Tivesse Charles Dickens nascido em Belford Roxo em 1982 e não em Landport em 1812, talvez ele fosse terminar a noite de ontem escrevendo que foi sim o melhor, mas foi também o pior dos jogos.
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Foi o jogo da sabedoria, mas foi o jogo da expulsão no primeiro tempo por uma bicuda na cabeça do adversário. Foi o jogo da fé, mas foi também o jogo do desespero. Foi o jogo da classificação, mas foi também o jogo quase sem nenhum chute nosso no gol. A primavera da esperança, mas salpicada de terror. Temos agora a final diante de nós, mas quando Yuri Alberto saiu de cara pro Rossi naquele lance do segundo tempo, a sensação era de que não haveria mais nada.
➕ Flamengo venceu 7 de 10 mata-matas contra Corinthians na história
Porque a história que os números contam não é bonita. Um Flamengo que passou mais de 70 minutos em inferioridade numérica por conta de uma expulsão infantil de Bruno Henrique, que praticamente não criou chances de durante gol durante a partida e que sofreu muito mais do que faria sentido diante da disparidade técnica de ambas as equipes.
Mas futebol, e aí está o mais bonito e o mais irritante nesse esporte, vai muito além dos números. Ou, se você quiser ser cínico, ele leva em consideração apenas e tão somente um número: o placar final. Onde estava o 0x0 que garantiu o rubro-negro na sua 10° final de Copa do Brasil.
Sim, como de praxe o Flamengo fez a sua parte para que o jogo fosse muito mais complicado do que o necessário. O cartão vermelho para Bruno Henrique após uma bisonha solada na testa de Matheuzinho mudou o panorama de um jogo que, naquele momento, parecia relativamente sob controle, e colocou o Corinthians numa posição absolutamente dominante na partida.
E aí brilhou primeiro a estrela de Filipe Luis, que possuído pelo espírito do ainda vivo Simeone, não fez a mudança que todos esperavam ou queriam, mas sim a que o time precisava. A saída de Gabigol, com um Arrascaeta avançado e jogando praticamente de costas, deixou sim o Flamengo quase sem ataque, mas garantiu que o Corinthians não conseguisse transformar a vantagem numérica em chances de gol.
Depois foi a vez de todos os jogadores que correram em dobro pra que essa ideia desse certo. Gérson, cada vez mais chamando a responsabilidade e carrega o time nos ombros quando precisa. Pulgar, retornando a intensidade defensiva que o fez cair nas graças da torcida. Wesley, que dentro das suas óbvias limitações se mostrou um desafogo pelo lado direito.
E claro, Rossi. Que não apenas fez sua parte quando exigido, como exibiu novamente um talento quase supernatural para retardar a partida, rolar no chão sem grandes motivos ou andar até Higienópolis pra tomar distância antes de bater o tiro de meta em Itaquera.
➕ JOÃO LUIS JR: Voltamos a sonhar mas o despertador da marcação horrível tocou
O resultado final foi uma classificação heróica, sofrida, mas que poderia ter sido um pouco menos heróica e sofrida se tivéssemos perdido menos chances no Rio e ninguém tivesse chutado a cabeça de ninguém em São Paulo.
Mas agora é a hora da final. A primeira de Filipe Luis como treinador, uma oportunidade improvável pra um clube que se esforçou tanto pra jogar oportunidades fora, complicar situações fáceis e espremer nos próprios olhos os limões que a vida deu.
Que, mais do que saber sofrer, nas duas próximas partidas a gente possa fazer algo que é bem mais da nossa natureza, bem mais do espírito flamengo, e que esse ano ainda não tivemos chance de colocar em prática, que é saber comemorar. Qualidade pra isso nos temos, é inegável que essa torcida merece, a questão é se finalmente esse Flamengo de 2024 vai conseguir não se sabotar.
João Luis Jr. é jornalista, flamenguista desde criança e já viu desde Walter Minhoca e Anderson Pico até Adriano Imperador e Arrascaeta, com todas as alegrias e traumas correspondentes. Siga João Luis Jr no Medium.
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