Preparação e amistosos
A crise provocada pela eliminação precoce no certame nacional continuava a ecoar na Gávea (leia o capítulo 2). Depois de Carpegianni, era a vez de Cláudio Adão querer deixar o clube. Coutinho teve que intervir. Para o treinador, o centroavante seria peça fundamental da equipe.
O primeiro coletivo sob o comando do Capitão mostrou que ele estava certo. Vitória de 3 a 0 dos titulares, com dois gols de Adão e um de Adílio. A propósito, a festa da torcida para recepcionar Coutinho foi digna de um grande ídolo. De uma hora para outra, o ambiente carregado se dissipava e a esperança voltava a tomar conta da nação.
Como sempre ocorria, a central de boatos estava a mil por hora. Eram cogitados como reforços do Flamengo nomes como Enéas (Portuguesa), Ivo e Toninho (Palmeiras), Reinaldo e Mário (América), Tadeu (Operário-MS), Gil (Botafogo), Geraldão (Corinthians), Muricy Ramalho (São Paulo) e Zenon (Guarani). Sem dinheiro para contratações, nenhum deles desembarcou no Rio de Janeiro.
Semanas antes do Carioca de 78 o Fla era um time em formação (Foto: Revista Manchete)O primeiro contratado de verdade veio do Corinthians. Por empréstimo, o zagueiro Moisés chegou para ser titular da equipe. Com fama de xerifão, foi logo dizendo que “acabo com as cirandinhas dos atacantes na nossa área”.
Em seguida, veio um pacotão de reforços do Cruzeiro. O goleiro, Raul, que pretendia encerrar sua carreira, veio em definitivo. Eli Carlos e Tião, foram emprestados. Na negociação, Júnior Brasília foi cedido a raposa. Conta Raul “eu estava em casa, decidido a não mais jogar futebol profissional, quando deu no Jornal Nacional que o Flamengo havia acertado a minha contratação. Estava com a minha mãe e ela logo me perguntou se era verdade. Disse que ainda não sabia de nada, mas que com certeza o telefone ia tocar a qualquer momento. Dito e feito”.
Apesar da falta de dinheiro, Márcio Braga, candidato a reeleição pela FAF, obteve êxito em mais alguns negociações. Do Atlético-MG, chegaram Cléber e Marcinho. Do Olaria, veio o zagueiro Manguito, contratado por 500.000 cruzeiros.
Para o amistoso na Argentina, frente ao Talleres, Coutinho ainda não iria dirigir a equipe. Modesto Bria teria essa missão. O treinador “interino”tratou de escalar Moisés como titular. Além disso, Júnior foi atuar no meio de campo. Ramirez passou a lateral esquerda e Leandro, para a direita. Nada disso adiantou. A partida terminou empatada, sem abertura de contagem.
Na volta, Coutinho reassumiu a equipe de maneira definitiva. Haveria pouco tempo para acertar o time, já que estavam programados um amistoso contra o Atlético-mg, em Minas e logo depois, o embarque para a Europa, onde o clube tentaria, mesmo sem Zico, recuperar o prestígio internacional do futebol brasileiro, além de faturar uma boa grana.
No último coletivo antes da partida contra o galo, ainda sem os reforços, os titulares bateram os suplentes, por 2 a 0, gols de Adílio e Lino.
Surpreendentemente, a equipe jogou muito bem no amistoso. Em especial, Cláudio Adão. A vitória veio naturalmente, pelo placar de 2 a 0. Os tentos foram marcados por Lino e Toninho. Só que tudo isso acabou ficando em segundo plano. Do Rio de Janeiro, chegavam notícias que Zico estaria sendo pretendido pelo Milan e pelo Al Hilal, clube que acabara de contratar Rivellino. O Presidente Márcio Braga afirmou que aceitava negociar o craque, desde que alguém se dispusesse a pagar 30 milhões de dólares pelo seu passe. Como ninguém quis pagar um preço tão alto, o galinho continuou na Gávea, apesar de insatisfeito com o atraso das luvas.
De volta ao futebol, o time realizou mais um coletivo antes do embarque para a Espanha. Mais uma vitória dos titulares, desta vez por 3 a 0. Os gols foram de Tião (2) e Cláudio Adão.
Teresa Herrera.
A estreia no tradicional Troféu Teresa Herrera aconteceu diante do Fluminense. A igualdade, sem abertura de contagem, não foi justa, já que o rubro-negro dominou a peleja. Na disputa de pênaltis, deu Flamengo, 3 a 1. O resultado classificou o time para a decisão, diante do Real Madrid.
No dia seguinte, menos de 24 horas após bater o tricolor e com uma defesa improvisada (Ramirez e Nélson jogaram, já que Moisés e Rondinelli estavam lesionados), o Mengo acabou não suportando o ritmo intenso da equipe merengue e caiu, perdendo por 2 a 0.
Enquanto o time excursionava, no Rio de Janeiro, a Diretoria seguia agindo, agora para negociar jogadores, já que o elenco estava inchado, depois da chegada dos reforços. Luís Paulo, Roberto e Dequinha, foram para o Maringá. Valdo, para o Bahia. Merica também foi negociado com o tricolor baiano. Mas em troca, o Fla recebeu Alberto, por empréstimo.
O Flamengo havia deixado uma boa impressão no Teresa Herrera. Por isso, os jogadores acreditavam em uma boa campanha no Palma de Mallorca. Mais do que isso. Todos queriam uma nova decisão com o Real Madrid. Na estreia, a equipe passou pelo Rayo Vallecano, por 2 a 1, gols de Júnior e Cléber. Com isso, a revanche contra a equipe merengue estava garantida.
Um título épico
Desta vez, mais descansado e adaptado ao fuso horário, o Mengo foi como um rolo compressor para cima do Real. Cláudio Adão e Cléber marcaram no primeiro tempo, coroando uma exibição fantástica da equipe. Na etapa complementar, entrou em cena o árbitro espanhol Alscua Sainz. Ele inventou um pênalti para os merengues, inverteu faltas, marcou impedimentos inexistentes e ainda expulsou Eli Carlos, Toninho, Cléber, Coutinho, Domingos Bosco e todo o banco rubro-negro. Mesmo assim, de maneira heroica e contando com o apoio da torcida, indignada com a atitude do juiz, o Fla se segurou. No fim, ele ainda deu mais de cinco minutos de acréscimos. Pouco importou. O Flamengo conquistava de maneira brilhante o Troféu Palma de Mallorca.
Ao fim da partida, Carpegianni declarava que esta havia sido a maior vitória de sua vida. Coutinho mostrava-se feliz, especialmente com a recuperação de Cláudio Adão. E os torcedores no estádio não cansavam de aplaudir o esforço da equipe. A imprensa também foi só elogios ao Flamengo e críticas ao árbitro. O prestígio do clube estava em alta e a confiança, recuperada. A ponto do treinador dizer que, “com Zico, esse time será a sensação do estadual”.
Faltavam ainda três compromissos na Europa, antes do retorno ao Brasil. No Torneio de Milão, o Mengo acabou caindo no primeiro jogo, diante do Milan, por 1 a 0. Esta partida mostrou como o prestígio da equipe estava em alta. Foram vendidos mais de 60.000 ingressos antecipados. A disputa do terceiro lugar foi diante do Botafogo. E o Fla mostrou que viria mesmo forte para o Carioca. Vitória de 2 a 0, gols de Adílio e Cléber.
Fechando a excursão, que deu um lucro de 700.000 cruzeiros aos cofres do clube, o Flamengo derrotou o Sanremese, da terceira divisão italiana. Novamente o placar foi de 2 a 0 (Eli Carlos marcou os dois tentos).
Nos bastidores, aconteciam algumas mudanças importantes antes da estreia no estadual, diante do São Cristovão. Ivã Drumond deixou a Vice Presidência de Futebol para fazer campanha a favor de George Helal, candidato da oposição. Em seu lugar, assumiu Walter Clark. Uma de suas primeiras providências foi abolir a participação dos atletas nas premiações, em caso de derrota. Para ele, os jogadores só teriam direito a receber alguma quantia se houvesse vitória ou empate.
Na véspera da partida frente ao São Cristovão, mais um reforço desembarcou na Gávea. Getúlio, ponta direita do Bahia, chegou por empréstimo, sem ônus algum para o clube. Com o elenco fechado e muito confiante, era hora de tentar recuperar o título carioca, que não vinha para a Gávea desde 1974.
No próximo capítulo da nossa saga 1978-1992: O Carioca de 78 e o gol do Deus da Raça!
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Leia a Saga do Penta – BIOGRAFIA RUBRO-NEGRA
O destino da Nação em jogo: chegamos ao Carioca de 1978
Gustavo Roman é jornalista, historiador e escritor. Autor dos livros No campo e na moral – Flamengo campeão brasileiro de 1987, Sarriá 82 – O que faltou ao futebol-arte? e 150 Curiosidades das Copas do Mundo. Conhecido como um dos maiores colecionadores de gravações de jogos de futebol, publica toda quinta-feira, aqui no MRN, a série “Biografia Rubro Negra 1978-1992”, onde conta a saga do período mais vitorioso da história do clube mais querido do mundo.