O que é este Flamengo cada vez mais rico que busca atingir o patamar de títulos que a evolução financeira precisa proporcionar?
“O Flamengo mudou de patamar”. Quantas vezes essa frase foi dita nos últimos seis anos? No início da gestão Bandeira, em 2013, o clube começou uma caminhada que muita gente não acreditou na época e até hoje não entende (ou finge que não) como aconteceu. A frase “de onde vem o dinheiro?” é quase tão comum quanto a que abriu este texto. Porém, há nelas uma diferença de tempo que talvez seja necessário um buraco de minhoca pra explicar.
Clubes demoram a se impor, a mostrar sua força, o seu crescimento e ocupar espaço. O Flamengo sempre foi gigante, mas estava reduzido a clube-piada em 2013. Ninguém de renome queria jogar no Mais Querido. Apenas jogadores machucados, manipulados por empresários, favores ou sem-clube vinham. Algumas dessas contratações ainda eram vendidas como algo grande. Quem não lembra de Carlos Eduardo e Eduardo Silva, ambos chegando com pompa de Europa e muita expectativa, apenas para descobrirmos que não era nada disso? Mas era o que tinha para o momento.
Em 23 de julho de 2014, o Flamengo contratou Vanderlei Luxemburgo. Em 23 de julho de 2019, o Flamengo contratou o lateral-esquerdo titular da Seleção Brasileira campeã da Copa América e jogador com grande mercado na Europa, Filipe Luís. Cinco anos. Hoje, Luxa tenta salvar o Vasco do rebaixamento e fica em programas de televisão falando mal de Jorge Jesus. Já Filipe Luís, os feitos falam por ele.
Foram cinco anos sem títulos importantes e contratações que a cada seis meses mexiam forte com o mercado nacional. Começou com Ederson, que chegou com relativo cartaz, e Paolo Guerrero, em 2015. Atacante do então poderoso e milionário Corinthians, o peruano veio para o Flamengo para “receber em dia”. No final do ano, o Corinthians foi campeão brasileiro e o Fla…
Em 2016, o ano começou com Muricy como treinador, Ederson, Sheik, Guerrero, um então Willian Arão promissor e expectativa gerada pela reeleição e, também, pela chegada de Rodrigo Caetano para gerir o futebol. Carlos Eduardo já era passado e sua frase “daqui uns anos ninguém vai querer jogar no Flamengo” começava a perder crédito.
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O Flamengo já mudava de patamar. Eram os primeiros indícios, mas ainda provocados por uma euforia do que pelas grandes contratações mesmo. A torcida ainda esperava pelos nomes mágicos que viriam com o programa de Sócio-Torcedor e queriam ver na prática o que a austeridade traria como recompensa. Mas a grande contratação do ano foi a chegada de Diego. O meia veio como o principal nome do ano no futebol brasileiro. Em plena forma física, mudou a forma de jogar do time e o Mengão brigou até o final pelo título, que ficou com o Palmeiras. Um texto no placar do Maracanã falava do cheirinho que viria mais forte no ano seguinte. Isso marcou o clube como um símbolo incômodo e acabou se virando contra o próprio Flamengo.
Chegou 2017 e foi um ano repleto de nomes, porém, sem resultados. Everton Ribeiro, melhor jogador do Brasil por dois anos seguidos e regularmente convocado para a Seleção,chegou por seis milhões de euros, uma das maiores da história do clube até então. Pouco depois, Diego Alves, um dos principais goleiros surgidos em nosso futebol na última década. O Flamengo estava em outro patamar: agora, o clube adquiria jogadores que a turma só escalava no videogame. Craques que seriam titulares em qualquer time do país. Títulos? Não. Dois vices, na Copa do Brasil e na Sul-Americana, enquanto o Corinthians levantava o Brasileiro.
Mas o ano também revelou Vinícius Júnior, Lucas Paquetá e Felipe Vizeu, nomes que renderiam muita grana para os bolsos rubro-negros. Foi em 2017 que a frase “de onde vem o dinheiro?” mais apareceu. As pessoas não queriam saber da reestruturação realizada no clube.
Em 2018 a vontade de contratar foi menor. O Flamengo pisou no freio e sentiu o golpe no início do ano com tempo perdido no futebol. Carpegiani como técnico atrasou completamente o trabalho e o time não “bagunçou” o mercado. A venda de Vinicius Junior encheu o cofre, mas foi apenas em julho que o cheque saiu do telão de novo. Por 10 milhões de euros, Vitinho bateu o recorde de Everton Ribeiro e veio para realizar sem “sonho de moleque”. Outro patamar trocado. Como um Michael Phelps das finanças, o clube pulverizava seus próprios números e aumentava o sarrafo. O time, no entanto, não repetiu as glórias do nadador norte-americano e viu o Palmeiras ser campeão de novo.
Estamos em 2019. O Flamengo teria à sua disposição o melhor CT da América do Sul. De clube que treinava com ratos na Gávea para instalações de excelência. Depois de eleições acirradas, o novo presidente Rodolfo Landim deu a ordem: comprem. E Marcos Braz atendeu. Logo de cara chegou Rodrigo Caio, um reforço menos badalado, que custou cinco milhões de euros por 45% dos direitos. Hoje, com certeza, já valorizou. Mas a festa começou mesmo depois.
Gabigol foi anunciado por empréstimo. Um dia depois, De Arrascaeta também foi oficializado. O uruguaio veio por incríveis quinze milhões de euros! Disparada a maior contratação e mais um patamar. O Flamengo tirava craques dos seus rivais diretos, no caso, o Cruzeiro, e repetiu com Bruno Henrique, que saiu do Santos por 23 milhões de reais.
O óbvio título carioca veio, mas nenhum rubro-negro ficou satisfeito com isso. O clube precisa de mais. Qual patamar que podia mudar de novo? Para comandar o elenco, era preciso um nome que entendesse essa necessidade. Jorge Jesus veio e trouxe a atenção da Europa. Um técnico com mercado no Velho Continente, com ideias bem diferentes das aplicadas aqui, chegava para cuidar de um time que precisa vencer para justificar tanto investimento e matar a fome da torcida. E, com ele, mais quatro nomes vieram. Gerson e Pablo Mari, meia e zagueiro, chegaram praticamente juntos. A torcida ficou mais animada. Porém, foi com solução de um problema crônico que o jogo virou de vez.
Finalmente, após anos de lamentos e reclamações, o Flamengo anunciou dois laterais de primeiro time. Rafinha e Filipe Luís foram contratados. O Flamengo tem, agora, um time inteiro adquirido fora (considerando que Pablo será titular no lugar de Leo Duarte). Praticamente um Real Madrid brasileiro, se analisarmos apenas a gana por compras.
O novo patamar atingido. O Flamengo era o clube que fazia os craques. Sem ter como alimentar esses craques, os vendia para times brasileiros e europeus por qualquer migalha que ofereciam. Veio a reestruturação e as jovens promessas continuavam a ser produzidas, mas o clube não tinha como competir com os gigantes europeus. As vendas passaram a ser para fazer caixa. Hoje, craque, o Flamengo faz em casa, vende e com o dinheiro traz outro craque.
Não adianta espernear. O clube não tem como manter os jogadores, não consegue segurar um jovem que quer brilhar na Europa. Mas vende bem, podendo trazer para seu lugar alguém que queira enfrentar o desafio de ser campeão com o time mais rico do Brasil e com a maior torcida do Mundo. Sim, mais um patamar: de “finge que paga”, o Fla hoje paga quanto quer. Negocia, suga, aperta, acerta e paga. Mas paga todo mundo.
Falta um patamar. O das taças. Neste período, o Mengão viu Corinthians e Palmeiras vencerem o Brasil duas vezes cada um. Nenhum outro time chegou. Ninguém se organizou financeiramente também. O outrora rico Cruzeiro desabou. Os três cariocas tropeçam em suas próprias pernas e disputam anualmente o campeonato de quem não cai para a segunda divisão. O São Paulo parou no tempo, enquanto os dois do Sul vivem seu mundo particular e só querem saber de copas, o caminho mais fácil para outras copas e brigam entre si para ver quem tem mais…. copas.
O Flamengo precisa vencer. E já. Seis meses sem título para quem investiu tanto é como dois anos para quem não investe nada. Ainda restam duas competições em 2018. Dá para disputar – e ganhar – ambas. Mas precisa vencer uma. Esse é o patamar que falta. Um time campeão da Florida Cup precisa deixar seu nome cravado nas taças que realmente interessam. Aí, sim, terá mudado completamente de patamar e entrar em outro clube: o dos ricos campeões. Porque até agora, não foi mais do que aquele cara que conseguiu um ótimo emprego com um salário de sonho, mas todo ano passa férias na Disney e fica invejando quem curte as praias gregas, a costa italiana, Paris, Barcelona, Tóquio, Catar….