O MRN entrevistou a presidente da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), órgão que fez a denúncia que resultou na suspensão de Gabigol por suposta tentativa de fraude num teste de antidopagem. Na entrevista, Adriana Taboza defende os oficiais de coleta das acusações de que mentiram em seus depoimentos, diz que a Autoridade tem um padrão de excelência reconhecido pela Agência Mundial Antidoping (Wada) e nega qualquer perseguição ao atleta.
“Eu não estou aqui para julgar quanquer atleta. Eu não tenho qualquer interesse na punição do Gabriel, muito pelo contrário. A gente apresenta os dados pro tribunal, quem faz o julgamento é o tribunal, baseado nas provas. E o que aconteceu foi que julgadores em sua maioria decidiram pela suspensão. E ele está recorrendo, ele ainda tem chance de reverter, se esse for o entendimento do CAS. Eu espero que ele supere este momento, espero que ele volte a jogar e a fazer o que ele faz”, afirmou.
Neste sentido, chama bastante atenção o voto da vice-presidente do Tribunal, Selma Fátima Melo Rocha. De acordo com ela, “os depoimentos dos DCOs [oficiais responsáveis pela coleta] são repletos de contradições e tiram toda a credibilidade que teriam naquele momento”. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
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Avaliação de auditora de que oficiais de coleta mentiram
“No julgamento, são nove julgadores. Cada julgador vai colocar no seu voto a sua impressão daquilo que observou nas provas e com as testemunhas. A doutora Selma [Fátima Melo Rocha, vice-presidente do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem], a qual respeito imensamente, discorreu sobre sua teoria. Mas veja, essa foi uma impressão da doutora Selma. Ela não tem o papel de investigar, ela pega a investigação pronta, ela analisa todos os fatos e ela dá a impressão dela. A impressão dela ela colocou no papel daquele jeito, mas é importante a gente entender que quem está sendo julgado neste processo não são os oficiais. E do mesmo jeito que a doutora Selma teve este entendimento, outros cinco membros do tribunal tiveram o entendimento diferente, que resultou na suspensão.”
A ABCD vai investigar as suspeitas sobre os oficiais?
“Não há, nesse momento, qualquer denúncia, qualquer indício que me leve a apurar qualquer falha de conduta desses oficiais. Foi a primeira vez em toda a investigação, em todo o processo, que surgiu a palavra mentiroso, foi a primeira vez. É a mesma coisa que eu dizer para você, é o seguinte: você roubou o meu celular. Você roubou o meu celular? Não. Tem prova de que você roubou meu celular? Alguém viu você roubando meu celular? Alguém denunciou você pelo roubo do celular? Então não há o que ser apurado. Não há o que ser apurado.”
É possível investigar agora a atuação dos oficiais?
“Não há nenhuma reclamação sobre a conduta dos oficiais a ser apurada nesse momento. O julgamento corre no CAS [Corte Arbitral do Esporte, na Suíça], a quem as partes devem se dirigir nesse momento do processo, sobre qualquer fato. Ao final, o CAS publicará sua decisão, que será naturalmente comunicada à ABCD. Nesse momento o processo está encerrado no Brasil.
ABCD tem excelência reconhecida pela WADA
“O papel da ABCD foi cumprido estritamente dentro das normas internacionais, acompanhados inclusive pelos especialistas da agência mundial (Wada), que acompanham cada processo desses com a gente. Eu sinto muito que agora tenha surgido essa história de que o oficial mentiu, porque isso reacendeu uma chama que não interfere no processo. Todos os nossos oficiais passam por um sistema de gestão de qualidade que é reconhecido mundialmente. A gente acabou de fazer uma apresentação sobre ele na Suíça. Como exemplo, posso citar os oficiais brasileiros selecionados para os Jogos Olímpicos e Paralimpicos 2024, o mundo inteiro se candidatou para trabalhar como oficial nos jogos de Paris, obviamente todo mundo quer ir para Paris. O Brasil teve seis oficiais selecionados. É um dos poucos países que teve um número tão expressivo. Dentre eles um que estava nessa missão [que resultou na suspensão de Gabigol]. A gente não está falando de qualquer profissional. Os protocolos que a ABCD cumpre são absolutamente rígidos, por exigência da agência mundial, que audita a ABCD todos os dias.
“Nenhum atleta será denunciado por ‘birra’ de um oficial”
“A gente não está aqui falando sobre uma birra de oficial que pela má conduta de um atleta resolveu fazer um relatório. Não é nada a respeito disso. O que a ABCD não pode fazer, para proteger o ambiente esportivo, é receber a informação de uma potencial violação e sentar em cima, porque é um atleta de nome, que tem uma carreira… Não posso fazer isso, a gente trabalha com impessoalidade. Todo atleta, independentemente de clube, esporte e reconhecimento, será tratado absolutamente como qualquer outro atleta. As regras se aplicam a ele, assim como se aplicam a qualquer outro atleta.”
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Por que um atleta pode ser suspenso por fraude?
“No futebol, não estou falando do Gabriel, a gente lida com personalidades que não compreendem o seu papel. Quando a gente fala “eu sou um atleta” a gente tem que entender que nesse esporte tem várias obrigações contidas. Entre elas fazer o teste. E não é uma opção. E aí dentro desse procedimento algumas coisas precisam ser garantidas. Primeiro, eu preciso notificar diretamente o atleta. Eu preciso acompanhar o atleta a partir do momento que ele foi notificado. Ele não pode sair do meu campo de visão, para evitar fraudes. O atleta precisa estar o tempo todo sob supervisão do escolta. A partir do momento que ele sabe que vai ser testado ele precisa estar sob nossa supervisão. O atleta pode treinar, não tem problema nenhum, é uma opção do atleta. Só que existem alguns requisitos. Quando a gente vai fazer coleta de passaporte hematológico, ele tem que estar duas horas em repouso. E aí tudo bem, se ele treinou antes, tem essa espera de duas horas. Qualquer atleta tem que esperar. E tem que esperar sob supervisão do oficial. Não pode correr para almoçar, não pode tomar banho, não pode um monte de coisas. E não pode porque é regra. A partir do momento que começo minha coleta, eu, como oficial, preciso garantir que aquela amostra é daquele atleta. Eu preciso ver aquela amostra saindo do corpo do atleta, eu preciso garantir que aquele atleta está vendo sua amostra durante todo o período, porque também é para proteção do atleta. Isso são requisitos obrigatórios. A partir do momento que eu não consigo garantir, como oficial, todo esse procedimento eu sou obrigado a reportar. No final de todo processo de coleta, o oficial pergunta ao atleta: você quer reclamar sobre qualquer parte desse procedimento? Você tem esse direito. E a ele é ofertado um documento no qual ele pode discorrer sobre o que aconteceu. [No caso do Gabriel], todo procedimento foi cumprido.”
O papel do doutor Márcio Tannure
“O Tannure não tem qualquer envolvimento, aliás, nenhuma terceira pessoa. O teste é feito entre o oficial e o atleta. Ninguém pode interferir nesse processo. E eu não posso dizer para o médico: ‘Traga o atleta’. Porque neste momento eu estou dizendo para uma terceira parte quem é o atleta que vai ser testado. A obrigação do oficial é notificar pessoalmente, diretamente, o atleta. O atleta não foi suspenso porque atrasou a coleta. Ele foi suspenso porque não foi possível garantir que aquela amostra estava íntegra para ser levada ao laboratório e garantir que aquele resultado era de fato do atleta e era um resultado com toda a lisura que o processo tem que ter.”
Por que o caso demorou tanto para vir a público?
“A ABCD tem o papel de proteger atletas, evitando a exposição desnecessária e em momento inapropriado. O atleta tem esse direito. É por isso que você não sabe, que os torcedores não sabem, para proteger o atleta. Nem tudo a gente pode saber. Quando o atleta está sob julgamento, o nome dele precisa ser preservado. E eu vou lhe dizer mais: vazou o procedimento de denúncia e não era para ter vazado. Obviamente que a partir do momento que a gente comunica o atleta, comunica o clube e comunica a CBF, esta informação fica vulnerável. A ABCD, por respeito à regra, só se manifesta sobre fatos que já se tornaram públicos ou após trânsito em julgado. Porque o atleta pode ser absolvido. Por isso que a ABCD só publica o nome do atleta quando ele é julgado e suspenso.”
Demora de quase um ano até o julgamento
“Não demorou um ano para ser feita a denúncia.São vários processos intermediária que resultaram nesse período total. O que eu posso garantir para você é que a ABCD pega todos os documentos de uma missão, avalia todos os documentos, todas as referências e submete ao tribunal, que tem a obrigação de avaliar mais uma vez e decidir se oferece a denúncia ou não. O papel da ABCD é operacional. Muitas coisas podem atrasar um processo. Uma resposta do interessado, um pedido de diligência, a oitiva de uma eventual pessoa, um pedido do advogado, várias situações que não dependem só da ABCD ou só do tribunal.”
Placar apertado não tira legitimidade de julgamento
“A gente está falando de jogo de alegações. Se o atleta disse que foi desse jeito, qualquer um pode achar que a versão dele é verdadeira. Eu não vou tomar partido porque não é o meu papel. Eu não estou aqui para julgar atleta. Eu não tenho qualquer interesse na punição do atleta, muito pelo contrário, a gente apresenta os dados pro tribunal e quem faz o julgamento é o tribunal, baseado nas provas. E o que aconteceu foi que julgadores em sua maioria decidiram que de fato ele fraudou. Não foi vitória de ninguém. Ninguém saiu ganhando. Fazendo uma analogia, no futebol, uma vitória de 5×0, ou uma vitória de 1×0, são três pontos na tabela de qualquer jeito. É por isso que o julgamento é feito na segunda instância com um painel.”
Voto contraditório de auditores em caso parecido
“Cada caso é um caso. A gente sabe o que o torcedor vai pensar. Mas a gente precisa compreender que existe um conjunto probatório que está sendo analisado. [Respondendo ao fato de que dois auditores que votaram para absolver Alessandro Nunes, dirigente do Corinthians, em um caso semelhante, votaram para condenar Gabigol].”
Papel do Flamengo para evitar novos casos
“Acho que é uma boa pergunta para todo grande time brasileiro. É uma excelente pergunta. Quais são as ações que o clube tem tomado para proteger os atletas, para informar os atletas e para treinar os atletas em relação à antidopagem. É importante preservar o Flamengo que é a maior referência que a gente tem no futebol. Eles precisam responder a gente à altura do que o clube é. Não dá para não ser exemplo no sentido de integridade. Precisa ser. Não dá para ter um clube brasileiro, que representa a gente no mundo, que não seja exemplo de integridade. Nenhum time do Brasil tem qualquer relevância sem a existência do Flamengo. A importância que os outros times têm, eles também são o que são por conta do Flamengo.”
Suspeitas sobre o fato de ela torcer para o Palmeiras
“Eu me deparei hoje com pessoas me stalkeando, pegando fotos minhas [no Instagram torcendo para o Palmeiras].
Eu sou servidora pública do Ministério do Esporte há 15 anos, hoje estou presidente da ABCD pelo meu desempenho, competência e pelo meu respeito aos princípios que regem a admiração pública. No desempenho das minhas funções não existe esporte favorito, clube favorito ou atleta favorito. O que existe é uma responsabilidade tremenda em lutar diariamente pela integridade no esporte, luta que deveria ser de todos nós. E assim seguirei fazendo. Eu já fui responsável pela área de testes e investigações. Hoje não sou eu quem define diretamente a estratégia de testes fora de competição. É a área técnica. É uma conta simples. Quem são os principais times do Brasil? Por questões óbvias, certamente estes também são os times mais testados.”
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