, dá sequência à carreira, seguindo em atividade. Algumas declarações e atitudes controversas o fazem cair em desgraça com o torcedor rubro-negro. Pelo Flamengo, vence o Brasileiro de 2009, as Copas do Brasil de 2006 e 2013 e os Estaduais de 2007, 2008, 2009, 2011 e 2014.
3 – WILSON GOTARDO (1991-1993)
Após perder o jovem meia Carlos Alberto Dias (por conta de uma negociação “atravessada”) e o atacante Renato Gaúcho para o Botafogo, o Flamengo espera o momento de dar o troco no rival. E a oportunidade surge quando Wilson Gottardo entra em litígio com os de General Severiano, em função de problemas na renovação contratual. Precisando de um zagueiro experiente, o Flamengo se intromete no negócio e acaba conseguindo recrutar o jogador, um dos pilares do bicampeonato estadual alvinegro de 89-90. Na Gávea logo impressiona pela segurança e seriedade, tomando conta da posição. Gotardo, além do futebol vigoroso, torna-se um líder positivo para talentos em ascensão como Rogério, Júnior Baiano e Gélson Baresi. Sempre como titular, conquista o Brasileiro de 1992 e o Estadual de 1991. Permanece no rubro-negro até a disputa da Libertadores de 1993, após a qual é negociado com o futebol português.
4 – EDINHO (1987-1988)
Profundamente identificado com o Fluminense, do qual saiu como o maior ídolo em 1982 para uma bem-sucedida passagem pela Udinese, retorna ao futebol brasileiro em 1987 sem jamais esconder seu desejo em voltar às Laranjeiras. No entanto, o tricolor vive grave crise financeira e não reúne condições de competir com uma proposta bem mais consistente apresentada pelo Flamengo. O rubro-negro precisa de um zagueiro de ponta, uma vez que acaba de negociar Mozer com o Benfica-POR. Dessa forma, consegue se impor e contrata Edinho para assumir a zaga ao lado de Leandro. No entanto, Edinho jamais demonstra estar à vontade na Gávea, e por pouco o negócio não se desfaz antes mesmo da apresentação (em uma entrevista a uma revista, quase lamenta a opção pelo Flamengo, dizendo não ter havido outra alternativa, o que irrita os dirigentes e obriga o jogador a se retratar). No Brasileiro de 1987, mais problemas. Já no segundo jogo é agredido pelo meia vascaíno Geovani, sofrendo afundamento no malar, em um caso que vai parar na Justiça. Volta justamente na estreia do Segundo Turno e enfim justifica a contratação, com grandes atuações, estabilizando o sistema defensivo da equipe, que arranca para o Tetracampeonato Brasileiro. Na virada para o ano seguinte, tenta se transferir para o Palmeiras mas é bloqueado por uma Diretoria irritada com a postura do jogador. Desmotivado, disputa o Estadual sem o mesmo brilho. Na preparação para o Brasileiro, desentende-se com o novo treinador Candinho, que recomenda sua dispensa (“lento e decadente”). E, enfim, o Flamengo facilita sua transferência para o Fluminense. Pelo Flamengo, além do Brasileiro de 1987, conquista a Copa Kirin de 1988, no Japão.
5 – LEANDRO ÁVILA (1998-2002)
Volante clássico, de desarme limpo e bom passe, com trajetórias vencedoras no Vasco (onde foi revelado) e no Botafogo, chegando a ter defendido a Seleção Brasileira. Antigo sonho de consumo do Flamengo, que enfim consegue contratá-lo para o Brasileiro de 1998, rapidamente se torna titular absoluto, resolvendo antiga carência do rubro-negro. Tímido e avesso aos holofotes, torna-se referência e um daqueles jogadores “discretos mas indispensáveis”. Sua importância para a equipe se faz notar quando está ausente, vítima de um crônico problema no joelho, lesão recorrente que acaba por abreviar sua carreira. Pelo Flamengo, conquista a Copa Mercosul de 1999, os Estaduais de 1999, 2000 e 2001 e a Copa dos Campeões de 2001.
6 – JUAN (2006-2010)
Lateral-esquerdo revelado pelo São Paulo e com anônima passagem pelo futebol inglês, “estoura” com grandes atuações pelo Fluminense, por onde conquista o Estadual de 2005. No entanto, no final da temporada acerta sua transferência para o Flamengo (novamente por conta de problemas de seu empresário com o tricolor). No rubro-negro demora a se firmar, chegando, na primeira temporada, a ser barrado. Começa a crescer com a chegada de Ney Franco, que o fixa na equipe e monta um esquema que favorece seu potencial ofensivo. Marca, contra o Vasco, o gol do título da Copa do Brasil de 2006. Mas apenas no ano seguinte seu futebol de fato explode, com atuações exuberantes durante a espetacular arrancada no Brasileiro que leva o rubro-negro à Libertadores. Irrequieto e enfezado, ganha a alcunha de “Marrentinho”. Enfim titular absoluto e destaque da equipe, Juan chega à Seleção Brasileira e segue como referência do Flamengo. No entanto, a relação com a torcida, que sempre o elege “bode expiatório” em algum momento ruim (como a eliminação da Copa do Brasil de 2009), jamais deixa de ser conturbada. No Brasileiro de 2009 sofre séria lesão, mas se recupera a tempo de participar da reta final e da arrancada para o Hexacampeonato. Ainda permanece mais um ano no Flamengo mas, em declínio, é negociado. Na Gávea, conquista o Brasileiro de 2009, a Copa do Brasil de 2006 e os Estaduais de 2007, 2008 e 2009.
7 – BETO (1998-2002)
Revelado no futebol matogrossense, chega ao Botafogo trocado por bolas e chuteiras. No alvinegro rapidamente se destaca, conquistando títulos e chegando à Seleção Brasileira, o que lhe vale uma transferência para o futebol italiano. Ao retornar, passa pelo Grêmio e chega ao Flamengo, onde não demora a se identificar com o torcedor. Declarar-se rubro-negro de coração ajuda, mas é dentro de campo, onde exibe fôlego incansável, disciplina tática, alguma técnica e mesmo bom senso goleador, que conquista a nação flamenga, a despeito do seu controverso comportamento extracampo. Coadjuvante indispensável, vê, sempre como titular, chegarem e saírem jogadores, alguns renomados. Marca vários gols importantes, mas é na Final do Estadual de 2000 que vive seu grande momento, ao executar uma sequência de embaixadinhas contra o Vasco, em resposta a atitude semelhante de um rival em um jogo anterior. Desgasta-se com o início da crise que assolaria o clube no início da Década de 2000 e acaba negociado. Pelo Flamengo, conquista uma Mercosul (1999), uma Copa dos Campeões (2001) e um Tricampeonato Estadual (1999, 2000, 2001).
8 – FELIPE (2003-2004)
Um dos principais jogadores da equipe do Vasco que marcou história no final dos anos 1990, atuando como lateral-esquerdo, vê abreviada sua passagem pelo cruzmaltino ao se desentender com a Diretoria dos de São Januário. Chega a ser vendido à Roma, mas o negócio “mela” e Felipe posteriormente vai parar na Turquia, de onde retorna após desempenho discreto. Ainda em litígio com a Diretoria vascaína, aceita a proposta do Flamengo, agora para atuar como meia. No rubro-negro logo se mostra tecnicamente diferenciado, tornando-se um dos destaques de uma equipe limitada. Conduz o Flamengo à Final da Copa do Brasil, mas não resiste ao melhor conjunto do Cruzeiro. No ano seguinte vive seu grande momento no Flamengo, onde assume um inédito protagonismo na carreira. Com atuações exuberantes e mostrando imparável capacidade de se livrar de marcações individuais, leva o rubro-negro, com um time bastante modesto, à conquista indiscutível do Estadual de 2004. Num Flamengo x Vasco transmitido pela TV, o narrador compara sua atuação à dos “grandes momentos de Garrincha”. Volta à Seleção Brasileira. Mas, no segundo semestre, a traumática perda da Copa do Brasil para o Santo André e os atritos decorrentes dos crônicos atrasos salariais, além de sucessivas lesões, o desgastam com a torcida. Na última partida da temporada, o Flamengo goleia o Cruzeiro por 6-2, jogo que salva o rubro-negro do rebaixamento. Felipe marca um gol de placa, o último, e na comemoração atira a camisa ao chão, gesto jamais perdoado pelos flamengos. É o fim da linha para o jogador na Gávea.
9 – NUNES (1980-1982, 1984, 1987)
Dispensado das divisões de base do Flamengo, vai embora prometendo retornar um dia. Começa a se destacar no futebol nordestino, atingindo o auge em 1975, comandando o ataque do Santa Cruz que surpreendeu o país, Semifinalista do Brasileiro. Pouco tempo depois, vai jogar no Fluminense, onde suscita reações de amor e ódio, pela facilidade de marcar e perder gols. Estigmatizado por uma época sem títulos nas Laranjeiras, é transferido para o futebol mexicano. Em 1980, precisando energicamente de um centroavante após Cláudio Adão ter brigado com Coutinho, o Flamengo tenta, e quase consegue, repatriar Roberto Dinamite junto ao Barcelona-ESP, mas o Vasco logra reverter a transação. O jeito é recorrer ao Plano B, e assim vem Nunes, que cumpre sua promessa, retornando à Gávea. De futebol tecnicamente limitado mas de muita movimentação, Nunes encaixa-se como uma luva na equipe de Coutinho, que arranca para a conquista do Brasileiro. Nunes marca dois gols na Final contra o Atlético-MG, estabelecendo o apelido de “Artilheiro das Decisões”, que ratificará em vários outros momentos, como o Mundial do ano seguinte, contra o Liverpool-ING. No entanto, apesar de contar com a admiração do torcedor, Nunes possui temperamento difícil e personalidade controversa, o que lhe faz angariar uma série de desavenças. Desentende-se com Coutinho em 1980 e, principalmente, com Carpegiani no final de 1982 e, após ofender o treinador pelos jornais, acaba emprestado para o Botafogo. Retorna em 1984, já sem exibir a mesma explosão. No final da temporada, é negociado com o Náutico. Ainda retorna ao Flamengo em 1987, numa passagem efêmera, polêmica e sem brilho. Seu currículo de títulos na Gávea impressiona. Campeão Mundial (1981), da Libertadores (1981), Brasileiro (1980, 1982, 1987) e Estadual (1981), entre outras conquistas.
10 – IRANILDO (1996-2000, 2002-2003)
“Vamos anunciar amanhã um jogador de Seleção Brasileira”. A bombástica entrevista do Presidente do Flamengo acende aguda nuvem de expectativa, que se esfuma em certa decepção quando se revela o nome do contratado. Iranildo, o Chuchu, é um jovem talentoso, mas até então, sua passagem pela Seleção Brasileira havia sido incidental, impulsionada por alguns bons, mas efêmeros, momentos exibidos no Botafogo-1995. De qualquer forma, Iranildo, apesar do físico franzino e das dificuldades em atuar com consistência durante 90 minutos, impressiona com sua rapidez e capacidade técnica. Vive bons momentos na conquista do Estadual de 1996 (chega a barrar o consagrado Amoroso), dando a impressão de constante evolução. Mas sente a instabilidade rubro-negra e jamais consegue se firmar de fato. Esporadicamente vive de lampejos e boas fases (como no Brasileiro de 1997 e, principalmente, no Brasileiro de 1998 onde, sob Evaristo, coleciona suas melhores atuações pelo Flamengo), mas aos poucos vai perdendo espaço. Com a enxurrada de medalhões chegada em 2000, vê suas portas fechadas e é transferido para o Bahia. Volta ao Flamengo em 2002, mas sucumbe diante da pesada crise por que passa o clube. Pelo Flamengo, conquista a Mercosul de 1999, a Copa Ouro de 1996 e os Estaduais de 1996, 1999 e 2000.
11 – MARQUINHO (1985-1987)
Lembrado com carinho pela torcida vascaína pelo gol do título do Estadual em 1982, encerra seu ciclo em São Januário no final de 1984, quando a Diretoria cruzmaltina entende ser necessário renovar seu elenco. Assim, surge a oportunidade de uma troca com o Flamengo, que manda ao Vasco o volante Vítor, recebendo em troca o “falso ponta” Marquinho. Tipo de jogador que agrada em cheio aos treinadores, é um típico “motorzinho” que, sem a bola, fecha o meio e exerce marcação implacável e, com a pelota, sabe triangular, infiltrar e mesmo driblar, em que pese certas deficiências no passe e na finalização. Prestigiado com Zagalo e, principalmente, com Sebastião Lazaroni, é sempre titular e peça-chave da equipe, em termos táticos. Seus melhores momentos são o “hat-trick” em um 7-0 contra o Santa Cruz, pelo Brasileiro-85, a assistência para Bebeto marcar o primeiro gol nos 2-0 contra o Vasco na Final do Estadual-86 e o gol do título do Terceiro Turno do Estadual-87 (muito parecido, aliás, com que marcara na fatídica final de 82). Perde espaço com a saída de Lazaroni e a chegada de Antonio Lopes, com quem tivera problemas no passado, e com a ascensão de Zinho, igualmente disciplinado taticamente, porém mais jovem e melhor tecnicamente. No segundo semestre, é vendido ao Atlético-MG. Pelo Flamengo, conquista o Estadual de 1986.
Foto: Lucas Merçon / Fluminense
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