O Al-Hilal não é um timaço, também não é uma bagunça completa. Tem problemas individuais e coletivos, mas mantém uma boa organização
O Al-Hilal bateu o Espérance Tunis pelo placar mínimo e garantiu sua vaga nas semifinais do Mundial. Um jogo interessante e agradável, que mostrou um pouquinho do que o Flamengo vai enfrentar.
Antes de mais nada, é importante dizer que
1- A análise de jogo não diz tudo sobre um time;
2- É difícil avaliar a qualidade contra um adversário desconhecido;
3- A escalação não deve ser a mesma amanhã;
4- O Al-Hilal do Mundial é um time que ninguém conhece, nem eles mesmos.
Como todos sabem, Gomis, o artilheiro do time, jogou apenas 25 minutos por conta de uma lesão recente. Giovinco, o outro atacante, ficou de fora e não deve estar 100% amanhã. Al-Faraj, titular do meio, nem foi para Doha. Mas as dúvidas e mudanças são mais profundas…
O campeonato saudita segue o calendário europeu: de julho a julho, enquanto a AFC Champions League (ACL – torneio continental que credenciou o time a disputar o mundial) é disputado de janeiro a novembro.
Isso quer dizer que o time joga a fase de grupos no fim de uma temporada e o mata-mata na temporada seguinte. Giovinco, por exemplo, chegou em janeiro e disputou, até agora, uma ACL completa, mas apenas duas metades de campeonatos sauditas diferentes.
Cuéllar e Carrillo chegaram em agosto, início da temporada. Pegaram então o início do campeonato saudita (que está na 11ª rodada, mas o Al-Hilal tem dois jogos a menos no momento) e a fase de mata-mata da ACL.
Por conta das limitações de estrangeiros na ACL, Cuéllar nem jogou o torneio continental e Carlos Eduardo perdeu sua vaga para Carrillo. Mas o brasileiro disputou todos os jogos do Sauditão e é, inclusive, o artilheiro do torneio com 8 gols em 9 jogos.
Como não há limite de estrangeiros no Mundial, o treinador Răzvan Lucescu tem a oportunidade de escalar um time praticamente inédito. Em tese, somando Carlos Eduardo e Cuéllar ao time campeão da Ásia, ele consegue ter o melhor que o Al Hilal tem a oferecer.
Agora sim, vamos ao jogo… O Al-Hilal veio num 4-2-3-1 com Carlos Eduardo quase como segundo atacante. Sem a bola, o time defendia em 4-4-2, deixando o brasileiro mais à frente ao lado de Khribin.
O Espérance veio num 4-1-4-1 sem muito mistério e o único plano parecia ser a bola esticada na ponta esquerda para explorar as costas do lateral direito do Al-Hilal.
A defesa saudita até lidou bem com o plano de jogo do adversário, mas sofreu algum perigo pelos lados, mesmo com a fragilidade do ataque do Espérance.
Isso se deve a problemas tanto individuais quanto coletivos. Yasser Al-Shahrani é quase ambidestro e joga nas duas laterais, mas costuma atuar pela esquerda (mesmo que seu pé mais dominante seja o direito). É titular da seleção saudita e disputou a última Copa do Mundo.
Mesmo com essas credenciais, é um jogador bastante frágil, a meu ver, especialmente na parte defensiva. É rápido e tem boa explosão, então sempre tenta a antecipação, mas marca mal e tem um posicionamento questionável.
Para além disso, a corda às vezes estourava ali por conta de movimentos coletivos pouco coordenados. Várias vezes era possível ver o time fazendo uma meia-pressão, mas com todo mundo em linha. Dessa forma fica muito fácil entrar nas costas do meio-campo com um só passe.
Parece que os jogadores esquecem a ocupação do espaço e perdem as relações com os companheiros. Assim, o time parece só marcar a bola. Essa perda de relação entre os setores ainda faz com que o time fique espaçado muitas vezes.
Quando o ataque sobe para fazer pressão, a defesa demora para entender e reagir. Quando a defesa recua, o ataque também demora para acompanhar. Aí aparece o “efeito mola”: o time perde compactação porque a parte que “puxa” não é acompanhada imediatamente pela que “é puxada”.
Com a bola, o time tentava sair jogando por baixo, sempre dos zagueiros para os laterais e, dali, para os volantes ou meias por dentro. Mas os homens de trás não têm o menor pudor em dar chutão quando apertados.
A já famosa marcação-pressão do Flamengo pode ser um terror para os sauditas, ainda mais se a bola acabar passando muito pelo goleiro Al-Maiouf, que é bem fraco com os pés.
Quando conseguia avançar ao campo do adversário, sempre buscava a jogada pelos lados e cruzava na área assim que via uma oportunidade. Os dois laterais, inclusive, subiam ao mesmo tempo sempre. Com Gomis em campo, esse padrão tende a se intensificar.
Andre Carrillo é sempre o homem que desequilibra, que parte para cima e cria. De vez em quando ele ainda se desprende do lado direito e vai buscar jogo lá na esquerda, se aproximando dos companheiros com força e velocidade.
No segundo tempo o Al-Hilal intensificou a marcação-pressão. Ainda que um pouco desorganizado (e cheio de efeito mola), esse sufoco foi suficiente para matar a saída do time africano e os sauditas começaram a dominar completamente as ações.
Como vinha dando certo, Răzvan Lucescu dobrou a aposta, colocando Gomis no lugar de Cuellar e passando para um 4-4-2 / 4-1-3-2 bastante ofensivo e focando nessa marcação-pressão para matar o Espérance.
Ao retomar a bola, o time amassava o Espérance de maneira consciente. Girava a bola empurrando o adversário para trás. Você acha que o gol foi coincidência? Apenas um coelho tirado da cartola? O posicionamento do time, na verdade, se repete, tem padrão, é treinado e pensado…
Kanno armando da esquerda, os dois laterais espetados, Gomis ocupando a área pela direita e o resto flutuando, buscando abrir espaço no meio-campo. Gomis inclusive aponta a jogada antes do passe de Kanno.
Depois do gol, Otayf, que costuma ser titular nos jogos internacionais, entrou e o time voltou ao 4-2-3-1. Com a expulsão de Kanno, ele deve ser titular contra o Flamengo ao lado de Cuellar no meio-campo.
O Al-Hilal não é um timaço, longe disso, mas também não é uma bagunça completa. Tem problemas individuais e coletivos, mas mantém uma organização até superior a alguns times brasileiros. Além disso, tem jogadores que decidem. O Fla é favorito, mas precisa jogar o que sabe.
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