Dois Campeonatos Colombianos, uma Copa da Colômbia, uma Supercopa da Colômbia, a Libertadores da América 2016 e a Recopa Sul-Americana (sem esquecermos a chegada à final da Copa Sul-Americana contra a Chape). É com essa bagagem que Reinaldo Rueda deixa o comando do Atlético Nacional.
Um técnico amado e que amou um clube. O torcedor verdolaga ganhou um semideus para sua mitologia. Chorando muito, porém sábio, Rueda despediu-se de sua torcida. Declarou que um ciclo se fechou. O que será que o multicampeão calenho quer para sua carreira após deixar El Verde?
Não pretendo responder esta questão, seguir pistas da imprensa colombiana neste texto. Nosso problema, tornado problemática, é o Flamengo.
É periódico. Com Zé Ricardo durou mais um tempo. Ele deu pinta de ser estudioso, diferente. Zé Ricardo, entretanto, é só mais um treinador da base do clube de prazo curto, como tantos outros. A situação que o envolveu é um replay no Flamengo. Os elementos são sempre os mesmos: um trabalho mal feito ou sem resultado fica para trás, um grupo de jogadores pressionado ou tomado pelo sentimento de culpa ou qualquer outra questão empírica, um treinador “da casa” assume interinamente, uma sequência boa aparece, e o grupo de jogadores fecha e joga pelo interino, agora efetivado e trazendo a esperança de que finalmente um mito surgirá, identificado com o clube, conhecedor de nossa história — o nome que tem tudo para dar certo. Ganha a torcida. Talvez o campeonato. E se credencia a ficar para a próxima temporada.
É periódico. Com Zé Ricardo durou mais um tempo. Com Carlinhos Violino bastaria a eliminação na Libertadores. Jayme de Almeida já estaria na rua desde a perda na Guanabara, jogando muito pouco diante de um adversário com orçamento três vezes menor. Com Andrade então a coisa seria ainda pior, ah seria sim, tenho certeza. A triste constatação é que nenhum dos quatro saiu de uma temporada como tampão para um trabalho ulterior exitoso, bem planejado na pré-temporada, com um meio de temporada consistente e o fim vitorioso que todos os rubro-negros mais desejam. E que mal teria em sonhar que esta temporada inaugurasse um ciclo.
Reprodução WikipediaUm outro técnico “da casa” conseguiu dar cabo a este roteiro. Cláudio Coutinho. Mais ou menos da casa também. Vamos à história que uma simples visita à Wikipédia nos ensina. Coutinho estava na comissão técnica da Copa do Mundo de 1970. Capitão do Exército Brasileiro, introdutor do método Cooper no Brasil, foi chamado para ser o preparador físico da seleção brasileira de Zagallo. Teve a oportunidade de conviver com os maiores entre os maiores do futebol do século XX. Depois foi supervisor da seleção peruana, e de lá foi para o Vasco da Gama. No Mundial de 1974 já era coordenador técnico do Brasil e assistiu de um lugar privilegiado a revolução tática promovida pelo carrossel holandês de Rinus Michels. Após a Copa, o cariúcho (nascido na fronteira gaúcha com o Uruguai, veio com os pais para o Rio de Janeiro com apenas quatro anos) foi para o Olympique de Marseille. Dali para a seleção brasileira sub-20 já como treinador. Os bons resultados o credenciaram a assumir o Flamengo em 1976, já conhecendo muitos dos craques que precisavam desabrochar, nomeadamente Zico, que sobre ele já pesava a alcunha de O Craque do Maracanã, incapaz de levar o clube a conquistas fora do âmbito regional. Em 1977 foi chamado para ser o treinador da seleção principal. Na Copa da Argentina enfrentou sérios problemas, o time não foi bem, o presidente da CBD exigiu escalações (sim, os dirigentes escalam — na verdade muitos dirigentes adoram bancar técnicos iniciantes para que possam “ajudá-lo” a escalar o time) e no fim das contas ele foi mesmo o principal responsável pelo fracasso. Mas quando reassumiu o time do Flamengo era um profissional com lastro, inclusive psicológico — imagine você o que deve ter sido para Cláudio Coutinho fracassar com a seleção brasileira na década de 70, talvez o único motivo de orgulho de ser brasileiro, a única atividade a qual o país era destaque internacional. Deve ter sido duro. Coutinho era durão. E deu a volta por cima na década de 80. O resto é história que vocês conhecem.
Retornando para o presente e o inspecionando, é compreensível atrelar a culpa por um ano, que já trouxe antes de seu meado outro vexame e descortina o segundo semestre de desesperança, a treinador Zé Ricardo, ao diretor-executivo Rodrigo Caetano e ao presidente do clube e vice-presidente de futebol Eduardo Bandeira de Mello. Os dirigentes têm maior fatia de culpa por bancarem Zé Ricardo, um cara que nunca teve sequer alguma ponta de experiência no futebol profissional, sem ao menos um auxiliar experiente, tal qual Renato Gaúcho tem seu Valdir Espinosa. Por que não Zé Ricardo não poderia ter Paulo César Carpegiani, por exemplo, ao seu lado? Falta de sensibilidade absurda — ainda contrataram o Cléber dos Santos, outro cara nulo de experiência no futebol profissional.
Outra coisa que parece cada vez mais cristalina é a falta de cobranças. Tenho informações de que após a queda na Libertadores, não houve NENHUMA CONVERSA COM O GRUPO. De certa forma é até menor, de fato, o teor da conversa; se esta conversa deveria ter acontecido no vestiário do Nuevo Gasometro ou na reapresentação ao Ninho. Rodrigo caetano e Eduardo Bandeira de Mello deveriam dar esporro, cobrar rispidamente ou até mostrar compreensão e cumplicidade ao elenco? Qualquer dessas abordagens, não importa qual, seriam válidas, desde que houvesse. Se minha fonte não estiver errada, o que houve foi a pior posicionamento possível: a omissão. Até os jogadores se sentiram em um ambiente incomum, já que o silêncio dos chefes após tão mórbido resultado não é contumaz no futebol.
Agora temos um Zé Ricardo visivelmente perdido no comando do time com o segundo maior orçamento do Brasil, o mais caro se retirarmos o mecenato palmeirense. Responda-me nos comentários, por favor, se você acredita que nosso atual treinador consegue terminar o ano à frente do Flamengo. Responda-se também se você o enxerga como o comandante viril, a liderança técnica e motivacional para levantarmos a taça da Copa Sul-Americana, ou novamente a Copa do Brasil e nem citarei o Brasileiro, acho que esse já foi pro saco.
Respondeu? Então chegamos juntos à parte final do texto, me perdoe ao tomar mais de cinco minutos do seu precioso tempo.
Por que procurar Reinaldo Rueda para ser técnico do Flamengo seria um movimento interessante e muito correto do Flamengo?
Um princípio básico pode começar a ser colocado em prática com a chegada do colombiano: o melhor do continente precisa estar no Flamengo. Se o Flamengo tem destacado poderio econômico, o certo é pensar como tal. Sobrepujar nossos adversários porque somos maiores que eles, sem perder a humildade. é uma expressão que precisa ser entoada como um mantra no Ninho. Até que vire filosofia. Rueda é o melhor técnico do continente.
Zé Ricardo está enfraquecido, nitidamente sem comando, com perfil impróprio ao momento do time, à pressão exercida pela torcida e até à mais trivial análise da imprensa esportiva intelectualmente despreparada para tal serviço. Pode vir a ser um bom técnico? Absolutamente sim! E tenho uma sugestão ao Flamengo. Zé Ricardo deve ser mandado para correr o mundo. Vá ver o que os treinadores argentinos estão fazendo. Conheça outros clubes e metodologias aqui na América. Viaje para o México, aperte a mão de Eduardo Coudet, Héctor Cárdenas, Marcelo Gallardo, Diego Aguirre. Aprenda muito bem inglês e espanhol. Depois vá para Portugal, e de lá para a Europa. Que tal a Adidas abrir caminhos na Alemanha, ao menos? Desça para a realidade africana; caminhe para a Ásia, veja jogos na liga chinesa, vá para o Japão… Cresça como cidadão do mundo, papeie com Bielsa e interiorize um pouco de sua “locura”, mande às favas dogmas futebolísticos adquiridos no futebol brasileiro do 7 a 1. Depois de um ou dois anos tal Marco Polo com carteirinha de funcionário do Flamengo, volte para ser auxiliar, quem sabe do próprio Rueda. Ou que seja “emprestado” a um clube da série B, ao menos. Sempre atrelado ao Flamengo, como um projeto do clube. Processo este ao qual Zé Ricardo não é um sortudo, e sim a cobaia, o experimento primeiro, portanto outros técnicos talentos da nossa base seguirão a ele.
Foto: Site Oficial Atlético Nacional[/caption]
Enquanto isso, o Flamengo precisa dar certo com Rueda. Convencê-lo a seguir no primitivo futebol sul-americano, rumando para o Brasil. Eu pagaria muito por Reinaldo Rueda, sem problemas. Para dar certo, logicamente faz-se imprescindível uma postura diferente de todo Departamento de Futebol do clube. Muros cimentados na arrogância e na teimosia precisam ser derrubados no Ninho do Urubu. É preciso mais pulso, mas ganância, ousadia, e, bastante instinto para perceber quando, quanto e porquê os resultados não estão aparecendo, apesar do belo elenco à disposição, este ano até casa própria erigida.
Reinaldo Rueda é o melhor treinador possível da atualidade. Está livre no Mercado. Ao dizer que encerrou um ciclo parece mesmo estar dizendo querer novos desafios para a carreira — que se mostre o imenso desafio que é o Flamengo atual, dividido, com torcida despirocada e sem identidade por culpa da grandeza lhe retirada.
E sobre os clichês de um treinador estrangeiro? Como o que diz que técnico gringo é boicotado pelos jogadores brasileiros. Como aquele que aponta que buscar um cara de fora no meio da temporada é arriscado, quase um atestado de erro. E até mesmo o propalado pensamento de que os técnicos de fora são superestimados, nascidos do nosso velho complexo de vira-latas.
Rueda é o melhor, repito. O melhor precisa estar no maior. E o Flamengo não deve ser a casa dos velhos clichês, como aquele que Zé Ricardo parece ter tatuado na testa: “técnico caseiro de curto prazo”. Zé Ricardo é o personagem do técnico da casa salvador e descartável sim. Presidente Bandeira, não segure Zé Ricardo apenas para mostrar que está acreditando no trabalho a longo prazo. A coisa vai irremediavelmente ficar insustentável. Você vai demiti-lo sim, mesmo contra sua vontade. Pode ser tarde demais, pode ser que só tenha a xepa do mercado. Gire a roda agora.
Contrate Reinaldo Rueda. Planeje a volta triunfal de Zé Ricardo. Estamos com muita saudade de grandes técnicos, in memorian ao lendário Cláudio Coutinho.
Foto destacada nas redes sociais: Site Oficial Atlético Nacional
Diogo Almeida é um boleiro que aprendeu a falar difícil. Escreve no Cultura RN quando consegue colocar as ideias no lugar. Siga-o no Twitter: @DidaZico.
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