Vivemos numa cultura que, em vários níveis, glamouriza a dificuldade. É papo de valorizar história de superação ao invés de se perguntar por que aquelas pessoas estão precisando superar tanta coisa, é lance de “no pain no gain” como se fosse necessário sofrer pra algo ter valor, é discurso de que “mar calmo nunca fez bom marinheiro” como se a maior parte de nós não quisesse apenas evitar se afogar de bobeira por aí.
E grande parte disso vem do fato de que, em um mundo tão desigual e complicado, é muito mais lucrativo e vantajoso, pra muita gente, valorizar o sofrimento e a dificuldade do que investigar as razões que levam tanta gente a sofrer e encarar situações tão difíceis.
➕ Tite avalia sistema defensivo após Flamengo sofrer novo gol de bola aérea
Em suma: não existe nada de errado em ter, na sua vida, coisas fáceis. Relacionamentos que fluem de forma tranquila, situações que se resolvem sem grandes dramas, conquistas que chegam sem exigir um esforço sobre-humano. E claro, existe menos ainda de errado em esperar que o Flamengo, uma das equipes mais caras do continente, consiga vencer um jogo dentro de casa sem passar sufoco.
Mas ainda não foi dessa vez que isso aconteceu.
Ainda que tenha parecido que ia acontecer. Com um belo gol de Luiz Araújo, o Flamengo abriu o placar ainda no primeiro tempo, e apesar de ter dado aquela famosa rateada que nossa equipe parece produzir sempre que sai na frente do placar, voltou para a segunda etapa numa rotação bem mais alta e ampliou a vantagem com de la Cruz, após bela jogada de Pedro.
O jogo parecia dominado, a equipe rubro-negra exercia uma pressão intensa e a sensação era de que finalmente iríamos terminar uma partida nessas últimas semanas sem passar tanta raiva. Mas aí Tite, que deve ser dessas pessoas que acreditam que “é sofrendo que se aprende”, decidiu tirar Bruno Henrique e de la Cruz, visando poupar os atletas para o jogo de domingo. O que por si só não é uma ideia ruim, não fosse o fato dele ter colocado Gerson, visivelmente sem ritmo, e Victor Hugo, que não parecia nada confortável atuando pela ponta.
Com isso o Flamengo reduziu a pressão, perdeu a criatividade e passou a sofrer pressão de um São Paulo que já parecia morto em campo. O resultado? Um gol da equipe tricolor, em uma falha bisonha de marcação envolvendo Varela, Luiz Araújo e Fabrício Bruno, além de 15 minutos de tensão desnecessária na reta final da partida, pois o time paulista, mesmo praticamente empurrado pela própria sobrinha pra dentro de um banco, começou a acreditar que o empate era possível.
Mas ainda assim o Flamengo venceu. Os três pontos foram conquistados, a liderança temporária do Brasileirão é nossa e Tite conseguiu descansar atletas importantes – ainda que Cebolinha preocupe, após ser substituído ainda no primeiro tempo. Porém fica, mais uma vez, a sensação de que o Flamengo quis criar emoção onde não existia, quis sofrer quando não precisava, quis espremer no próprio olho os limões que a vida deu. Porque falar que “sofrido é mais gostoso”, com certeza é papo de maluco ou de coach. Afinal, nada seria melhor do que ver o Flamengo, com tranquilidade e segurança, vencendo todos os 38 jogos desse Campeonato Brasileiro por 4×0.
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