Diferentemente da história contada em “O Velho e o Zico”, minha relação com meu pai e com meu filho passa pouco pelo Flamengo. Não que não passe. Como amor mais constante na minha vida à exceção da família, o Flamengo está de alguma maneira presente em tudo que eu vivo. Meu filho literalmente não existiria sem ele; afinal, minha mulher me foi apresentada por uma amiga em comum que o Flamengo me deu, como tantas e tantos outros nesta vida. Meu pai, tricolor declarado, ajudou a me fazer Flamengo ao virar sócio do clube quando eu era criança, me levou aos primeiros jogos no Maracanã mesmo sem se interessar muito pela experiência, e consta, chorou de emoção com o título da Libertadores em 2019 porque sabia o que aquilo significava para mim.
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Mas fora isso, minha relação com meu pai e meu filho se constitui majoritariamente de outra maneira. Adoro dividir interesses com meu filho, apresentar o mundo a ele e ver o mundo pelos olhos dele. Mas tenho consciência que ele é outra pessoa. Uma pessoa que eu ajudei a fazer, mas que é seu próprio mundo. Esse mundo não tem muito interesse pelo Flamengo ou o futebol de maneira geral. Eu respeito, embora alerte: depois não me recrimine se no futuro você decidir gostar de futebol. por não ter obrigado você a desfrutar do Flamengo de Arrascaeta, Bruno Henrique e Gabigol. Sei do que falo; sem espelho em casa, em 92, jornalista que seria, eu já era um leitor voraz de jornais. Mas me interessava mais pelas agruras do governo Collor do que pelas páginas esportivas. Tanto que a memória que eu tenho do título brasileiro de 1992, dois dias depois do meu aniversário de 10 anos, é ver a foto de Junior erguendo o troféu na primeira página do “Jornal do Brasil”.
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Mas tergiverso. Talvez inspirado pela leitura do sempre genial Gustavo de Almeida, que escreve bem como o Flamengo como muito poucos. Desta vez, em “O Velho e o Zico”, ele resolveu escrever sobre sua vida e sua relação com seu pai. E claro, só poderia ser um livro sobre o Flamengo, e Zico. Minha experiência relatada nos parágrafos acima mostra que dividir o Flamengo com o paí é menos universal do que Gustavo acredita. Mas garanto que nem por isso me identifico e me emociono menos com cada linha da narrativa do também jornalista Gustavo com seu pai, José Joaquim de Almeida, com o fio condutor das tardes e noites no Maracanã ou ao lado do radinho de pilha para (vi)ver Zico e o Flamengo jogarem.
Para autor, diferença de “O Velho e o Zico” para a história de milhões de rubro-negros é ter sido escrito
O ápice da narrativa talvez seja quando os três, Gustavo, Joaquim e Zico se encontram frente à frente em um hotel de Vassouras. O menino Gustavo, tímido; o pai, se enxergando em Zico e fazendo questão de promover o encontro; e o Galinho, com a grandeza de sempre dentro e fora das quatro linhas, driblando a timidez de Gustavo como quem desmontava as defesas no Maracanã e construindo memórias indeléveis mais de quatro décadas depois.
“Embora o peso seja enorme, o livro é pequeno, de cerca de 70 páginas. Lê-se de uma vez só, a não ser por eventuais pausas para enxugar os olhos. Reproduzir muitos trechos seria privar o leitor da experiência que todo rubro-negro deve ter e que custa apenas 10 reais. Por enquanto, disponível apenas online, mas certamente merecia ser impresso e guardado na prateleira de qualquer boa biblioteca rubro-negra.
Entretanto, não posso deixar de citar o final da introdução, que explica a ideia do livro, executada por maestria por Gustavo em várias crônicas escritas ao longo do ano e reunidas em “O Velho e o Zico”, que deve e precisa ser lido por todos os rubro-negros. E, acredito, pode emocionar inclusive quem não gosta do Flamengo ou de futebol, mas um dia teve um pai ou um filho.
“O Zico acabou sendo a síntese de toda essa visão, de tudo o que se pode passar entre um pai e seus dois filhos. De tudo o que de melhor pode se passar. Sem o Zico e sem o Flamengo, o tempo – tal como a água nas pegadas da areia da praia – teria apagado muito os rastros de nossa relação, de nosso amor. Mas aqueles anos de Zico fizeram de tudo um monumento. Eu, meu pai e meu irmão de certa forma devemos ao Galinho a grande conexão que tivemos. E é esta importância que, garanto, se espalha por milhões de famílias rubro-negras. Este livro é apenas mais um. E a única diferença dele para milhões de outros é ter sido escrito.”
Como leitores, agradecemos esta única diferença. “O Velho e o Zico” está disponível para a venda na Amazon por R$ 10 avulsos ou como parte do Kindle Ulimited.