Meu nome é Pedro, tenho 31 anos e sou Flamengo pra caramba desde que me entendo por gente. Vibrava ainda moleque, no quarto, meia noite de quarta-feira, com as defesas do Roger, Clemer, Julio, das escapadas do rebaixamento, do gol do Lê, do Rodrigo Mendes, do Pet. Frequentei o Maracanã desde cedo, e sou muito grato ao meu pai, santista, que sempre se dispôs a me levar pro estádio para ver Romário jogar, a me matricular na escolinha de futebol do Fla, e a me presentear com inúmeras camisas oficiais do clube, incluindo aquela camisa horrorosa de treino da época da Lubrax com as mangas amarelas.
Em 2006, ainda muito novo, e quando o Twitter ainda era um matagal lá no Recreio, me mudei para São Paulo para trabalhar, correr atrás dos meus sonhos – que eu não fazia idéia quais eram – e possivelmente descobrir mais sobre quem eu era. Li On the Road, O Apanhador no Campo de Centeio, e todos os livros clichés que um jovem menino tem que ler antes dos 18, e senti que precisava ver qualé, mesmo que tivesse que voltar pro Rio em breve. Nunca voltei. Sobre todo aquele sentimento de liberdade e escapismo dos protagonistas do Kerouac e do Salinger, que me fizeram virar tantas noites em excitação, não sei, acabei entubando.
Com a distância física do Flamengo e a vida deslumbrante que São Paulo me oferecia, a tendência era que eu me desapegasse um pouco do Flamengo. Só um pouco. Mas não foi isso que aconteceu. A distância nos fortaleceu e comecei a viver ainda mais intensamente o clube, no coração, quase sempre de longe. Fisicamente, só nos finais de semana que estava no Rio visitando a família, ou em jogos especiais.
Fui no tri-carioca de 2007-2009, no Brasileiro em 2009, em jogos esporádicos ao longo dos anos, e aí chegou 2013. Elias, Vai Paulino, Processinho, Hernane e cia. Deve ter sido o ano que mais gastei dinheiro com o clube. Nós já sabíamos que seríamos campeões, né? Saudade desse sentimento. Toda quarta-feira de Copa do Brasil às 18h eu estava em Congonhas, às 20h no Santos Dumont, às 22h no Maraca, a meia noite bêbado. Fora os taxis, ônibus, metrô, trem, as 3 latinhas por R$ 10 e comemoração – fosse na Lapa, Botafogo ou BG. Foi um ano foda, uma conquista com uma sinergia incrível com a torcida, que guardo para sempre no coração. Fiz a mesma coisa com todas as Libertadores recentes em que morremos na fase de grupos – menos nessa última, pois já estava ainda mais longe.
Tudo isso não é pra provar quão Flamenguista eu sou. Não sou xiita e não acredito em alguém ser mais ou menos flamenguista. Tudo isso é pra mostrar que meu amadurecimento de menino para homem deu-se sempre longe do meu time do coração. Pra muita gente isso é inconcebível. Conheço carioca que não aceitaria morar em outra cidade pela distância que teria dos jogos do Flamengo. Para mim, como um Euclides da vida, teve que ser uma realidade. O Fla tava lá, eu tava aqui, e de vez em quando a gente se via pessoalmente pra ver um Flamengo x Resende.
Em dezembro de 2015, depois de trabalhar dia e noite por quase dois anos, deixei São Paulo para trás e ao lado da minha mulher e nossa cachorra Sofia, compramos um motorhome de 1988 no Texas, EUA e fomos viver um ano sabático. Somos fotógrafos e juntos criamos a We Are Alive um pouco antes, em 2014, uma agência itinerante de produção de conteúdo – ou se você preferir, uma agência digital nômade, que vira e mexe aparece aqui e ali. Morei por um ano no motorhome, rodamos o país inteiro e no Canadá, a caminho do Alasca, o dinheiro acabou. O dólar disparou, o Brasil se afundou na crise, os clientes sumiram e voltei pra “casa” com a frustrante terceira colocação no Brasileiro, uma conta bancária no vermelho e mais um cachorro na bagagem – o Anthony, que adotamos em Los Angeles para fazer companhia pra Sofia.
Antes de voltarmos pra casa, passei o mês de setembro e outubro morando em Vancouver, Canadá, meio que vivendo de fotografar modelos canadenses, e torcer pelo hepta. Toda semana colocava o mesmo short vermelho – sou desses – e ia para a sala de convivência do RV Park, pois lá o wi-fi funcionava melhor com o link pirata. Quando não estava no RV Park, dormia algumas noites em Spanish Banks, uma praia de Vancouver onde a polícia local faz vista grossa para motorhomes acampando no estacionamento, e assistia aos jogos em um Starbucks qualquer. Tive certeza do título brasileiro no dia 25 de setembro, quando Mancuello marcou aos 44 do segundo tempo o gol da vitória, de virada, em cima do Cruzeiro, em Cariacica. Naquele dia, ficamos a um ponto da liderança, e o hepta era questão de tempo, assim como minha fatídica volta à São Paulo.
Já no Brasil, fomos de coração aberto, com saudade de coxinha, coração de galinha, linguiça toscana, pão de queijo, queijo coalho, pastel e chopp, mas não nos re-adaptamos e o gol do Mancuello nunca saiu da minha cabeça. Eu sempre revia o gol, olhava nos olhos do argentino e via o mesmo predestinado brilho no olhar que eu tinha quando estava no meu motorhome. Uma dia eu acordei e decidi que iria voltar pra cá. Voltar pra casa. Criamos um novo projeto para uma fase 2.0 da We Are Alive na estrada, desta vez não com nosso dinheiro, mas com o dinheiro dos outros – um papo que posso retomar em algumas semanas. Juntamos alguns clientes como Budweiser, Diageo, Levi’s e basico.com, e seis meses depois da nossa chegada, voltamos para o Giuseppe, nosso motorhome, que havíamos deixado guardado em um storage durante o inverno tenebroso de Vancouver.
Estamos de volta desde abril, dessa vez para ficar – espero. Não nos EUA, não temos vontade de morar aqui -, mas no motorhome, que é minha casa e é onde sou feliz. No momento são meia noite, faz quase 40 graus, e escrevo de Ozona, Texas, de um posto de gasolina no meio do nada onde estamos passando a noite ao lado 50 caminhões que dormem com o motor ligado para não gastar o diesel. Não faço ideia do que vai acontecer nos próximos meses de nossas vidas. E nem preciso. Viver um dia de cada vez me faz aprender muito sobre a vida. 99,9% dos caminhoneiros do mundo não são estupradores, o mundo não é esse lugar hostil que tentam te vender, o Flamengo nem sempre vai nos dar alegrias no dia certo, Zé Ricardo não vai mudar de idéia sobre o primeiro volante e, principalmente, meus planos nem sempre darão certo. Mas tampouco darão errado. As coisas vão acontecer de uma maneira diferente da forma como eu planejei, e eu tentarei tirar o melhor da situação em que eu me encontro. Ainda não posso nem ao menos planejar onde e como vou assistir ao próximo jogo do Flamengo. Estou em uma região onde vou mudar de fuso horário algumas vezes nos próximos dias. Duas, três, quatro horas de distância no Brasil. Até sábado, contra o Vasco, sabe-se lá onde estaremos.
Sobre morar em um motorhome, nosso trabalho, nossa vida, nosso dia a dia, nossas crenças e tudo que envolve morar em um carro de 1988, conto em seguida, nas próximas semanas, aqui nesse espaço. Nos falamos em breve.
SRN!
Sou fotógrafo carioca morando em um motorhome com minha mulher e nossos cachorros, criando conteúdo pra We Are Alive e nossos clientes. Acima de tudo, rubro-negro! Inscreva-se no meu canal http://youtube.com/WeAreAlivenaestrada
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