O Flamengo perdeu nesta sexta-feira uma de suas mais ilustres torcedoras. A paixão pelo clube fez que Marilene Dabus ficasse conhecida como ‘moça do Flamengo’. A jornalista, que integrou a Frente Ampla pelo Flamengo e foi vice-presidente de Comunicações na gestão Marcio Braga, morreu hoje, aos 80 anos, vítima de um câncer.
Em novembro, Marilene, que hoje em dia dá nome à sala de imprensa na Gávea, concedeu uma longa entrevista à FlaTV contando passagens de sua história com o Flamengo. O MRN destaca aqui alguns trechos:
A moça do Flamengo
Um dia toca o telefone e era da Tupi, me convidando para responder sobre futebol no programa do Blota Júnior. E eu disse: sobre futebol não, mas sobre o Flamengo eu falo. Uma ousadia, porque não havia um livro sobre o Flamengo a não ser um do Mario Filho que é muito folclórico. E aí de cara eu já estourei, porque a torcida do Flamengo toda começou a ir pro auditório com bandeiras e gritaria, e ganhei tudo. Era toda terça-feira. E a mídia deu uma cobertura muito grande. Imagina, menina da Zona Sul, com o esporte bretão… Mulher não ia a futebol. Eu ligava pra algum lugar, a telefonista dizia assim: “a senhora não é aquela moça do Flamengo”? Passava na rua e a menininha dizia assim: “olha lá, a moça do Flamengo”. Eu passei a ser a moça do Flamengo.
Pioneirismo no jornalismo esportivo
E me liga Danuza [Leão] que era minha amiga, mulher do Samuel Wainer [dono do jornal “Última Hora”] e me diz “Samuel quer falar com você, pode?” Samuel me disse: “Vai cobrir o Flamengo”. Cobrir o Flamengo é o que todo jornalista quer. E eu já comecei cobrindo o Flamengo. E quando eu cheguei lá, surpresa total. Minissaia, salto alto, bonitinha. Os jogadores se entreolhando, os coleguinhas enraivecidos achando que eu ia tirar lugar deles e os diretores de olho grande. Só que eles não sabiam que eu era filha de pai rico e não precisava sentar em poltrona. Demorou muito, mas eu abri esse mercado.
Papel na escolha de Marcio Braga
Eu estava trabalhando no Jornal dos Sports, quando me telefona o João Carlos Magaldi [executivo da TV Globo], que o Walter Clark [diretor-geral da TV Globo] queria falar comigo. Aí eu fui lá na TV Globo, era uma reunião que estava o João Araújo [executivo da Som Livre e pai de Cazuza], Newton Rique [dono do Banco do Nordeste], Luiz Carlos Barreto [produtor de cinema], Carlos Eduardo Dolabella [ator]. Aí ele me disse, “Marilene, a gente quer entrar no Flamengo, não é só ajudar, efetivamente colocar alguém para ser presidente do Flamengo. Você pode entrar nessa com a gente?” Larguei o jornal e comecei a me dedicar a esse projeto. Eu disse: “Peraí, o Marcio eu falo com ele, é meu amigo de infância. A mamãe é amiga da mãe dele.” Aí peguei um carro, fui à cidade, fui ao cartório e ele disse; “Fazendo o que na cidade a essa hora, Marilene?” E aí eu disse: “Vim te convidar pra ser presidente do Flamengo”. Aí expliquei do grupo e tal. Ele foi e disse; “Não posso dar uma resposta agora, eu tô encantado, mas eu tô indo pra Brasília hoje, preciso falar coma Noelza [esposa dele à época], então você me dá um tempo até segunda-feira”. O Zózimo [Barroso do Amaral, colunista social], rubro-negro doente, todo dia me telefonava para saber notícias. Eu digo: “Zózimo, tem uma coisa que eu vou te contar, segredo absoluto. É off, off, off, off”. Eu digo: “O Marcio Braga deve ser o próximo presidente do Flamengo”. Abro o jornal no domingo, tem uma página desse tamanho com uma foto da Noelza sentada com um vestido, linda: “A futura primeira-dama do Flamengo”. O Zózimo disse; “Eu perco o amigo, mas não perco o furo, Marilene”. Aí houve uma confusão enorme porque o Walter Clark não sabia, as pessoas ficaram sabendo pelo jornal, quase que se desfez o negócio. Aí eu saí do Jornal dos Sports e fui pro Flamengo com o Marcio pra trabalhar na equipe do Marcio. Aí começa outra etapa da minha vida. Quando entrei no Flamengo com o Marcio, virei dona de casa, porque eu fazia tudo. Comprar roupa de cama pros jogadores, ver a geladeira se faltava comida, ensinar os porteiros como falava com o sócio.
Dormindo com a taça de campeão brasileiro de 1983
Nós fomos todos para o Hippopotamus [boate da época]. Todo mundo. E levamos a taça. E a taça ficou em cima de uma mesa, e todo mundo enchendo a cara e dançando. Quando eu estou indo embora, já 5 da manhã, torta, o maitre me chama e diz: “Dona Marilene, o que a gente faz com isso aqui?” Era a taça. Tinham esquecido a taça. Aí eu disse, me dá, bota no meu carro, que eu levo a taça. Quando eu acordo meio-dia, meia-dia e meio, tá uma loucura na Gávea; a taça foi roubada. Aí eu avisei: calma, a taça está comigo, tá aqui em casa. Nessa época, o Antonio Augusto [Dunshee de Abranches] era presidente, eu era vice de Comunicação. Às seis horas tem uma reunião com ele e eu levo a taça. Foi nesse dia que o Antonio Augusto, com toda a diretoria presente, comunicou que tinha vendido o ZIco. Até então ninguém sabia. Aí aquele silêncio, eu perguntei: E o que eu digo pra imprensa? Ele: “Você diz qualquer coisa”. No dia seguinte, quem foi o único diretor que foi à Gávea? Eu, Os outros sumiram. A torcida na minha janela, batendo, querendo bater em mim, gritando palavrão. Aí tive que sair com dois, três seguranças me escoltando no meu carro pra eu voltar pra casa.”
Batismo do Ninho do Urubu
O terreno foi comprado na gestão do [George] Helal. A gente não tinha dinheiro pra fazer nada lá. Um dia a gente foi lá para capinar. Aí quando eu fui escrever “os jogadores treinaram no Centro de Treinamento Presidente George Helal”, eu digo isso não tá bom. isso não é o Flamengo, a torcida do Flamengo não vai se identificar com isso. A gente tinha que ter um apelido mais engraçado, mais leve. Aí eu disse: “Ninho do Urubu”. Aí alguém disse: “Urubu não faz ninho”. Eu disse: “Mas lá vai fazer”. Aí começamos a usar Ninho do Urubu.
Sala de imprensa do Flamengo
É o máximo. Pra mim que sou rubro-negra, que fui impedida de entrar no clube para ver o clube, que batalhei, trabalhei tanto, muitos meses sem receber nada quando o Marcio estava naquela dificuldade. È um reconhecimento ao meu trabalho. Agora eu queria era no estádio, quando tivesse o estádio do Flamengo, botar a sala de imprensa no estádio do Flamengo, meu. Mas até lá eu já morri.
Como quer ser lembrada
A moça do Flamengo. Porque foi assim que eu fui chamada quando eu comecei a responder pelo Flamengo na televisão. De que outra forma eu poderia ser lembrada? Ou por tudo que eu fiz, ou pelo meu amor do Flamengo. Mas a moça do Flamengo acho que simplifica tudo isso. Porque me integra ao Flamengo. A moça do Flamengo. O Flamengo está dentro de mim.
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