MRN Informação | Bruno Guedes – Os tempos eram outros na Gávea. Os jogadores estavam há oito meses com os salários atrasados. A dois dias do segundo jogo da final contra o Vasco e precisando fazer dois gols de diferença, era assim que o Flamengo chegava à concentração. Mas faltava um atleta. E não era qualquer um. Tratava-se de uma das estrelas. Dejan Petkovic. Insatisfeito com a diretoria, o então iugoslavo largou o elenco e ligou para Wilson de Souza. Wilsão, seu amigo, era o homem que salvaria o tricampeonato e escreveria o nome do craque na história.
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Wilson era amigo pessoal de Petkovic, rubro-negro e vizinho. Foi o torcedor anônimo do Flamengo quem ajudou o jogador durante sua adaptação ao Rio de Janeiro. Mas naquele dia, Pet não buscava apenas conversa simplesmente. Faltando menos de 48 horas para a grande decisão, a sua já estava sacramentada. Havia chegado ao limite da paciência.
Petkovic iria embora do Rubro-Negro. Ídolo da torcida, estava irritado e insatisfeito com os rumos do clube. Além dos muitos problemas políticos e salários atrasados, havia brigado com a outra grande estrela do time: Edílson Capetinha. Os egos inflamados e o clima interno incinerado. Não havia mais como o iugoslavo (Sérvia e Montenegro só surgiu em 2003) continuar.
E Wilsão foi o primeiro saber:
“Estava em casa, toca o telefone e do outro lado da linha era o Pet, chateado, nervoso. Ele me falou: ‘Meu querido, não vou jogar mais, vou sair do Flamengo’. Eu perguntei se ele estava maluco. Como assim não ia jogar a decisão?! Ele disse que ia embora, que acertou uma coisa com o Flamengo, prometeram um acordo e não cumpriram”, disse Wilsão ao GE, em entrevista há 10 anos.
Cardápio do jantar: paixão pelo Flamengo
Homem de confiança, Wilsão foi com Pet a uma pizzaria. Abatido, o craque estava com a cabeça bem longe da concentração do Flamengo. Àquela altura, comissão técnica e diretoria já estavam desesperados. Uma das esperanças para reverter o placar e conquistar o quarto tricampeonato carioca não havia aparecido.
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Entretanto, a história do tri estava apenas começando a ser escrita. E Wilson era um dos principais escribas dela:
“Nos encontramos na pizzaria que hoje é dele. O Pet bateu o pé firme, disse que ia embora, que voltaria para o seu país. Eu perguntei: ‘E a torcida do Flamengo, como fica nessa história? Nem sei quanto você ganha, Pet, mas sabe quanto muitos torcedores do Flamengo recebem por mês?! As pessoas saem 3h da manhã de casa, num trem lotado, marmita debaixo do braço para segurar um dinheirinho para no domingo ver o Flamengo jogar, ver o camisa 10. Esse camisa 10 é você. Não é qualquer um”, relembrou Wilsão na entrevista citada.
Apaixonado pelo Flamengo, o amigo recordou ao craque que o sofrimento era passageiro. Mas a glória, essa poderia ser eterna. Ainda mais num clube como Rubro-Negro. E foi. Após um choro de alívio e desabafo, Petkovic fez o que parecia irreversível: decidiu se juntar ao elenco na concentração.
Já era madrugada de sábado. Pet chega ao hotel onde estava a delegação e vai encontrar com o então treinador Mário Jorge Lobo Zagallo. Após conversar com o técnico, finalmente estavam todos prontos para o jogo contra o Vasco.
Um gol, três títulos e vinte anos de glória de Petkovic
Mesmo com problemas pessoais, aquela tarde de domingo era de Edilson e Petkovic. Após o primeiro tempo terminar empatado em 1 a 1, os dois decidiram entrar em ação no segundo. Com passe de Pet e gol do Capetinha, o Flamengo ampliava para 2 a 1. Mas o placar era ainda insuficiente e dava o título para o maior rival.
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Faltavam três minutos para acabar a partida. Assim como naquela mesa da pizzaria, as coisas pareciam perdidas. Entretanto, não para Petkovic. Se quase dois dias antes ele havia mudado os rumos da sua decisão, agora ele mudaria a do Maracanã e a sua história.
Léo Feldman apita falta sobre Edílson. Entrada da área. São 43 minutos do segundo tempo. Petkovic se prepara para a cobrança.
O resto todos nós sabemos. E há 20 anos um iugoslavo, que mudou de nacionalidade duas vezes desde então, mudou também sua vida e a de muitos rubro-negros. Exatamente como mudou a sua decisão ao lado de Wilsão, o homem que salvou o tricampeonato do Flamengo.