Quase todo ano, no dia 3 de março, eu posto algo sobre o tema – desde que existem as redes sociais. Nos anos terminados em 3, escrevo mais longamente. Os amigos que me acompanham há mais tempo já devem estar cansados de ler as mesmas coisas. Sim, as mesmas coisas sobre Zico.
Mas o que posso fazer, se é basicamente necessário celebrar Zico – e isso se torna a cada dia mais importante? Este ano Zico chega aos 70; o “Natal Flamengo” está ainda mais vibrante, pois se trata de uma idade simbólica. O que ainda restaria a dizer sobre Zico?
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Hoje, no entanto, viajei até o início da década de 60. Não sei se foi no ano em que eu nasci (68) ou antes ou depois, mas foi por ali. O radialista Celso Garcia, sabe-se lá por quê, foi assistir um jogo de futsal na quadra de um clube chamado River, em Piedade. Ali viu um menino “franzino” (a primeira vez que li a palavra “franzino”, aos seis anos, era sobre o Zico) jogando pelo Juventude, time lá do bairro, e resolveu que ele iria jogar no Flamengo.
Vejam como é tênue o chamado Horizonte dos Eventos, o Ponto de Não Retorno: o universo hoje seria completamente diferente se naquele dia em 1968 (ou 67) o Celso Garcia tivesse ido para casa descansar, ou ir jantar com amigos.
Quanta coisa simplesmente não teria acontecido.
Eu não teria saído do Maracanã certo dia, andando com meu pai, o estádio gigante diante do meu eu de sete anos, e ouvido ele falar “Esse menino Zico já fez 31 gols no campeonato, vai longe”.
Se Celso Garcia tivesse, quem sabe, pegado o ônibus errado e não tivesse visto Zico, meu pai não teria me levado até o Mara Palace Hotel, em Vassouras (na verdade, para ele era viagem de negócios, distribuição de filmes) e me feito passar vergonha aos nove anos – Zico, sorrindo, ainda muito magro, veio caminhando pelo gramado, rindo do menino que se escondia tímido. O carinho na cabeça que me fez falar para minha mãe, horrorizada, “nunca mais vou lavar o cabelo”.
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Bastava, quem sabe, um engarrafamento na 24 de maio, ou na Arquias Cordeiro, e Celso Garcia não teria visto Zico e aquele escanteio em 1978 não teria causado o maior abraço que eu e meu pai nos demos, quando Rondinelli subiu aos céus para começar um tempo de glória nas alturas.
Sim, quem sabe Zico teria ido fazer outra coisa da vida. O mundo seria outro. O meu mundo seria outro. Meu pai não teria me acordado, festejando, emocionado, o primeiro gol do Nunes contra o Liverpool – pois não haveria um Zico para fazer o lançamento. Tampouco teríamos vibrado na Libertadores, duas semanas antes, com dois golaços em Montevidéu.
Graças a Celso Garcia (que perdemos em 2008), pude ver o Flamengo campeão brasileiro em cima do Grêmio em 1982 e, no ano seguinte, festejar pela última vez um título brasileiro com meu pai – obviamente sem saber que seria a última vez.
Eu costumo dizer há anos que quando Zico foi embora para a Udinese em 1983, meu pai teria cantado em pensamento a marcha de Moraes Moreira (“E agora como é que eu fico/nas tardes de domingo/sem Zico no Maracanã”) e foi-se, exatamente num domingo de janeiro sem futebol mas repleto de lágrimas.
Mas sabemos que é licença poética. A partida dele teria acontecido mesmo se Celso Garcia tivesse resolvido ir jogar baralho com amigos. Mas nós não teríamos vivido os anos incríveis de 1975 a 1983, quando Zico se tornou meu terceiro ídolo que tive no Flamengo (Geraldo Assoviador e Doval vieram antes) e depois o Maior de Todos, claro.
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Há um ponto, um único ponto, em que Zico é maior que Pelé, e você que me lê já sabe: Pelé é incontestável como o maior de todos os craques, mas Zico é aquele que é mais adorado e pela maior quantidade de gente. Talvez apenas Diego Maradona para os argentinos possa se equiparar.
Pelé, infelizmente, sofre contestações sobre sua vida pública, a meu ver não merecidas pelo que representou para o país. Mas Zico é, ainda, o estereótipo do “suburbano gentil”, aquele carioca que sobe a escada da Penha e coloca, tal e qual na letra de Gente Humilde, “flores tristes e baldias” na varanda de casa.
Sua relação de amizade com o ídolo Roberto Dinamite é um exemplo de convivência e é algo que foi condenado ao passado – os dois se enfrentavam aos domingos, sem poupar esforços para vencer, mas nunca perderam a amabilidade, a capacidade de serem cordiais um com o outro. Não quero dar uma de Norbert Elias e enveredar pelo tema “Processo Civilizador”, mas é nítido que com Zico e Roberto jogando, nós estávamos numa etapa muito avançada desse processo.
“Ah, mas a Copa, o pênalti”. Eu poderia até falar que se Zico não batesse aquele pênalti, daria no mesmo – “ah ele não quis bater” (como não quiseram Careca e Sócrates). Mas é perda de tempo. Fico com as palavras de Fernando Calazans, há 20 anos: se Zico não ganhou a Copa, azar da Copa.
O que Zico fez pelo Flamengo, pela infância de milhões de pessoas, pela memória de tantos pais e mães que já se foram mas continuam vivendo dentro de nós. Isso vale mais do que todas as Copas do mundo.
Muito, muito obrigado, Zico! E obrigado, Celso Garcia, onde quer que você esteja!
Gustavo de Almeida é jornalista, assessor de imprensa, MBA em Marketing e roteirista do filme Intervenção (Netflix). Instagram: @gustavodealmeida68
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