Foram 1027 passes, 50 passes longos, 43 dribles, 38 finalizações, com 12 no alvo. Alguns números que retratam esse jogo de ida válido pelas quartas-de-final da Copa do Brasil 2018, na Arena do Grêmio.
Gigante pela própria natureza. Enfrentar seu adversário em território hostil com estratégias defensivas e reativas não só se tornaram regra para o futebol brasileiro, como motivo de exaltação pela imprensa esportiva. “Aprender a sofrer”. As máquinas futebolísticas são agora times fechados, compactos, que jogam mais sem a bola do que com ela, que priorizam chances diminutas que devem ser finalizadas com o máximo de precisão possível, porque outras oportunidades demoraram a aparecer (ou muitas vezes, só aparecerão nos jogos seguintes).
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Mas o Flamengo possui uma história, uma tradição de futebol. Flamengo possui DNA de futebol-arte, ainda que esquecido por certos momentos. Mas está lá, entranhado em suas raízes. E esse time comandado por Maurício Barbieri não é perfeito, é frágil tecnicamente em suas laterais, mas sem dúvidas, respira futebol. Do goleiro ao ponta-esquerda. Todos participam e interagem em sua proposta de jogo de ser protagonista. Mesmo que do outro lado esteja o atual Campeão da América.
O Flamengo entra em campo com o mesmo time que enfrentou o Sport. No seu 4-1-4-1 funcional que as vezes é 4-3-3, outras 4-4-2, tão volátil quanto a movimentação de seus jogadores.Paquetá avança por dentro, Diego pela esquerda dialogando com Marlos, recuando constantemente para a saída preenchida, e Éverton Ribeiro mantendo sua fase mágica com mais uma partida exuberante em todos os quesitos. Sobrou na sua técnica, e curiosamente no físico. E por último, Cuéllar. Talvez não a melhor partida no quesito defensivo (apenas 1 desarme, 1 interceptação e 1 chute bloqueado), mas de longe a que mais apareceu e se entregou ao ataque. 72 passes certos (98% de precisão), 1 passe decisivo, 1 ótima chance criada e êxito nos 4 passes longos tentados, assim como em 3 dribles. Partida monstruosa do volante que quando não tinha espaço para seus meias, criou por si mesmo, como no lance em que invade a área driblando e cruza com perfeição para Diego que cabeceia para fora. Craque.
Grêmio entra em campo consciente que precisaria fazer o resultado em casa. Logo, tentativa de imposição natural nos primeiros minutos, na força e na técnica, demonstrada em forte chute de fora da área de Luan logo no primeiro minuto (que seria uma constante para os gremistas: 11 dos seus 14 ao longo dos 90 minutos). Em seu 4-2-3-1 em bloco, com 4, 5 jogadores interagindo no entrelinhas, que tem sua saída baseada num losango sustentado por Geromel-Kannemann-M. Oliveira-Cicero, busca a aceleração seja pela direita ou esquerda, com Everton ou L. Moura. Toca, passa, recua, lança, dribla, tabela, infiltra, finaliza. Perde a bola, pressiona, agride o portador. Converge seu jogo das beiradas para o centro, no controle que Maicon e Cícero fornecem na intermediária para que a bola chegue à feição para finalização ou passes verticais de Luan, que usa e abusa dos espaços gerados pelas movimentações de André que arrasta a marcação e gera pontos-cegos. Exemplo claro no lance do gol gremista, aos 38’.
Saídas e momentos ofensivos de Grêmio e Flamengo: Do losango gremista na saída sustentada até seu ataque em bloco com constantes interações entrelinha e busca de jogo exterior com L. Moura. Para o rubro-negro, a saída sustentada em 2-3 com constante circulação e inversões de seu Lado Forte com investidas à linha de fundo por Rodinei.
Mas Barbieri estava preparado para a proposta ofensiva gremista. E sua resposta foi…ser Flamengo. Pela qualidade de ambos os tripésdemeio-campo, com naturalidade o jogo seria resolvido no quão agudo as equipes conseguissem ser pelas beiradas. Mas Flamengo não queria ser o mais incisivo nos minutos iniciais. Flamengo queria o controle. Cadenciar, temporizar a partida, cansar e exaurir o adversário fisicamente e mentalmente. Obrigação da vitória é deles, estão em casa. Controle o jogo e seja agudo quando possível. Aos 10’, 58% da posse de bola a favor do rubro-negro. Aos 30’, 63% da posse. Grêmio finaliza mais ao longo do 1° tempo, mas em chutes de longa distância que muitas vezes terminam longe da meta de Diego Alves, que quando exigido, mostra-se completamente apto ao dever, assim como Grohe na outra meta.
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E tão natural quanto Flamengo buscar o controle da posse, seria Grêmio reivindica-lo. Pressão fortíssima por dentro, mordidas constantes na saída de bola, linhas altas sustentadas no alto poder de antecipação de Geromel pela direita (7 cortes, 6 interceptações e 1 desarme) e Cícero pela esquerda (4 interceptações), inibindo jogo interior com Paquetá e Diego e profundidade com Uribe, inócuo em toda a partida, anulado pelo correto Kannemann. Enquanto o primeiro tinha mais dificuldade de prosseguir com seus característicos giros e domínios sob pressão, que lhe fez perder 7 vezes a bola e ganhar 13 de 28 duelos, causando natural irritação de sua torcida, foi um exímio organizador e passador na base da jogada e saída (62 passes certos, que configuram um aproveitamento de 91%). Já o camisa 10 foi mais agudo, que contradiz as constantes críticas à seu jogo vertical. Em seus 53 passes certos, 6 foram decisivos, fora as 4 finalizações à gol que teve. Armou, caiu pela ponta, infiltrou, finalizou na área, serviu seus companheiros. Atuação à altura do jogo.
O futebol tem suas peculiaridades que nunca devem ser subestimados. Flamengo tinha o controle, mas Grêmio era perigoso com constantes arrancadas de contra-ataque gremista (quem diria?) puxados por Luan e Everton. Rodinei, contestado, mantinha-se segura na defesa a seu corredor, inibindo infiltrações pelo setor (obviamente apoiado por Éverton Ribeiro). Em partida segura e acima das que fez no Pós-Copa, continua falhando no que não deveria e não poderia: cruzamentos. Rodinei existe para o time para alargar o campo com seus movimentos à linha de fundo. Gerar jogo exterior em um time repleto de arcos. Grêmio em sua movimentação compacta em bloco possui tudo que precisa para sua proposta: pressão imediata pós-perda, antecipação, compensação, muita profundidade e jogo exterior.
O Flamengo é um animal diferente, ainda que similar em sua busca pelo jogo ofensivo. Interage em constância com Paquetá por dentro, na direita com Éverton Ribeiro puxando da beirada para o centro com dribles curtos sob forte marcação com auxílios constantes de Diego e Cuéllar no passe de retorno até atrair a marcação o suficiente para uma triangulação mais incisiva ou inversão buscando vitórias individuais do ponteiro ou infiltrador à esquerda. Gera jogo interior para buscar o fundo. E Rodinei consegue exercer sua função, mas nos metros finais, a desperdiça. 4 cruzamentos, 0 certos. E como o futebol pune, L. Moura para o outro lado não desperdiça. Se aproveita da fraqueza defensiva de Marlos para drible desconcertante, invade a área, tabela com Ramiro (falha de Renê em atrai-lo para o fundo, mas não o acompanha com a devida velocidade) e encontra Luan totalmente lúcido em seu posicionamento, aproveitando da marcação de Leo Duarte atraída por André. Chute de primeira, forte, indefensável no canto oposto de onde Diego Alves estava. GOL. Grêmio na frente.
O Flamengo sente o golpe e se torna vacilante. Passes equivocados, gestos a mais, pausa em demasia. Um pouco de tudo. Grêmio tenta explorar, tenta agredir mais, mas o placar permanece o mesmo. 14 à 7 em finalizações com vantagem para a equipe gremista, assim como em 9 de 16 desarmes ganhos enquanto Flamengo foi apenas 6 de 9 desarmes. 12 interceptações contra 4. Representam o volume de imposição física dos anfitriõesnesse 1° tempo de ótimas versões de Geromel, Luan e Cicero.
Agora só o controle da partida não era suficiente. Tinha que chutar, tinha ser agudo. E com essa mentalidade Flamengo entra em 2° tempo quase irretocável, principalmente após a entrada de Vitinho. Grêmio vem para a segunda etapa com estratégia mais cautelosa, buscando o jogo acelerado com Everton, e quase consegue boas oportunidades ao longo dos primeiros 5 minutos, com Flamengo ainda vacilante. Mas qualquer time que pregue uma marcação alta tão intensa sofrerá o preço. E vieram nas substituições de Everton e Léo Moura e no cansaço do tripé de meio-campo gremista. Renato Gaúcho em uma cartada final para alterar o panorama, tenta no pivô de Jael reter a bola e atenuar a pressão Rubro-negra. Em vão. No melhor desempenho de uma etapa da temporada, Diego, Paquetá e Éverton Ribeiro atuam em alta rotação, cadenciando, circulando e acelerando para envolver a defesa gremista. A entrada de Vitinho traz um jogador mais coletivo que Marlos, buscando a aproximação dos meias e a finalização como prioridade. Mesmo sem ritmo de jogo ideal, se mostrou muito lúcido nos minutos que esteve em campo.
17 chutes a gol, 4 no alvo, 4 para fora, 9 bloqueados, 4 escanteios. Nos anfitriões, todos os quesitos zerados. Massacre de imposição física e técnica. Iniciado em uma marcação mais firme, produzindo erros dos donos da casa. 9 de 14 desarmes sucedidos, 5 interceptações, 8 cortes. Para o time que tanto queria o controle, enfim encontrou a supremacia. No chute de Paquetá, no quase gol olímpico de Diego, assim como em sua cabeçada, as chances de empatar e até mesmo virar se reproduziram. Mas precisava ser na emoção máxima que uma partida de futebol pode entregar. Último minuto, garoto de 17, centroavante. “Muito novo para jogo de tal tamanho”, diriam. Mas naquele exato minuto, foi tão gigante quanto o tamanho do clube que defende. Em jogada que novamente nos pés de Diego Alves, passa por Cuéllar, Rodinei, Paquetá, Éverton Ribeiro, Renê, Éverton Ribeiro, e em linda jogada de um camisa 7 endiabrado, atrai toda a marcação para passe sutil e devastador para Renê que se projeta muito bem nas costas de Maicon e cruza pra trás, rasteiro, na medida para o garoto que foi mais soberano que qualquer naquela área: antecipa Kannemann e Geromel e finaliza rasteiro, ligeiro, para o fundo das redes. Euforia, camisa arrancada balançando sobre a cabeça, e enfim um jogo digno de futebol brasileiro em seus 90 minutos.
Imagem destacada nos posts e nas redes sociais: Gilvan de Souza / Flamengo
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