Um verdadeiro “suco de Flamengo” tem sido experimentado pela comunidade futebolística nos últimos meses. Como rubro-negros, vivemos extremos a cada momento. Muitas vezes, não nos damos conta de que essa ciclotimia em vermelho e preto nos causa efeitos em loop. Vamos aos exemplos concretos:
Há um ano, o time de Renato Gaúcho goleava, passando por cima de todos os adversários. Não era o futebol vistoso de 2019, mas nos fazia encher de um otimismo arrebatador para acumular todos os canecos do ano.
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Sim, tínhamos mais desafios: um elenco menos qualificado, jogadores em estado físico irregular e desfalques por convocações de Seleções.
Mas, a cada tropeço, a narrativa em muitas nuances segue a mesma: é o técnico brasileiro que tem mentalidade derrotista, é o fantasma de JJ, é a geração 85 que precisa reciclar, é a diretoria que planejou errado, é a dúvida de quem dirige o time no ano que vem…
Então, caras-pálidas, vamos ao choque de realidade: esses raciocínios sofismáticos, ebulidos pelas redes sociais que verdadeiramente contaminam o mundo real, apenas facilitam a vida dos nossos detratores, seja dentro de campo seja fora dele.
Tudo isso especialmente por uma razão: o nosso elenco, com os líderes do passado recente e do presente, e da maneira pela qual é configurado extracampo, padece de uma instabilidade psicológica crônica. Ao mesmo tempo em que assume ser o time que assombra o continente quando joga vistosamente, passa também a ser o time assombrado pelos fantasmas do passado quando desafina. Entre Vélez e Ceará, nosso treineiro foi de bestial a besta…
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Qual é o outro lado disso?
Talvez por militar nas causas flamengas no exterior desde 2008, passando por três países, diferentes fusos horários, por ver as duas finais recentes de Libertadores nas duas perspectivas (sim, pé-frio: no Consulado FlaBruxelas que fundei em 2019 e em Montevidéu, dois anos depois), costumo ver os fatos e acontecimentos sobre o Flamengo com o maior pragmatismo possível, procurando ponderar as questões que nos separam entre o céu e o inferno.
E o que esse pragmatismo poderia nos trazer hoje?
Assim como derrotas não podem ser superdimensionadas, as vitórias também precisam seguir o mesmo padrão. Isso significa que não necessariamente devemos almejar todos os títulos. Nossa condição superlativa de “Maior do Mundo”, do “único Manto Sagrado”, e outras alcunhas muitas vezes nos serviram de chacota. Hoje estamos por cima da carne seca, com olhos incrédulos dos rivais perante a sustentabilidade financeira não-mercenária que galgará nossa condição de protagonista no fut-brasilis por anos e anos.
Mas, porém, contudo e todavia: ganhar e perder faz parte do jogo, e o futebol, mesmo com VAR, muitas vezes premia o franco-atirador ou aquele que menos se planejou, invertendo a lógica. Nossas conquistas anteriores a 2019 confirmam essa tese. O Brasileirão de 2022 nos ascendeu a aspirante ao título depois de uma campanha desastrosa na era Paulo Sousa. Dorival nos elevou a pontuação, a classificação e a moral, além de nos ter brindado com as iminentes finais de Copas.
E agora, Flamengo?
O pragmatismo rubro-negro deve nos afastar das dialéticas sobre as decisões extracampo e nos fazer focar nas decisões dentro de campo. Goleamos o Vélez na Argentina, mas precisamos respeitar a Libertadores e a prioridade que atribuímos a ela, especialmente depois da fatídica final no Uruguai.
A Copa do Brasil precisa ser priorizada, especialmente porque as finais terão lugar alguns dias antes da decisão em Guayaquil, e não podemos deixar escapar este título – também pelos efeitos psicológicos que já descrevemos mais acima.
Mas e o Brasileiro? A Liga é o que sedimenta a preponderância nacional, mas o pragmatismo rubro-negro de 2022 tem de nos permitir a ideia de abrirmos mão dela para os quatro jogos mais importantes do ano que ainda estão à nossa frente. Teremos lesões, desfalques e convocações. Se não precisássemos de um ajuste de rota, necessário pela má campanha inicial na Série A, quiçá teríamos mais chances de disputar a Tríplice Coroa (a verdadeira!).
Creio que devemos deixar para a Copa do Mundo para sofismar “o que era para ter sido” – com duas faixas de campeão penduradas em 45 milhões de rubro-negros.
Paulo Caruso de Lima é jornalista, trabalhou no Diário LANCE! e é funcionário da ONU em Bruxelas. Reside desde 2008 fora do Brasil e é militante das causa flamengas no exterior. Fundou o Consulado FlaBruxelas em 2019.
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