Assim como tudo é tudo e nada é nada, existem derrotas e derrotas. Perder faz parte do jogo, é sempre duro de aceitar, mas quando se luta até o fim, não há desonra nisso. Tinha escrito sobre esse sentimento na coluna do sábado passado. Agora, perder como perdemos para a Ponte Preta na última segunda-feira, para isso não há desculpa moralmente aceitável.
Sim, todos sabemos que a equipe estava desfalcada dos selecionáveis gringos, mas a passividade com que os atletas que carregavam nosso emblema no peito enfrentaram a frágil equipe de Campinas é digna de reunião geral no departamento de futebol para discutir que merda é essa que está acontecendo. Ou melhor, deixando de acontecer.
Já vi tiozão em churrascaria depois de uma feijoada ter mais ânimo para encarar uma pelada que nossos atletas de alto nível muitíssimo bem pagos demonstraram para a prática do futebol profissional na partida em questão.
“Ah, mas tinha a ressaca da perda do título”. Quem pode ter ressaca somos nós torcedores. Jogador profissional pode perder até o Mundial num dia que tem que estar pronto para treinar e ganhar na semana seguinte. Simples assim.
“Tadinhos, Pedro, eles são humanos, tem coração”. Corações muito bem remunerados e que deveriam estar acostumados a isso. Aliás, andam perdendo tanto ultimamente que se me dissessem “poxa, jogaram mal porque semana passada ganharam um título importante” eu até entenderia, seria uma novidade para esse grupo. Mas depois de perder mais uma, deveriam era estar correndo dez vezes mais que o habitual para compensar outra decepção.
Eu já disse sei lá quantas vezes o quanto admiro e respeito o trabalho feito pelo presidente Eduardo Bandeira de Melo e sua equipe. Ficará para a história rubro-negra seu brilhante esforço para administrar o maior clube do Brasil como o maior clube do Brasil deve ser administrado.
Hoje o Flamengo tem responsabilidade e transparência financeira, contas equilibradas, dívida diminuindo e calculada, instalações de alto nível como jamais havíamos tido e que estão sendo melhoradas mais ainda, um elenco que conta com jogadores renomados e cobiçados por grandes clubes do mundo todo que recebem polpudos salários em dia, viramos alvo para craques que querem retornar ao país, vendemos jogadores da base por vultuosas quantias.
Uma vez esse panorama assimilado e tendo-se em conta a grandeza natural do Flamengo, parece que é algo trivial. Mas não podemos perder de vista o caos com que antigas administrações conduziam o clube até outro dia. Bradavam um discurso barcelonesco de “somos maiores que o mundo” e nos administravam como se fossemos o Goytacaz.
No entanto, nada disso serve de desculpa para a falta de resultado em campo.
Refuto totalmente o discurso político de “DNA perdedor”. Isso, com todo respeito, é jogar para a galera. Mas há inquestionavelmente por parte da atual diretoria uma dificuldade em acertar o dia-a-dia do futebol. Mesmo as boas intenções sendo evidentes e a organização pairando, há uma falta de pulsação que vem lá de cima e ressoa em campo, resultando nessa constante alternância entre “esforço bem remunerado” da final da Copa do Brasil e simples modorrência como a da última partida pelo Brasileirão.
No Flamengo hoje falta paixão.
Já tentaram jogar a culpa disso na torcida. A “elite nutella” das arquibancadas. Eu acho uma calhordice.
O que falta é um acerto químico entre competência administrativa e sangue correndo nas veias. Um sem o outro não serve para nada.
Deus me livre de voltar a ter o Flamengo caótico e amador de alguns anos atrás!
Hoje, mesmo com as seguidas decepções, sabemos que entraremos em todas as competições com chance real de brigar pelo título porque há estrutura e recursos para isso. Não vivemos mais de espasmos causados pela mítica rubro-negra. Mas falta apertar os parafusos que andam deixando as juntas um tanto frouxas.
Há muita coisa boa nesse grupo. Mas também uma série de equívocos bastante evidentes.
Ontem foi anunciado um novo vice-presidente de futebol, cargo que o presidente vinha acumulando. Me parece um claro sinal de reconhecimento que mudanças são necessárias vindo de uma diretoria conhecida por respaldar seus jogadores e comissão técnica e resolver problemas internamente, sem alarde, como deve ser.
Espero de verdade que seja isso que estejam fazendo.
Não gostaria de ver essa caldeirão que anda borbulhante derramar.
Pedro Henrique Neschling nasceu no Rio de Janeiro, em 1982, já com uma camisa do Flamengo pendurada na porta do quarto na maternidade. Desde que estreou profissionalmente em 2001, alterna-se com sucesso nas funções de ator, diretor, roteirista e dramaturgo em peças, filmes, novelas e seriados. É autor do romance “Gigantes” (Editora Paralela/Companhia das Letras – 2015). Siga-o no Twitter: @pedroneschling
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