Costuma ser um erro analisar um jogo, time ou jogador apenas por planilhas, mas é fato que os números nos revelam alguns padrões
Blog do Téo | Téo Benjamin – Twitter: @teofb
Costuma ser um erro analisar um jogo, time ou jogador apenas por planilhas, mas é fato que os números nos revelam alguns padrões. Por isso, chamei o @molambasso para analisá-los e ver o que podemos descobrir.
Vamos olhar para os números do New York City FC (NYCFC) treinado por Domenec em 2019 e traçar paralelos com o Flamengo de Jorge Jesus e, às vezes, com o Manchester City de Guardiola.
Assim, podemos começar a entender semelhanças e diferenças. Mas, antes de mais nada, é preciso esclarecer algumas coisas. Todo mundo precisa partir de bases comuns para entender onde vamos chegar.
Não deixe de ler: O Fla de Domènec – Parte 1: O tal jogo de posição
O primeiro ponto é: uma análise do NYCFC treinado por Domenec não é uma análise de de Domenec em si. O que queremos dizer? O contexto importa. Um time é a soma de muitos fatores. As ideias do treinador importam muito, mas as características do elenco e o tipo de futebol praticado no país também. No entanto, ninguém carrega seus números na maleta quando muda de time.
Além disso, é preciso entender COMO vamos usar os números. Afinal de contas, é muito fácil “torturar os números até que eles nos digam o que queremos”, mas não é esse o nosso objetivo aqui. Vamos estabelecer uma base muito clara. A MLS e o Brasileirão são muito diferentes, portanto vamos sempre avaliar o desempenho de cada time dentro do contexto do seu campeonato.
Para isso, vamos comparar as estatísticas (chutes, passes, dribles etc) de cada time com a média e com o G4 do respectivo campeonato.Há, porém, um outro detalhe importante. Vamos olhar para as estatísticas ofensivas sempre usando o parâmetro “por minuto de posse de bola” e as defensivas sempre “por minuto sem posse”. O Avaí, por exemplo, fez mais desarmes que o Flamengo no campeonato de 2019. Isso significa que o time se defende melhor ou mesmo que se defende de forma mais agressiva?
Não. Apenas significa que ele fica menos com a bola e, por isso, tem mais chances de tentar desarmar. Por outro lado, para cada minuto com bola, a Chapecoense finalizou mais que o Flamengo. A diferença é que o Fla tem muito mais a bola por jogo (média de 57% contra 45% de posse) e, por isso, finaliza mais no total.
Assim, a gente vê não só quem tem a bola, mas o que faz com ela.Com tudo isso em mente, vamos finalmente olhar os números do Instat com a ajuda luxuosa do @molambasso.
O primeiro ponto é justamente a posse. Os dois times ficaram entre os primeiros de suas ligas. O Flamengo teve 57% na média e o NYCFC ficou com 56%. Mais interessante que a simples posse total é entender a duração de cada posse. Afinal, um jogo picado em que a bola muda de dono a cada 5 segundos também acaba tendo uma posse equilibrada.
Veja também: Pressão, posse e intensidade: os treinos do Domènec na primeira semana de Flamengo
Tanto o NYCFC quando o Fla tendem a ter posses mais longas que o normal em suas ligas. Cada posse do NYCFC dura, em média, 27 segundos. Bem na média do G4 e 8% maior que a média da MLS. Pode parecer pouco, mas é uma diferença considerável.
O Flamengo tem média de 31 segundos por posse, 15% acima da média do Brasileirão! Se a gente olhar para o número de duelos ofensivos, ou seja, disputas quando o time tem a bola, o NYCFC fica 9% a baixo e o Fla 13% abaixo da média.
A cada minuto de posse, os dois times têm menos disputas que o normal, o que significa que manobram muito bem os seus adversários. Para os dois times, o número de passes por minuto com posse de bola é bem próximo da média de seus campeonatos. Não ficam trocando passes por trocar, mas conseguem fazer isso de maneira inteligente.
Assim, acham espaços e criam chances.
Aí entramos em um ponto crucial: a qualidade das chances criadas. Afinal, a posse é só uma ferramenta. O objetivo é o gol.
Os dois times criam bastante, mas o Fla é muito fora da curva. Além de ter mais posse que os demais, cria muito mais (e melhores) chances por tempo de posseImagine que a criação passa por um “funil”. O time tem a posse > invade a defesa do adversário > chuta > esse chute tem uma chance grande ou pequena de entrar > o gol é marcado ou não.
Podemos separar em quatro estágios entre “ter a bola” e “fazer gols”.
O Fla entra muito no último terço, mas chuta pouco. O time sempre procura a melhor jogada para finalizar. Não desperdiça com qualquer finalização. Por isso, tem uma qualidade maior nas chances criadas. Além de tudo, converte mais que o esperado pelos modelos estatísticos.
Com isso, o Flamengo marcou, em 2019, 72% mais gols por minuto de posse de bola que a média do Brasileirão. O NYCFC até foi bem, mas nada perto disso. Manter a voracidade desse ataque é um dos desafios de Domènec.
Aqui vale a pena trazer outro time para a análise. Os números do funil do Manchester City são absurdos. Além de ter incríveis 65% de posse de bola, o time consegue fazer 52% mais gols por minuto com bola do que a média da Premier League. É sobre ter a bola e saber usá-la.
Um exemplo interessante está nos contra-ataques. O Fla contra-ataca 18% menos que a média do Brasileirão e 14% menos que o G4, enquanto o ManCity contra-ataca 41% (eu não digitei errado) menos que a média da EPL e 34% menos que o G4. Porém, ambos são os mais eficientes em suas ligas. Cerca de 20% dos contra-ataques do Flamengo e 24% dos contra-ataques do ManCity terminam em finalização (a média do Brasileirão é de 15% e da EPL é de 14%).
Enquanto isso, o NYFC fica bem na média, tanto em quantidade quanto eficiência. Outro ponto curioso está nos impedimentos. A MLS e a Premier League têm muito mais impedimentos que o Brasileirão. Mesmo assim, o Flamengo fica impedido 36% a menos que a média e 41% menos que o G4. É um time que se posiciona bem demais e não desperdiça jogadas.
Menos cruzamentos são feitos na MLS do que no Brasileirão. Mesmo assim, o NYCFC cruza bem menos que a média. Enquanto isso, tanto Flamengo quanto ManCity cruzam bem mais que a média (ao contrário do que se diz normalmente). Esse dado corrobora uma fala recente de Domènec afirmando que teve que adaptar seu estilo de jogo por não contar com pontas no elenco do NYCFC. Sem pontas, sem cruzamentos. Adaptabilidade também está aí.
Veja também: De 1999 a 2019: a minha vida como torcedor e uma paixão chamada Flamengo
Tanto o Flamengo quanto o NYCFC recuperam mais a bola que a média e recuperam muito mais no campo do adversário. O Flamengo chega a recuperar 50% a mais que a média no campo do adversário, um número incrível. Ao mesmo tempo, o NYCFC perde mais a bola no próprio campo do que a média (que já é alta) do campeonato. Talvez seja um efeito de tentar sair jogando com jogadores pouco técnicos.
O Flamengo perde menos e o ManCity perde absurdamente menos que a média. De fato, os times da MLS perdem muito mais a bola no próprio campo. Com isso, poderíamos imaginar que é comum ver os times fazendo marcação-pressão e atrapalhando a saída de bola do adversário, mas não é o caso. O nível de marcação-pressão (o tal “pressing”) da MLS é baixíssimo. No Brasil é bem maior. Ainda assim, o Flamengo fica muito acima da média e o NYCFC também, mas fica abaixo do resto do G4.
Isso tudo tem a ver com a intensidade na marcação em geral. Se ambos os times entram em poucos duelos quando atacam, o oposto é verdade quando defendem. O Flamengo tem 15% e o NYCFC 24% mais duelos defensivos que a média. São dois times que mordem bastante!
Por outro lado, a eficiência da marcação-pressão do NYCFC é até maior que a do Fla.
Mesmo assim, a defesa foi o maior problema de Domènec em sua passagem pelos EUA. A MLS tem mais gols que o Brasileirão e a defesa do NYCFC não foi bem. Foram 44 gols sofridos em 35 jogos. Um abismo em relação aos 37 gols sofridos em 38 jogos pelo Fla no BR19.
Mas futebol é contexto. Domènec traz consigo suas ideias, mas não necessariamente seus números. O Flamengo tem uma defesa individualmente muito melhor e já é um time muito mais maduro.
Resta saber o que as estatísticas terão a nos dizer dessa vez.