O quadro nunca esteve desenhado de forma tão clara e cristalina quanto agora. Resta agora responder à pergunta: contra quem o Flamengo quer competir?
Quer rivalizar contra o bloco formado por Corinthians, Palmeiras e São Paulo, ou quer se contentar em rivalizar contra o bloco formado por Vasco, Fluminense e Botafogo? Com base na resposta a esta pergunta é que se devem ser feitas as avaliações de sucesso ou fracasso das ações rubro-negras? O flamenguista é quem decide entre enxergar um copo meio cheio ou um meio vazio… a tendência nos próximos anos é se ter um distanciamento cada vez maior entre estes dois blocos.
Ao término da temporada rubro-negra em 2017, diante dos investimentos feitos na qualificação do time de futebol, houve um natural sentimento de frustração porque havia um anseio por algo mais. Natural… Chegou-se a três finais na temporada, vencendo-se uma e perdendo-se duas; se a relação fosse vencendo duas e perdendo uma, certamente o sentimento seria outro. Sobre uma avaliação mais ampla, de toda a Gestão Eduardo Bandeira de Melo em seu desempenho acumulado de 2013 a 2017, valem três métricas comparativas, que serão exploradas daqui em diante: o Flamengo contra ele mesmo (comparando aos períodos passados), o Flamengo contra o Bloco de Rivais Paulistas e contra o Bloco dos Rivais Cariocas (ambos avaliando os mesmos períodos de tempo passados). Em todos os casos será usado um parâmetro de comparação mais atualizado, isto é, sem levar em consideração os títulos Estaduais (ainda que haja uma certa injustiça nesta métrica, dada a importância que os Estaduais já tiveram outrora… por outro lado deixa a comparação mais justa, pois só considera as competições que todos estavam aptos a participar: torneios nacionais e internacionais).
O primeiro período para comparação vai de 1950 a 1979, um intervalo de 30 temporadas, escolhido porque 1950 foi o ano de disputa do primeiro Torneio Rio-São Paulo na sequência contínua que terminou em 1966 (este último ano será considerado “sem campeão”, dado que o torneio não terminou, embora o registro histórico aponte quatro equipes dividindo o título) e termina em 1979, porque é a edição anterior à primeira vez que o Flamengo se sagrou campeão brasileiro.
Do mesmo autor: Análise do estudo sobre presença de público no futebol
Entre 1950 e 1979, o único título que não de Campeão Carioca conquistado pelo Flamengo foi o de Campeão do Rio-São Paulo de 1961. Internacionalmente, a conquista mais expressiva foi a de Campeão do Octogonal de Verão de 1961, torneio amistoso que reuniu Flamengo, Vasco, Corinthians, São Paulo, Boca Juniors, River Plate, Nacional e Cerro. Uma ampla desvantagem frente aos dois blocos.
O bloco “Corinthians + Palmeiras + São Paulo” conquistou 5 vezes o Rio-São Paulo (1950, 1951, 1953, 1954 e 1965), 5 vezes o Campeonato Brasileiro (1967, 1969, 1972, 1973 e 1977), e 2 vezes a Taça Brasil (1960 e 1967). Internacionalmente, nenhuma conquista de Taça Libertadores da América.
O bloco “Vasco + Fluminense + Botafogo” conquistou 5 vezes o Rio-São Paulo (1957, 1958, 1960, 1962 e 1964), 2 vezes o Campeonato Brasileiro (1970 e 1974), e 1 vez a Taça Brasil (1968). Internacionalmente, nenhuma conquista de Taça Libertadores da América.
O segundo período de comparação contempla a Era de Ouro do Futebol do Flamengo, de 1980 a 1992, um intervalo, portanto, de 13 temporadas.
Entre 1980 e 1992, o Flamengo foi 5 vezes Campeão Brasileiro (1980, 1982, 1983, 1987 e 1992), 1 vez Campeão da Copa do Brasil (1990), Campeão da Taça Libertadores da América em 1981 e Campeão da Copa Intercontinental, o Mundial Interclubes, em 1981. A “Era Zico” é uma era de glórias incomparável, foram 8 títulos de grande expressão!
O bloco “Corinthians + Palmeiras + São Paulo” conquistou 3 vezes o Campeonato Brasileiro (1986, 1990 e 1991), 1 vez a Copa Libertadores da América (1992) e 1 vez o Mundial Interclubes (1992). O Flamengo, sozinho, ganhou praticamente o dobro dos títulos conquistados pelos três grandes clubes de São Paulo Capital juntos!
O bloco “Vasco + Fluminense + Botafogo” conquistou 2 vezes o Campeonato Brasileiro (1984 e 1989) e não obteve nenhum título internacional. O Flamengo, sozinho, ganhou o quádruplo dos títulos conquistados pelos três grandes clubes rivais do Rio de Janeiro juntos!
O terceiro período para comparação vai de 1993 a 2012, um intervalo de 20 temporadas, escolhido em função de 1993 ser o primeiro ano após o fim da “Era de Ouro do Flamengo”, e por 2012 ter sido a temporada imediatamente anterior ao início da Gestão Eduardo Bandeira de Melo, aqui colocada na berlinda comparativa.
Entre 1993 e 2012, o Flamengo foi 1 vez Campeão Brasileiro (2009) e 1 vez Campeão da Copa do Brasil (2006). Ainda foi vice-campeão da Copa do Brasil em 1997, 2003 e 2004. Internacionalmente, um único título, tendo sido Campeão da Copa Mercosul de 1999. E foi vice-campeão da Supercopa Libertadores em 1993 e 1995, e vice-campeão da Copa Mercosul em 2001. Conquistou, portanto, apenas 3 títulos mais expressivos.
O bloco “Corinthians + Palmeiras + São Paulo” conquistou 9 vezes o Campeonato Brasileiro (1993, 1994, 1998, 1999, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2011) e 5 vezes a Copa do Brasil (1995, 1998, 2002, 2009 e 2012). Internacionalmente, o bloco conquistou 4 vezes a Copa Libertadores (1993, 1999, 2005 e 2012), 1 vez a Supercopa (1993), 1 vez a Copa Mercosul (1998) e 1 vez a Copa Sul-Americana (2012), e 3 vezes o Mundial Interclubes (1993, 2005 e 2012). Impressionantes 24 títulos expressivos num intervalo de 20 temporadas.
O bloco “Vasco + Fluminense + Botafogo” conquistou 5 vezes o Campeonato Brasileiro (1995, 1997, 2000, 2010 e 2012) e 2 vezes a Copa do Brasil (2007 e 2011). Internacionalmente, conquistou 1 vez a Copa Mercosul (2000). Foram, portanto, 8 títulos de grande expressão.
Leia também: 1989-1990: paralelos que a história rubro-negra insiste em querer ensinar
No período mais recente, pegando a Gestão Eduardo Bandeira de Melo entre 2013 e 2017, o Flamengo foi 1 vez Campeão da Copa do Brasil (2013), tendo sido vice-campeão da Copa do Brasil em 2017, e tido como melhor desempenho no Campeonato Brasileiro um 3º lugar em 2016. Internacionalmente, o melhor desempenho foi ter sido vice-campeão da Copa Sul-Americana 2017.
O bloco “Corinthians + Palmeiras + São Paulo” conquistou 3 vezes o Campeonato Brasileiro (2015, 2016 e 2017) e 1 vez a Copa do Brasil (2015). Internacionalmente, os três ainda não obtiveram conquistas.
Já o bloco “Vasco + Fluminense + Botafogo” não ganhou nenhum título, nem nacional nem internacionalmente, neste período.
Concluindo, no período 1950 a 1979 a distribuição “Flamengo – Bloco SP – Bloco RJ” ficou em “1 – 12 – 8”, ou seja, 1 título rubro-negro em 21 do total dos três sub-conjuntos, o que equivale a 4,8% do Flamengo; no período 1980 a 1992 a mesma distribuição ficou “8 – 5 – 2”, ou seja, 8 títulos rubro-negros em 15 do total, o que equivale a 53,3% rubro-negros na Era de Ouro do Flamengo; no período 1993 a 2012 a distribuição foi “3 – 24 – 8”, ou seja, 3 títulos em 35 do total dos três sub-conjuntos, o que equivale a 8,6% do Flamengo; e durante o período 2013 a 2017: “1 – 4 – 0”, logo as conquistas rubro-negras são 20,0% do total do grupo neste período. Longe de querer estar conformado com uma mera Copa do Brasil em cinco anos de gestão, porque o parâmetro tem que ser alto mesmo, já que é crucial para o Flamengo conseguir um desempenho compatível com a grandeza de quem tem a maior torcida do Brasil, e um futuro de títulos e desempenho expressivo, para manter sua grandeza frente à ameaça de concentração capitalista da força econômica de São Paulo, depende da capacidade de se impor no período 2018-2010. Isto posto, porém, o que se vê da análise fria dos números, é que o desempenho 2013-17 está longe de ser uma catástrofe frente ao desempenho histórico. Mais uma vez, não é motivo para rojões e comemorações, mas está distante de ser o caos flamejado nas bandeiras erguidas pelos críticos.
Vale uma ressalva adicional também, porque a “Era de Ouro do Corinthians” enviesa muito do desempenho recente do “Bloco Paulista”. Comparando-se isoladamente com os demais: o Palmeiras, de 2001 a 2017, um intervalo de 17 temporadas, conquistou o Brasileiro 2016, a Copa do Brasil em 2012 e 2015, e uma vez só foi Campeão Paulista, em 2008 (4 títulos em 17 anos); e o São Paulo, após sua “Era de Ouro”, de 2009 a 2017, portanto, um intervalo de 9 temporadas, conquistou apenas a Copa Sul-Americana de 2010 e mais nada, nem Estadual, só 1 título em 9 anos. Já o Corinthians viveu sua “Era de Ouro, já que foi Campeão da Copa do Brasil 2009, Campeão Brasileiro em 2011, 2015 e 2017, Campeão da Copa Libertadores em 2012 e Campeão Mundial Interclubes em 2012. Preocupa, sim, principalmente porque é o clube que almeja tomar o posto do Flamengo como maior torcida do Brasil, logo recomenda-se, no mínimo, estar apto para conquistar tantos títulos quanto ele, e ainda mais que ele não tem parado de obter conquistas expressivas. Logo, a pressão por resultado é muito saudável e necessária para o Flamengo. Camarão que dorme, a onda leva…
P.S.
Para terminar, não poderia deixar de citar Paschoal Ambrósio Filho, que no fim de 2017 nos deixou e fez sua passagem… Espero que esteja num lugar muito melhor do que nós estamos. Paschoal, ao lado de Roberto Sander, no grande trabalho feito na Editora Maquinária, foi quem viu valor e aceitou publicar o livro “A Nação – Como e por que o Flamengo se tornou a maior torcida do Brasil”. Sem ele, este projeto não teria saído da gaveta e se tornado livro, uma publicação que vendeu 1.850 exemplares, e sem o livro este blog jamais teria sido criado. Do nosso canto de cá, desejamos que as condolências e sentimentos à família, que ao final é aquela que mais sofre. Descanse em paz! SRN!
Imagem destacada no post e redes sociais: Reprodução
Marcel Pereira é economista e escritor rubro-negro, autor do livro “A Nação – Como e por que o Flamengo se tornou a maior torcida do Brasil” (Editora Maquinária). Este post é publicado originalmente no blog A Nação
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