“Far post!”
Esqueça as infiltrações em velocidade de Aguero e Gabriel Jesus, a classe de Pogba, a cadência de Juan Mata, os dribles de Philippe Coutinho e a técnica de Eden Hazard. O verdadeiro jeito inglês de jogar futebol não tem nada a ver com isso.
A escola inglesa vem sendo radicalmente descaracterizada há alguns anos com a avalanche de jogadores estrangeiros desembarcando na terra da rainha e agora se esvai completamente nas mãos de treinadores como Pep Guardiola, Antonio Conte e Jurgen Klopp.
Os ingleses são extremamente orgulhosos por possuírem o “melhor campeonato do mundo”. De fato, a Premier League de hoje não tem apenas grandes jogadores, mas também nos oferece as variações táticas mais interessantes e ousadas do planeta. Na hora que a bola rola, no entanto, nada disso importa. O que todos os torcedores gritam em uníssono nos pubs e arquibancadas é “far post!”, pedindo o cruzamento no segundo pau assim que a bola passa do meio-campo.
Durante décadas, é verdade, os britânicos conheciam praticamente uma única maneira de jogar futebol. Duas linhas de quatro, compactação, verticalidade e muita, muita intensidade. Os wingers eram responsáveis por acelerar o jogo pelas beiradas e, diferente de hoje em dia, quase nunca jogavam com o “pé trocado”: destros pela direita, canhotos pela esquerda e o objetivo obsessivo de alcançar a linha de fundo e buscar o cruzamento ou ganhar o escanteio. Aliás, o momento mais excitante do jogo para o torcedor inglês é o escanteio. Lá atrás, zagueiros altos e fortes, dominadores de espaço, sempre preparados para uma boa e velha rebatida, protegidos por laterais sem muita permissão para atacar. Na meiuca, jogadores que precisam cobrir o campo quase todo, de área a área, os chamados box-to-box. E na frente, é claro, o glorioso camisa 9, dono da área, gladiador entre os zagueiros, esperando por qualquer bola bandida.
Lembra algum time que você conhece?
O Flamengo de Rueda é, basicamente, uma versão flex do futebol inglês de uma ou duas décadas atrás. Jogadores com funções muito simples e bem definidas, profundidade na correria dos pontas e muito cruzamento. É verdade que Diego e Éverton Ribeiro colocam demais a bola no chão para os padrões da escola britânica, mas é bom lembrar que com Rueda só há espaço para um deles. Vale também reparar que esse meia fica junto a Guerrero quando o time não tem a bola, fechando um pouco o espaço, esperando o contra-ataque e deixando as duas linhas de quatro bem compactas lá atrás.
Isso não é uma crítica, apenas uma constatação. Rueda parece ter simplificado para iniciar o trabalho e de vez em quando começa a inserir algumas inovações, como Paquetá jogando de falso 9 (a última moda, veja só, na Inglaterra).
Para jogar aqui, essa volta ao estilo bretão pode até ser adequada. Pelo menos foge do 4-2-3-1 básico, com pontinhas rápidos com pé invertido, que 99% dos times brasileiros adotam há vários anos. Há pouca inovação tática no Brasil. Os treinadores têm pouco tempo de trabalho, os clubes não buscam uma filosofia de jogo consistente ao longo dos anos e nossa mídia tem o estranho hábito de criticar tudo que é um pouquinho diferente.
Vamos construindo passo a passo. Há um longo caminho pela frente para esse time. Só vamos maneirar um pouco no “far post”, por que disso o torcedor do Flamengo não gosta!
Téo Ferraz Benjamin escreve as análises táticas do MRN. Siga-o no Twitter: @teofb
O Mundo Rubro Negro precisa do seu apoio para não acabar e melhorar ainda mais. Contribua mensalmente com nosso trabalho. Clique aqui: bit.ly/ApoiadorMRN