Quando o assunto é Flamengo, o costume do torcedor rubro-negro normalmente consiste em lembrar do passado centrado no super time da década de 1980. Ainda que não esteja errado, dada a importância para nossa trajetória, o Flamengo tem um rico passado anterior que merece ser sempre lembrado.
Por isso, o objetivo do texto é aproveitar a data de seu 110º aniversário de Agustín Valido para lembrarmos ou conhecermos o argentino que passou anos no Flamengo, se aposentou, e retornou ao campo para entrar para a história com o gol do título do nosso primeiro tricampeonato carioca.
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Agustín Valido conhece o Brasil
Valido nasceu em Buenos Aires no dia 31 de janeiro de 1914. Filho de espanhóis, desde jovem treinou nas categorias de base do Boca Juniors, porém sem se firmar. Esteve presente apenas duas vezes na campanha vitoriosa no campeonato argentino de 1934.
Portanto, sem muitas oportunidades, foi emprestado ao Lanús. Curiosamente, jogou com o goleiro Julio Yustrich, inspiração para o apelido do goleiro com quem jogaria junto no Flamengo, David Knipel, conhecido como Yustrich.
Em julho de 1937, Valido compôs o combinado Bacer-Varella, time composto por jogadores jovens pouco aproveitados ou com carreira consolidada, porém em baixa. Na equipe estavam Vicente Del Giúdice, antigo ídolo do Racing; Arcadio López, presente na Copa de 1934; e Angel Grippa, goleiro presente na Copa do Mundo de 1938. O combinado veio com o intuito de disputar amistosos contra Flamengo, Fluminense e América.
Valido chegou depois da delegação da equipe pois cumpria compromissos pelo Lanús contra seu ex-clube, Boca Juniors, que já contava com Domingos da Guia em sua defesa. Valido era o mais jovem do combinado com apenas 23 anos.
No Brasil, o time Becar-Varella mostrou que era uma equipe fraca ao começar sendo facilmente derrotado pelo Fluminense. Após esse encontro, o Flamengo confirmou a contratação não só de Valido por 15 mil reis, como também do atacante Luiz Villa e do meia Arcádio Lopez pelo montante de 17,5 mill reis. Os argentinos enfrentaram sua nova equipe logo em seguida.
Contra o Flamengo, mais uma derrota. Placar de 4×2, com Leônidas marcando duas vezes. A curiosidade é a bola na trave acertada por Valido ainda no primeiro tempo. Em seguida, o combinado foi novamente derrotado, dessa vez pelo América, por 6×2.
O início no Flamengo e o título de 1939
Valido demorou dois anos para finalmente se consagrar campeão pelo Rubro-Negro. O campeonato de 1939 foi enigmático, uma vez que encerrou seca de 12 anos do Flamengo por um título carioca.
Além disso, a conquista foi o resultado de um processo iniciado em 1933, com a posse do lendário presidente José Bastos Padilha, mudando a equipe para profissional e realizando mudanças institucionais que alteraram para sempre como o clube era visto.
Nessa equipe, Valido ainda tinha companhia de outros estrangeiros, como o já mencionado Yustrich, Carlos Volante, Alfredo González, além do lendário técnico húngaro Izidor “Dori” Kürschner. O ponta-direita fez cinco gols nessa campanha.
O título de 1942 e o início do tricampeonato
Em 1942, o Flamengo sofreu várias mudanças em comparação com o time campeão três anos antes. O húngaro Kürschner deu lugar à seu auxiliar Flávio Costa, jogador anteriormente campeão em 1927 pelo Rubro-Negro. Ademais, o Flamengo era reforçado com jogadores históricos como Jayme de Almeida e Biguá.
Jogador fundamental na ponta direita, Valido foi importantíssimo para que o time conquistasse o título que abriria caminho para o primeiro tri carioca. Fez dez gols nessa campanha.
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Contudo, Valido decidiu se aposentar dos gramados no ano seguinte. O motivo apresentado no Jornal dos Sports foi considerado “dos mais justos. Suas atividades no setor comercial o impedem de prosseguir em uma brilhante carreira de footballer“. Ao clube, Valido escreveu uma carta agradecendo os anos de serviço:
Rio, 28 de maio de 1943.
Ilmo. Sr. Presidente do Clube de Regatas do Flamengo – Nesta – Militando há vários anos no quadro de football desse valoroso clube e como, terminado meu contrato, tenha resolvido não continuar exercendo atividades nesse setor, dirijo-me a V. Excia, para solicitar seja o interprete de meus agradecimentos aos dirigentes e аssociados do Flamengo pela fidalguia de trato e atenções a mim dispensadas.
O incentivo que sempre recebi da entusiasta e vibrante torcida rubro-negra cujas manifestações de simpatia constituíram um grande prêmio à minha carreira de desportista, só superado pela satisfação que experimento de ser duas vezes campeão pelo Flamengo, serão para mim motivo para conservar-me fiel ao lema: “Uma vez Flamengo, sempre Flamengo”
Atenciosamente, Agustín Valido
Todavia, alguns meses depois de anunciar sua aposentadoria, Valido reapareceu no clube, dessa vez compondo a equipe amadora do Flamengo. O argentino não jogou nenhuma partida válida pelo bicampeonato carioca em 1943. Porém, seu retorno no ano seguinte o consagrou na história do Flamengo
O retorno e a consagração em 1944
A volta de Valido ao time profissional pareceu algo inesperadamente escrito pelo destino. Com a equipe enfrentando diversos problemas na reta final do Carioca, Flávio Costa pediu a Valido que deixasse seus compromissos comerciais para compor a equipe nos jogos restantes.
O argentino, sem jogar em um ano e meio, participou do massacre rubro-negro contra o Fluminense por 6×1. Valido, porém, saiu absolutamente exausto do certame.
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Na partida final, o Flamengo enfrentou um favorito Vasco, ainda com vários problemas físicos. Além da exaustão do jogo anterior, Valido se apresentou com um quadro de febre alta antes do cotejo. Mesmo assim, foi a campo num certame de extrema dificuldade para o Rubro-Negro, que segurou o ataque do Vasco até o lance derradeiro de Valido.
Com a partida chegando ao fim, Vevé cobrou uma falta na medida para a grande área. Lá, estava Valido buscando forças para terminar o jogo. Ao subir e vencer o zagueiro vascaíno Rafagnelli, desferiu a cabeçada que decretou o título rubro-negro. Até hoje os vascaínos reclamam de uma suposta falta do argentino.
Em entrevista ao Jornal dos Sports após a partida, Valido se declarou ao clube, mesmo lembrando de momentos de decepção com o mesmo:
Nasci longe, mas Flamengo. Não há nada que se compare a esse clube, imperfeito como todos, onde ao que se diz, mandam muitos, superado até em organização por outros. Sem embargo, vence sempre. Por que vence? Porque está na alma do povo. Porque é a própria alma do povo!
Agustín Valido ao Jornal dos Sports
Na mesma entrevista, Valido informou ter se surpreendido com o pedido de Flavio Costa para entrar em campo. Achava que seu retorno seria apenas para compor o elenco, mas sem sequer jogar. Felizmente, o histórico técnico do primeiro tricampeonato percebeu a estrela que o argentino possuía.
Um argentino que se apaixonou pelo Flamengo
Agustín Valido seguiu vivendo no Brasil mesmo depois de sua aposentadoria. O argentino faleceu na madrugada do dia 23 de fevereiro de 1998, aos 84 anos, devido complicações pulmonares. Para finalizar o texto, deixo um trecho de um mini documentário apresentado pela TV Cultura em 1995 com depoimentos do ex-atleta.
Obrigado, Agustín Valido!
Marcos Paulo Neves é professor e historiador formado pela UNIRIO. Apaixonado por futebol e pelo Clube de Regatas do Flamengo, procura falar sobre futebol, política e história de maneira clara e não revisionista.
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