Saudações flamengas a todos,
Logo após trilar o apito final de Paraná 0-4 Flamengo, surgiu no meu WhatsApp a esperada pergunta: “e aí Melo, qual havia sido a última vez que o Flamengo havia feito quatro de diferença fora de casa em Brasileiros”? Resolvi fazer uma pesquisa mais abrangente, procurando todos os jogos em que o rubro-negro logrou tal feito. E confesso que me surpreendi com o resultado.
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Assim, apresento nas próximas linhas a relação de TODAS as goleadas do Flamengo, jogando fora de casa, nas edições do Campeonato Brasileiro “strictu sensu”, ou seja, desde 1971.
* * *
FLUMINENSE/BA 0-6 FLAMENGO
Estádio Joia da Princesa, Feira de Santana-BA
26 de outubro de 1977
Flamengo e Fluminense-RJ vão disputando ponto a ponto a liderança do Grupo E da Primeira Fase do Brasileiro. Dividem a ponta com 7 pontos em 3 jogos (um sistema de pontuação diferente atribui 3 pontos para as vitórias por dois ou mais gols de diferença, mantendo-se os usuais dois pontos para as vitórias simples). O Flamengo, que vem de duas vitórias convincentes e um truncado 0-0 com o Bahia na Fonte Nova, agora vai a Feira de Santana enfrentar o Fluminense local. Um jogo marcado por muita polêmica nos bastidores.
A confusão se inicia quando o Supervisor do Flamengo desaprova as condições do Estádio Joia da Princesa, o que faz com que o clube interceda junto à CBD para a realização de uma vistoria no campo. A Confederação atende ao pleito do rubro-negro e desaconselha a realização da partida, apontando problemas na iluminação, no tamanho das balizas e na falta de isolamento adequado dos torcedores. No entanto, a Federação Baiana se recusa a reparar o estádio, alegando que a CBD já o havia liberado em inspeção anterior. O Flamengo não se mostra disposto a entrar em campo, sugerindo que o jogo seja transferido para a Fonte Nova. A polêmica irrita dirigentes, cronistas e torcedores locais, e a expectativa é de um “clima de guerra”. A Federação Baiana defende que, caso se recuse a entrar em campo, o Flamengo perca os pontos do jogo.
Mas a partida transcorre em clima surpreendentemente tranquilo. Uma solução é costurada pelo Presidente do Flamengo, alguns reparos paliativos são realizados e o rubro-negro entra normalmente em campo. Com Cláudio Adão barrado, o time abre o placar aos 7 minutos, através de Tita. Depois recua e chega a sofrer alguma pressão do time da casa. Mas, na segunda etapa, o “Touro do Sertão” cansa e se coloca à mercê do talentoso ataque do Flamengo que maca cinco vezes (Zico 2, Osni e Toninho 2), construindo o elástico 6-0 que o mantém na liderança do grupo.
MOTO CLUB 1-5 FLAMENGO
Estádio João Castelo, São Luís-MA
09 de fevereiro de 1983
Baltazar recebe na entrada da área e toca na saída do goleiro, que ainda consegue fazer a defesa. Na sobra a bola vai a Zico, mas antes de completar para o gol vazio o Galinho leva um “chega pra lá” do esbaforido centroavante, que acaba por mandar para as redes. É o quinto e último da goleada. E o estopim para uma crise no vestiário.
Antes da partida, o Flamengo faz campanha insossa. Está invicto e divide a liderança do Grupo A da Primeira Fase com o Santos (a quem já derrotou por 2-0, no Maracanã). No entanto, alguns resultados magros acendem a luz amarela na Gávea. O time vem de um empate suado em Manaus contra o modesto Rio Negro, e de um apertado 3-2 sobre o Paysandu em Belém, vitória conquistada graças a um gol de Baltazar em posição duvidosa. Antes disso, havia protagonizado um vexame, ao empatar, em pleno Maracanã, com o desconhecido Moto Club-MA, justamente seu próximo adversário.
O vestiário rubro-negro anda tenso, ainda em reflexo da má temporada anterior e das crises daí decorrentes. Mas o empate contra os maranhenses deixa os jogadores mordidos, ainda mais diante das manifestações dos locais, que se consideram em condições de derrotar o Bicampeão Brasileiro. Concentrado, aplicado taticamente e jogando em velocidade, o Flamengo enfim desenvolve um futebol compatível com o nível da equipe e chega com facilidade aos 5-1 (Baltazar 2, Adílio 2 e Lico). Mas aí acontece a explosão de Zico, o melhor em campo mas, curiosamente, sem ter marcado nenhum tento.
“Quando tá 0-0, que o jogo tá duro, vem todo mundo jogar a bola no Zico, né? Pro Zico resolver, né? Agora, quando tá uma baba como hoje, é todo mundo querendo driblar três, quatro, fazer gol de placa. O outro quase me jogou no chão pra me tomar a bola! Quero ver na Libertadores como vai ser. Se vão atrás de mim de novo”. Enfurecido, Zico brada seu inconformismo com a atitude “pouco coletiva” da equipe. A crise ainda dura alguns dias, mas, como usual no Flamengo, rapidamente se dissipa e cede lugar a outros assuntos. Mas a tensão latente no vestiário ainda durará algum tempo.
GOIÁS 0-4 FLAMENGO
Serra Dourada, Goiânia-GO
02 de novembro de 1986
É falta na entrada da área. Na lateral do campo, o ponta Marquinho já se posiciona para entrar em campo. Sócrates, sabendo que irá sair, toma a bola nas mãos e pede a Bebeto: “Deixa eu bater essa, vai ser meu último chute no jogo”. Frisson no estádio.
O Flamengo vive um momento turbulento. Fora de campo, sofre com os desdobramentos do escândalo das papeletas amarelas e com recente entrevista de seu médico, atribuindo o excesso de lesões do elenco a métodos “obsoletos” de preparação física, o que gera péssima repercussão interna. Dentro dos gramados, o time não vence há três partidas (entre elas, o vexame de Caruaru, derrota para o Central local por 2-1) e Lazaroni já começa a enfrentar vozes que defendem sua saída. Pressionado, o treinador antecipa o retorno de Sócrates, que ainda se recupera de uma cirurgia de hérnia de disco, alega sentir dores nas costas e apresenta dois quilos acima do peso. “Estou louco pra voltar”, diz o Doutor.
A volta de Sócrates, o intervalo de uma semana para treinar e a fragilidade do adversário (que vive séria crise) são elementos que o Flamengo aproveita. Em um Serra Dourada lotado com 50 mil pagantes, o rubro-negro se transforma com a presença do experiente craque. Sócrates desfila sua classe em campo, com requintados passes de primeira, deslocamentos inteligentes e perfeito entendimento com o outrora criticado Bebeto, que sobe assustadoramente de produção. É de Sócrates o brilhante passe que deixa o atacante Kita na cara do gol, para abrir o marcador. Logo depois, o baianinho cruza na cabeça do centroavante barbudo, 2-0. Na segunda etapa, o Flamengo roda e gasta a bola, para deleite de um público encantado com um futebol ainda não apresentado pelo rubro-negro em toda a temporada. O ponto alto se dá quando ocorre uma falta na entrada da área. “Deixa eu bater”. E Sócrates coloca “com a mão” a bola nas redes goianas, saindo de campo ovacionado. Ainda há tempo para Kita aproveitar um contragolpe e cravar seu terceiro gol, o quarto da goleada.
No fim, um aliviado Lazaroni suspira. Seu emprego é salvo justamente por Sócrates, por quem o treinador jamais morreu de amores. “Dificilmente se encaixará em uma realidade competitiva”. A exibição de Goiânia mostra que o craque sempre se enquadra em qualquer equipe. E faz a diferença.
GUARANI 1-5 FLAMENGO
Brinco de Ouro, Campinas-SP
23 de outubro de 1988
O Guarani é uma das sensações do campeonato. Invicto em casa (venceu as quatro partidas jogadas em Campinas), lidera o Grupo B da Primeira Fase ao lado do Vasco. Possui uma equipe veloz e qualificada, comandada por Neto, Boiadeiro e João Paulo. A crônica confere aos bugrinos o amplo favoritismo diante do errático Flamengo, que faz campanha medíocre na competição. O principal trunfo do rubro-negro é a estreia oficial de Telê Santana. Indagado sobre sua expectativa para o jogo, e lembrado de todo o contexto que cerca a partida, Telê dispara: “Exijo a vitória. O Flamengo tem a obrigação de derrotar qualquer adversário”.
A simples presença de Telê, treinador tarimbado e querido por vários jogadores do elenco, já desanuvia um ambiente que andava carregado desde a controversa passagem de Candinho pelo clube. A reação já havia se feito presente na ótima exibição contra o Santos (1-0, no Maracanã), ainda sob o comando do interino João Carlos. Agora, é a vez de Telê começar a mostrar sua cara de fato.
O início do jogo parece confirmar o favoritismo do Guarani. Neto abre o placar, cobrando pênalti, e logo depois acerta a trave de Zé Carlos. Mas o Flamengo se acalma, coloca a bola no chão e equilibra o jogo. Chega ao empate ainda no primeiro tempo com Sérgio Araújo, num lance confuso. Na segunda etapa, Zico, de cabeça, assinala a virada. O Flamengo, então, passa a exercer forte bloqueio no meio e a contragolpear em massa. Assim nasce o terceiro gol, por meio de Alcindo, e o quarto, quando Zico cobra falta na área e, após duas tentativas, Aldair mergulha pro gol. Nos minutos finais, Zinho consolida o placar, aproveitando um erro na saída de bola do adversário.
Do banco de reservas, Telê mal contém o sorriso. O que não o impede de esbravejar e cobrar mais empenho dos jogadores até o apito final. É um Flamengo renovado que surge.
* * *
E assim, com esses quatro jogos (agora cinco), termina a relação.
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Encerro o texto de hoje com breves palavras acerca do episódio envolvendo o goleiro Diego Alves, iniciado sábado passado e ainda hoje, quatro dias depois, tendo desdobramentos repercutidos.
Alves certamente errou. A comissão técnica, talvez. Mas, no fundo, trata-se de um corriqueiro caso de jogador que externa de forma inadequada sua insatisfação com a reserva. Algo que sempre houve, sempre há e sempre haverá em um ambiente de um clube de futebol profissional. Situação usualmente corriqueira e resolvida rapidamente por Diretorias experimentadas. No entanto, o Flamengo sangra o incidente por quatro, cinco dias, permitindo-se especulações, suposições, julgamentos públicos, horas e horas de exploração nas mesas redondas da vida. Isso em semana de jogo decisivo.
A Diretoria pode não ter dado causa ao problema. Mas, certamente, ajudou a transformá-lo em algo de dimensões muito maiores do que deveria.
Que São Judas Tadeu nos proteja da fúria punitiva da bola.
Adriano Melo escreve seus Alfarrábios todas as quartas-feiras aqui no MRN e também no Buteco do Flamengo. Siga-o no Twitter: @Adrianomelo72
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