Como já bem explorado aqui no Mundo Rubro Negro, uma emenda ao estatuto do Flamengo, que foi apelidada de “anti-SAF”, foi recentemente protocolada no Conselho Deliberativo do Flamengo e acabou tendo bastante assinaturas (muito mais do que as 50 necessárias para apresentá-la) e muitos dos conselheiros que assinaram são pessoas de bastante destaque no clube.
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Não tenho o mesmo peso desses signatários, mas, com muito orgulho, meu nome está na primeira página. Fui o sexto a assiná-la. Aqui, neste artigo, vou explorar os motivos porque tenho certeza de que não é o momento para pensarmos em transformar o Flamengo em SAF.
➕ COLUNA DO JORGE FARAH: Estádio do Flamengo: possibilidades teóricas de financiamento
Já que falei da emenda é importante deixar claro que ela não impede o Flamengo de ser SAF, seja agora ou futuramente. Mas, obriga que uma medida que mudará o clube como conhecemos seja tomada por decisão da imensa maioria dos sócios e não por uma pequena parcela dos mais participativos e alinhados.
Sei que o tema está sendo bastante debatido e muito já foi explorado.
Aqui no MRN mesmo, há várias matérias e artigos sobre o tema. Houve debates na TV MRN. Eu mesmo já abordei parcialmente o tema aqui ao falar sobre financiamento do estádio. Mas, sempre há espaço para mais alguns pitacos.
Vejo que, se dentro do clube parece ser amplamente majoritária a rejeição ao modelo de tornar o FLAMENGO uma SAF, pelas redes sociais noto que ainda há uma boa quantidade de comentários favoráveis ou neutros, tais como:
“O Flamengo precisa da SAF para poder ter estádio sem se abrir mão da competitividade por vários anos.”
“O Flamengo já tem dono, que diferença faz se forem os riquinhos do Leblon ou um fundo árabe.”
“O problema do Flamengo é a politicagem. A SAF terminará com ela”, entre outros”.
Vamos, então, aos motivos porque, pelo menos neste momento, entendo que não há razão para o Flamengo se tornar uma SAF:
Por razões econômicas
Exatamente, sempre ele: o bolso! A principal razão é econômica. Hoje, perderemos dinheiro nos tornando uma SAF.
Valor de venda não maximizado
Começo pela questão temporal. Futuramente, o Flamengo, em razões do mercado, dos competidores ou por simples desejo da maioria dos associados, pode resolver se tornar uma SAF. Mas, tomar essa decisão hoje é como vender um ativo na baixa. É bom para quem compra e péssimo para quem vende.
Não cabe aqui entrar em aspectos técnicos ou explicativos sobre valuation (métodos de avaliação econômica de empresas).
Mas, podemos conceituar que o objetivo de avaliar uma empresa é o de apurar seu valor justo, que seria o “valor presente de todos os benefícios econômicos futuros esperados de caixa descontados por uma taxa que remunera o custo de oportunidade de investidores, em uma transação livre, onde as partes têm amplo conhecimento do negócio”, na definição de Alexandre Assaf Neto.
Em termos mais leigos, numa grande simplificação para fins didáticos, os métodos de avaliação de empresa analisam por meio de premissas, como a empresa se comportará no futuro, quanto ela irá de gerar de valor a cada ano e trazem esses valores para hoje dividindo o resultado de cada período por uma taxa de juros que reflete o que cada investidor teria se colocasse seu recurso em um título público federal, por ex.
Caso não tenha ficado claro, procurem-me no X (@JEFFarah) que posso fazer um vídeo sobre o tema em meu canal no youtube (@simplificafarah).
Para aqui, o que importa é que você, caro leitor, imagina que o Flamengo atingiu o ápice de suas receitas ou entende que podemos ainda crescer em nosso faturamento? E em relação ao mercado de futebol brasileiro, você concorda que ainda há muito a evoluir?
Se as respostas forem positivas, como imagino, significa que o Flamengo, sem necessidade de investidores, tem bastante espaço para maximizar o próprio resultado. Logo, se podemos ganhar sozinhos e usar os recursos para melhorar nosso desempenho esportivo, para que dividir?
Ou se vender mais adiante, considerando o crescimento que podemos ter, podemos fazer projeções ainda maiores, então para que vender na baixa, se podemos ganhar bem mais lá na frente?
Uma eventual venda do clube só teria sentido econômico agora se o comprador estiver ainda mais otimista do que nós mesmos com nosso potencial crescimento e o dinheiro que recebermos permita um incremento superior ao que receberíamos sozinhos descontando o que tivermos que pagar ao investidor. Situações bastante difíceis de se acreditar que se concretizariam.
Para simplificar ainda mais: o que seria melhor ter vendido o Flamengo há 10 anos ou vendê-lo hoje? Ok, nenhuma das duas, eu concordo! Mas, entre as duas opções, não há dúvida que as condições de venda hoje são bem melhores do que há uma década. E o que acha que ocorrerá daqui a 10 anos se continuarmos trabalhando com responsabilidade fiscal? Pois é, simples assim!
Distribuição dos Lucros
O Flamengo hoje é uma associação sem fins lucrativos. Já uma SAF é uma empresa com finalidade lucrativa. Isso não significa que um modelo irá gerar lucro e o outro não. A diferença reside no que se faz com o resultado positivo.
Atualmente, o Flamengo pode (e deve) utilizar o lucro nas suas próprias atividades. Todo o lucro deve ser reinvestido. Ao se tornar uma SAF, parte desse lucro obrigatoriamente será distribuído. Não importa que sejamos maioritários.
As leis protegem justamente os minoritários na distribuição dos resultados. Então, parte do que a operação do clube gerar como superávit irá para os investidores, entre eles o próprio clube (a parte que está fora da SAF, ou seja o que não é futebol). Dessa maneira, parte dos ganhos do clube será retirada do futebol, seja compartilhando com os novos sócios, seja indo para o clube associação.
Para que essa conta faça sentido, o Flamengo precisará aumentar seus lucros, o que pode significar ter que vender mais jogadores, aumentar preços, etc. Você quer isso, torcedor?
Redução de Benefícios Tributários
Como dito, o Flamengo hoje não possui fins lucrativos, o que nos fornece uma série de benefícios tributários. O modelo associativo permite ao clube ser isento/imune aos seguintes tributos: Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS). Além de ter alíquotas especiais no pagamento da contribuição para Programa para Integração Social (PIS = 1% da folha e não do faturamento) e no recolhimento patronal do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS = 4% sobre a folha).
Ao se transformar em SAF, não se terão mais esses benefícios. Contudo, para possibilitar a implementação desse modelo empresarial a lei que criou a SAF instituiu um regime de tributação específica do futebol (TEF), com simplificação e redução da carga tributária. Por meio desse regime especial, as SAF irão recolher conjuntamente IRPJ, CSLL, Contribuição ao PIS, Confins e Contribuição Previdenciária a alíquota de 5% da receita mensal (excetuando-se a da venda de atletas), nos primeiros cinco anos.
Nos anos seguintes, a alíquota cai para 4%, mas a cessão de direitos desportivos de atletas passa a fazer parte da base tributária. Ressalta-se que esse modelo foi vetado pelo ex-presidente Bolsonaro, mas, posteriormente, o veto foi derrubado pelo Congresso Nacional.
Porém, o projeto de Reforma Tributária instituída pela Emenda Constitucional 132/2023 deverá afetar as SAFs. A proposta atual (PLP 68/2024), ainda em tramitação, prevê manutenção do TEF porém com um aumento de alíquota para 8,5%. Além disso, todas as receitas passam a ser tributadas.
Por reduzir a democracia ainda mais
Embora, exista um discurso forte na linha de que o Flamengo pertence a nós sócios proprietários do clube, isso se trata apenas de narrativas, para usar um termo da moda. É uma falácia que querem impor no grito. A verdade é que uma SAF é uma empresa, claramente. Terá seus donos e saberemos quem controla e se não estivermos satisfeitos com isso, só nos restará o lamento. Não há nada que possa ser feito!
Porém, um clube associativo, e já escrevi algumas vezes sobre isso, se assemelha muito mais a um ente público do que a uma empresa. Não tem dono. Ninguém responde com o próprio patrimônio em caso de insolvência. Então, tal qual uma país pertence a seu povo, o Flamengo pertence à sua Nação. Se as coisas não tiverem ido bem, temos eleições que podem fazer o rumo mudar. Não foi o que ocorreu a partir da eleição de 2012?
Ao falar em eleições, temos a ideia embutida da velha politicagem, o que faz com que alguns queiram a SAF como uma maneira de se livrar desse problema. Mas, será que a solução é vender uma parcela do clube? Não, a solução está no fortalecimento de sistema de governança para reduzir os impactos do velho e bom toma lá, dá cá. Já escrevi sobre isso aqui mesmo nesse canal, como podem conferir no link.
Muitas vezes o povo não é escutado, seja por governantes ou gestores do clube. A solução também passa por regras de governança. No caso do Flamengo temos outro problema atualmente que é o fato de que apenas um grupo ínfimo pode eleger o mandatário. Isso é sem dúvida alguma uma distorção. Sonho com um presidente do Flamengo eleito por milhões de votos. Imaginem o capital político que teria.
No Flamengo hoje não temos, portanto, um sistema verdadeiramente democrático. Afinal, não existe democracia que restringe a participação política de seu povo. Essa necessidade é nítida até pela própria etimologia da palavra: DEMOS (povo) + KRATOS (poder).
A dúvida é se o Flamengo hoje é uma:
Aristocracia
Onde o poder é exercido por um grupo privilegiado, que muitas vezes detém os títulos de nobreza (ops! De sócios-proprietários) por aquisição, herança ou doação (por seus pais terem se tornado beneméritos) ou uma:
Plutocracia
Onde o poder seria exercido por uma elite, que mora no Leblon, pode frequentar o clube social e pode comprar seus títulos de sócio-proprietário.
A SAF, ao invés de ampliar a democracia, irá enterrá-la de uma vez. É o que queremos? A solução é de buscar mudanças estatutárias para que mais gente possa participar da política do clube, sem barreiras geográficas, porque somos extraterritoriais. E isso só é possível pelo exercício do voto de alguns e enorme pressão de quem ainda não tem esse direito para poder conquistá-lo. E somente o modelo associativo irá permitir que isso aconteça.
Por que não precisarmos vender parte do clube?
Por fim, a razão mais óbvia. Por que que vendemos algo? Ou quando não mais satisfaz nossas necessidades ou quando precisamos de recursos para alguma coisa. Em relação à primeira, nem é preciso comentar.
A questão é: precisamos da SAF para conseguir competir com nossos adversários? Não. As demais SAF ainda estão engatinhando. Há algumas crescendo. Há outras servindo de pontes para outros clubes do mesmo proprietário, o que faz com que jogadores sejam contratados por valores não compatíveis com o orçamento. Esses sinais são importantes, mas isso se resolve com regras de fair play financeiro.
O Flamengo pode crescer com as próprias pernas e vem mostrando isso. Pode ser que no futuro a situação mude, mas hoje o Flamengo tem muitas receitas a explorar sem necessidade de investidores para o clube. Podendo fazer parcerias e sociedades em unidades específicas de negócios.
E para o sonho de termos o estádio? Já abordei o tema no artigo sobre modelos de financiamento do estádio. Não precisamos de uma SAF. Precisamos sim de um projeto que, além do estádio em si, inclua todas as obras de infra-estrutura necessárias e os planos de mobilidade urbana e de obtenção do licenciamento necessários. Trata-se de algo que não é trivial. Pelo contrário, é bastante complexo.
Mas há muitos especialistas no mercado que podem ser contratados. Com bons projetos em mãos, podemos fazer cálculos e aí, sim, ter um planejamento de como financiar tudo isso. Quais direitos poderemos vender e se agregará valor ir em busca de sócios, mas para o estádio e não para todo nosso negócio.
Jorge E. F. Farah (JEFF) é sócio proprietário do Flamengo e administrador de empresas pós-graduado em finanças com experiência na gestão pública e privada. Acompanhe seu trabalho no YouTube e no Twitter.
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