Foi muito mais complicado do que precisava ser. Com um gol aos seis minutos do primeiro tempo e enfrentando um adversário que, tal qual uma equipe inscrita no torneio Rio-São Paulo de Judô Infantil, parecia ter cruzado a Via Dutra apenas para bater em coleguinhas, o que se desenhava era um vitória possivelmente fácil, que permitisse ao torcedor do Flamengo uma noite relativamente tranquila, e um caminho mais ou menos sem percalços até a nossa quarta taça da Copa do Brasil.
Mas é claro que o Flamengo não poderia permitir uma coisa dessas. Seja pelas lesões de Vidal e Thiago Maia, que começaram a desconfigurar o time, seja pela pubalgia de Arrascaeta, seja pelo fato de que o principal atacante do time de maior receita do Brasil comeu um negócio que fez meio mal e precisou sair pra usar o banheiro num dos jogos mais importantes da temporada, o Flamengo conseguiu transformar um recuo que no primeiro tempo já parecia excessivo num verdadeiro ritual pagão de invocação do gol sofrido e assim, lá pelos últimos dez minutos do segundo tempo, cavar o tento do empate corinthiano.
O que se viu depois disso foram níveis de confusão mais altos do que uma pessoa bêbada tentando explicar a trama do filme “Inception” usando apenas mímica; situações de terror mais graves do que dois homens te perseguindo numa moto porém um deles é o Freddy Krueger e o outro usa apenas frases do programa do Rodrigo Faro (“cavaalo”); momentos de preocupação mais intensos do que você receber ao mesmo tempo três mensagens dizendo “precisamos conversar”, uma da sua namorada, outra do seu médico, a terceira do RH da sua empresa.
Porque fomos para os pênaltis e ali o Flamengo, mais uma vez, decidiu testar não apenas nossa paixão como nosso otimismo, nossa fé e a qualidade do fabricante do nosso marcapasso. Primeiro com Felipe Luís perdendo o primeiro pênalti e deixando o rubro-negro em desvantagem. Depois com Léo Pereira na listagem inicial de cobradores, uma decisão que, meses atrás, garantiria não apenas demissão como internação do treinador. E por fim com Rodinei, sim, ele, Rodinei, cobrando o pênalti decisivo da final de um torneio nacional.
E Rodinei converteu, claro. Rodinei, o lateral em quem a gente nunca confiou de verdade, o jogador que nunca havia realmente se firmado pelo Flamengo até a chegada de Dorival Junior, o atleta que, numa passagem de sete anos pela Gávea, tinha tido como maior contribuição para um título rubro-negro ser expulso contra o Flamengo quando atuava pelo Internacional em 2021. Sim, ele mesmo, esse Rodinei.
O mesmo Rodinei que, com frieza e tranquilidade de craque, deslocou Cássio para confirmar a última cobrança, garantir o título da Copa do Brasil e entrar para a história rubro-negra ao lado de tantos outros heróis improváveis, desde Fernando na Copa do Brasil de 1990 até Obina na de 2006, passando por todos os Márcios Araújos e Rodrigos Mendes que já decidiram títulos para a nação de vermelho e preto.
Porque poucas coisas são mais Flamengo do que isso. Do que a sedução do improvável, do que a paixão pelo sofrimento desnecessário, do que o ímpeto de garantir que na mesma partida em que fez gol o melhor atacante do Brasil, que provavelmente disputará a Copa do Mundo, o nome que vá ser lembrado seja o do lateral meio doidinho que, nessa mesma temporada, contra esse mesmo adversário, já entregou a partida fazendo gol contra.
Mas hoje não tem crítica, hoje não existe reclamação, hoje não há espaço pra racionalidade ou lógica. Hoje temos apenas um Flamengo mais uma vez campeão, com uma geração destinada a fazer história e um Rodinei, imenso, que com seu pé direito ajudou a escrever mais um capítulo. E claro, o sonho de que, no próximo dia 29, seja com um herói provável como Pedro ou improvável como Rodinei, a nação rubro-negra possa estar aqui comemorando outro título, dessa vez continental.
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