Nos últimos 66 anos a história do Flamengo está diretamente ligada ao Maracanã e vice-versa. Todos sabemos das questões políticas que envolveram a licitação do Novo Maracanã e em um estágio anterior, a reforma. Para quem não se recorda, o Brasil conquistou o direito de sediar a Copa do mundo de 2014 e o Maracanã era naturalmente o palco da final da competição, direito conquistado posteriormente (quase que de modo “forçado” por conta da derrota de 1950).
Ao longo do processo, o Rio de Janeiro tinha sido escolhido como sede dos Jogos Pan-americanos em 2007, e havia construído um estádio olímpico, o Engenhão. E o Flamengo com isso? Ali, terminada a construção do Engenhão, no período pré licitatório foi “prometido” ao clube que ele ficaria com a gestão do Maracanã, depois da Copa, fazendo com que o clube desistisse de gerir o Engenhão. Mais uma vez, o ficaríamos reféns do Maracanã e das vontades políticas dos governantes.
Passando por este período e focando na questão do Maracanã, a sua reconstrução (muito mais do que uma reforma), poderia ter sido mais amigável do que de fato foi. Acabei de ler o caderno de estádios da UEFA e o da FIFA e as exigências feitas pela FIFA para que um estádio seja construído para um mundial são muito maiores do que as da UEFA. Provavelmente nem existe este comparativo direto, já que os usos e utilidades tem propósitos diferentes. A FIFA construiu o seu caderno de estádios para uniformizar, recomendar as construções para suas competições, desde a mais simples, o mundial sub-17 até a mais complexa, a Copa do Mundo de futebol masculino; passando ainda por recomendações sobre instalações para futebol de areia e Futsal.
O caderno é bem completo e traz soluções para as questões que surgem ao se construir ou reformar, tipos de público, construção, todos os detalhes necessários para o conforto dos usuários de um estádio de futebol. É impressionante a riqueza de detalhes e ao mesmo tempo a simplicidade do manual. Em minha visão existe um problema, uma questão fundamental que permeou toda a questão do “modelo FIFA”: o superfaturamento (custo Brasil, além do implícito modus operandi da própria FIFA). O caderno é claro e demonstra ser possível construir um estádio barato e eficaz dentro de todos os padrões estabelecidos.
Devemos buscar como meta uma relação custo/assento razoável, a mais baixa possível! Diferentemente do que aconteceu para os estádios da copa do mundo de 2014. O Alemão Mainz 05 construiu o seu estádio em conjunto com a prefeitura da cidade por R$ 135.000.000,00 para 45.000 pessoas e incríveis R$ 3.857,14 por assento, que acho impossível no Brasil; a Arena do Grêmio foi construída para 60.540 pessoas ao custo de R$ 600.000.000,00, por R$ 9.910,00 o assento e a Arena Palestra com capacidade variável de 47.000 pessoas (55.000 com assentos removíveis) por um custo de R$ 420.000.000,00 e R$ 7.368,42 o assento. O do Maracanã custou R$ 14.315,03 se tornando o mais caro do mundial.
O maior exemplo de que é possível se construir um estádio de copa do mundo barato, mesmo com denúncias de superfaturamento, foi a construção da Arena Pernambuco. Sua construção para aproximadamente 44.300 espectadores custou R$ 389.000.000,00 e teve o contrato de concessão rescindido pelo governo do Estado por conta de obrigações não cumpridas do consórcio construtor/operador (OAS). Há semelhanças com o “Caso Novo Maracanã”, mas elas param na ação do governo de Pernambuco, diferente das ações atuais do Governo do Estado do Rio de Janeiro, que fica à mercê do consórcio e esperando “sei lá o quê”. Até porque, não cumpriram com sua parte combinada na licitação. Via de mão dupla, os dois lados não fizeram o prometido.
Comparando de outra forma, a Allianz Arena em Munique, foi construída em condições similares às do Maracanã. Um estádio para o mundial de futebol (2006) que serviria a dois clubes de futebol da cidade. A principal diferença para nosso caso, além das óbvias (economia europeia/alemã, poderio financeiro do Bayern, etc.) foi que o estádio bávaro foi projetado para que os clubes assumissem após a copa do mundo, diferentemente do Maracanã para nossos clubes.
O mítico estádio carioca foi “reformado” (reconstruído) com graves erros conceituais de projeto, o principal deles a organização sobre posicionamento e acesso exclusivos para torcida visitante, o que impede que sejam distribuídos os ingressos necessários para o tamanho da torcida visitante. O projeto trata de forma semelhante a torcida do São Paulo, clube com torcedores na cidade do Rio e de residência próxima à cidade e a torcida do Leon (México), que mesmo com menos e 80 torcedores (menos de 1% da capacidade total), ocupou um espaço para 8.000 pessoas no Maracanã (aproximadamente 10%), na Libertadores de 2014.
O Novo Maracanã é um estádio pensado para o público de seleções, não para que fosse utilizado pelos clubes de futebol após à competição da FIFA. Mesmo assim, tenho muitas dúvidas de que as seleções de Brasil e Argentina pudessem disputar uma partida no estádio sem que fossem separadas as torcidas, com todo o estádio em setores mistos. Imaginaram um Brasil x Argentina com torcedores misturados? Sob este aspecto, o estádio alemão é sim parâmetro.
Logo após o mundial de 2006, era sabido por todos que a Allianz Arena seria dividida entre Bayern de Munique e o Munique 1860, rival histórico da cidade. Então, fora projetado para que sua coloração externa do estádio mudasse de cor em razão do mandante dos jogos. Vermelho para as partidas do Bayern, azul para as partidas do Munique 1860 e branco para as disputas da Seleção Alemã de Futebol. Com o passar dos anos, e de forma bem particular, o Bayern assume a gestão completa da instalação.
Por conta de problemas financeiros, da instabilidade futebolística (não transcender à primeira divisão), da aquisição por um excêntrico milionário jordaniano e por não conseguir levar público para encher minimamente o estádio, o Munique 1860 desistiu da operação compartilhada de sua casa. O Bayern comprou sua parte e a parte do Munique do estádio e pagou completamente seus custos antes do prazo estipulado, inclusive a parte do clube rival. A Allianz Arena está quitada. Voltemos ao Maracanã.
Diferentemente do exemplo alemão, por conta de condições políticas e financeiras, o Flamengo não terá a possibilidade de assumir o Maracanã, mesmo que eu tenha a certeza absoluta de que essa não-possibilidade dependa em 99% de condições políticas. O Estado do RJ não quer. Não deseja nenhum clube como parceiro. Só… que… o estádio não fica de pé sem o Flamengo. Não fica. Vira o Coliseu, Wembley, ou qualquer outro elefante branco. É dito e sabido pela imprensa que aproximadamente 80% do lucro do Maracanã é proveniente dos jogos do Flamengo.
Um aspecto fundamental para a manutenção do complexo e sua lucratividade é a questão da multifuncionalidade do estádio. O Maracanã tem feito bem este serviço. Pode ser muito melhor. Devemos pensar não apenas nos 70 dias de jogos anuais (35 somados ao dia anterior que sempre traz movimentação da imprensa e de torcedores para o estádio), temos que pensar nos 295 dias restantes (em relação ao Flamengo, só para os jogos do Flamengo). O exemplo mais bem acabado é o do Madison Square Garden, com mais de 300 dias/eventos por ano. É insuperável!
Só que o ginásio novaiorquino não tem apelo à marca dos estádios de futebol como o Camp Nou (Barcelona) ou o Santiago Bernabeu (Real Madrid). O Maracanã com a marca Flamengo teria. Hoje se promovem festas, casamentos, shows e eventos, mas se o museu estivesse funcionando, um museu do Flamengo (ou dos clubes), lojas, algo voltado ao tema principal do estádio em operação, os custos seriam proporcionalmente mais baixos e os lucros mais elevados, mesmo que com a promoção de obras necessárias para adaptações, como as de estacionamento.
O Flamengo seria um clube capaz de unir as duas coisas em uma só, a multifuncionalidade do estádio com a ativação automática da marca e a questão histórica/sentimental, que está ligada aos clubes. O Maracanã seria mais incrível do que já é. Lembrando que quando aberto, o Tour do estádio mais seu museu fazia com que o estádio se tornasse o 3º ponto turístico mais visitado da cidade (com potencial inexplorado, poderia ser o 1º).
Por estas e outras, o “custo Maracanã” é de mais de 40MM de Reais/ano, sendo de 23MM em dias de jogos (informação do Mauro César Pereira, da ESPN Brasil). O Flamengo tem sua história ligada ao estádio, que foi custeado com o dinheiro de nossa torcida, seja por ingresso, seja por imposto. Está mais comprovado do que nunca, que os clubes devem participar da gestão e de um possível edital para a mesma, nem que seja para o dia do jogo (matchday). No mínimo!
E aí, como fica? Essa pergunta eu repasso para o governador do estado do RJ e os gestores do estádio. Eu fico do lado do Flamengo. Sempre! Será que a Odebrecht pensou nos custos do estádio? Será que ela gere bem estes custos? Tive informações, que não tenho como confirmar, que para ligar parte do estádio para que ele opere administrativamente, o ar-condicionado central funciona para 80% das instalações internas. Imaginem o desperdício? Esse é um custo, um item, existem muitos outros a se pensar, a se pesar no calculo diário/mensal/anual.
Sou um cara que luta pela independência do Flamengo, seja ela econômica, política, de qualquer esfera, mas vejo que o clube tem a obrigação de lutar pelo Maracanã, o que aparentemente tem feito, já que publicamente o estádio é seu plano A, como diz o Presidente Eduardo Bandeira de Melo. Passando por isso, nós contribuintes temos a obrigação de gritar, lutar, tentar impedir que a segunda colocada no edital de licitação, de forma estranha e apoiada pelo Estado do Rio de Janeiro compre ou assuma o lugar da vencedora de um edital em que nem o licitante nem o vencedor cumpriram suas obrigações.
Como fica, Sérgio Cabral (@SergioCabralRJ)? governador que licitou e afrouxou as regras da licitação. Como fica, Luiz Fernando Pezão (@LFPezao)? Atual governador e Vice-Governador da gestão anterior. Como fica, Marco Antônio Cabral (@MarcoACabral)? Filho do ex-governador e atual secretário de esportes (gestor da SUDERJ). Sem falar no Prefeito Eduardo Paes (@eduardopaes_), no secretário de governo e virtual candidato a prefeito do Rio de Janeiro, Pedro Paulo (@pedropaulo), no partido dos citados, o PMDB (@PMDB_Nacional) que por anos e anos vem impedindo que o Flamengo tenha sua casa ou evolua (não esqueci da esdrúxula lei do deputado Paulo Melo (@PauloMeloAcao), que tenta impedir o desenvolvimento do clube, e também, da questão da Arena de Basquete da Gávea, que depende de uma última chancela da prefeitura, assinatura que esperamos desde SETEMBRO de 2015). Como fica, Leonardo Espíndola? Secretário da Casa Civil do Estado, que deu entrevista empolgado com uma passagem de guarda da ODB para a Langardere/BWA. Uma vergonha!
Não consigo esquecer, e preciso ressaltar, que com a BWA não tem conversa. Existe um histórico de problemas e litígios entre o Flamengo e a empresa. E esses caras querem assumir o que por direito pertence aos contribuintes do estado, aos clubes. Eles devem ter direito a um novo edital, participar da licitação, ter o possibilidade de fazer uma proposta. Perder ou vencer faz parte, mas nem o direito de disputar a licitação foi conferido a Vasco, Fluminense e Botafogo, pra não falar apenas do Flamengo. É uma vergonha! O Maracanã vive sem os clubes? Então teremos de ser produto e produtor, o evento fica por nossa conta.
Eu, Luiz Filho, estou do lado do Flamengo, que é sim o maior produtor do espetáculo e o trem pagador do estádio, além do contribuinte do Estado que paga seus impostos, recolhidos pelo governo (investidos na reforma), e que também contribuiu e na forma dos ingressos comprados ao longo destes 66 anos. E você, de que lado está? Vamos, Flamengo!
Luiz Filho é historiador, pós-graduado em História do Esporte. Integra o grupo de trabalho sobre estádios do SóFLA. Siga-o no Twitter: @lavfilho
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