Primeiro de junho de 1969. Maracanã. Duelo com o Botafogo, pelo Campeonato Carioca. Apavorado com os fogos de artifício na eminente entrada das equipes em campo, um urubu é arremessado ao voo.
Assim, com uma bandeira rubro-negra amarrada nas patas, ele sobrevoa a torcida rival e pousa no gramado. De forma elegante, calma e histórica. Nascia o mascote do Clube de Regatas do Flamengo.
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Para entender como um pássaro sem glamour virou símbolo do Rubro-Negro, entretanto, é preciso voltar algum tempo. Até a década de 1960, o mascote do clube era um Popeye, uma alusão às origens náuticas. Contudo, sem tanta identidade popular, a representação não ganhou tanta adesão.
➕ Urubu do Flamengo: a história da mascote e sua relação com um antigo mascote do Vasco
Das arquibancadas, entretanto, os gritos das torcidas de Botafogo, Fluminense e Vasco tinham um coro uníssono em jogos no Maracanã: Urubu! Urubu! Urubu!
O motivo desses gritos tem ligações racistas. Por ter quase a totalidade da torcida formada por pessoas negras, o coro tinha a intenção de gerar um constrangimento que ligasse a cor da ave às dos flamenguistas. Ao passo que o racismo durante anos foi esquecido nas páginas de clubes que fingem combatê-lo.
Dessa forma, cansados destes gritos rivais, os estudantes Luiz Octávio Vaz (19 anos), Romilson Meirelles (20), Victor Ellery (18) e Erick Soledade (19) se uniram por algo que mudaria para sempre a história do clube:
“O nosso objetivo era calar as torcidas adversárias, que ironizavam o fato da torcida do Flamengo ter muitos negros. Escolhemos um jogo contra o Botafogo porque era o maior rival do Flamengo na época”, declarou o professor de educação física Luiz Octávio, ao GE, em 2009.
Um voo para a história
A intenção era que a ave deixasse de ser algo pejorativo e se tornasse uma afronta. Não só aos torcedores racistas, mas também aos que rivais usavam como estratégia de silenciar a massa flamenguista. Com a ajuda de um gari rubro-negro, foram ao lixão do Caju, na Zona Norte do Rio, e pegaram um urubu.
Naquele primeiro dia de junho, clássico contra o Botafogo, maior rivalidade da época, o animal foi escondido em uma bandeira do Flamengo. Em seguida, entrou sob a sombra da história que estava por acontecer.
Primeiramente, a intenção era soltá-lo quando os jogadores subissem as escadas do antigo Maracanã. Entretanto, nervoso com os fogos, a ave quis virar lenda antes mesmo dos atletas.
O próprio Luiz Octávio relembrou à mesma reportagem:
“Até hoje me arrepio quando conto esse momento. Assim que o soltamos, ele deu uma descaída, mas depois abriu bem as asas e deu uma volta em frente à torcida do Flamengo, que começou a gritar “é urubu, é urubu, é urubu”. E quando ele passou em frente aos botafoguenses, com a bandeira tremulando, eles ficaram calados, sem reação. Ele pousou no meio do campo, e a torcida do Flamengo gritava ainda mais, incorporando o símbolo”, relembra.
O voo durou cerca de 30 segundos. Impávido, pousou no gramado sob os mesmos gritos de “Urubu! Urubu! Urubu”. Contudo, agora dos flamenguistas.
A partida começou.
O Flamengo venceu por 2 a 1, por fim, quebrando um jejum de quatro anos sem triunfos sobre o Botafogo.
O urubu virou mascote.
O momento virou história.
O racismo foi calado.
E os racistas mudaram os gritos: “Favela! Favela”. Mas aí, fica para outra hora…
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