Entrevista feita por Diogo Almeida e Rodrigo Rötzsch
O MRN entrevistou na última segunda-feira na Gávea o diretor-executivo de Esportes Olímpicos Marcelo Vido. Desde que chegou à Gávea, Vido conseguiu cumprir o desafio de deixar os Esportes Olímpicos autossustentáveis – situação que ele garante que permanece, apesar do balanço negativo nos primeiros nove meses do ano passado – e viu o basquete conquistar quatro títulos do NBB, além de uma Liga das Américas e um Mundial Interclubes. O desafio agora é fazer o Flamengo voltar a ser competitivo também em outras modalidades, sem nunca perder de vista a missão maior de formar atletas e cidadãos. Leia abaixo a íntegra do papo de Vido com o MRN:
Uma das conquistas do primeiro mandato do Bandeira foi a autossustentabilidade dos Esportes Olímpicos. Isso ficou meio em desconfiança neste último ano, com os balancetes publicados, mas a gente ainda não viu o último trimestre. Os esportes olímpicos do Flamengo continuam autossustentáveis?
A autossuficiência dos EEOO passa por uso de leis de incentivos federais e estadual. Contando também com os recursos da CBC – Comitê Brasileiro de Clubes. A lei estadual possibilita o reembolso dos gastos no período da execução do projeto. No caso do projeto de ICMS do Basquete 2015-16, tivemos um reembolso no valor de 7 mi em outubro/novembro de 2016. Esse valor se refere ao que foi gasto entre janeiro e julho de 2016. Dessa forma, o superávit do quarto trimestre corrige o déficit apresentado no balanço do terceiro trimestre. Acontecerá novamente para o projeto ICMS basquete 2016-17, o recurso entrará nesse semestre de 2017 e deverá reembolsar em torno de 3 mi gastos de 2016. Nesse descasamento de fluxo de caixa, o clube gastou antes de receber, mas a expectativa é de receber os recursos. Portanto, não temos um problema de ter dinheiro para financiar, mas de quando esse dinheiro vai entrar. O déficit do esporte olímpico de 2016 é o reembolso que a gente tem direito pelos recursos que devem entrar agora em fevereiro ou março. Então vai dar negativo R$ 3 milhões? Se fechar o balanço agora, vai. Só que eu começo com um lucro de R$ 3 milhões que eu não posso gastar em outra coisa.
Ainda pagamos muitas dívidas antigas dos Esportes Olímpicos?
Começamos 2013 com uma receita de 2 milhões de reais – o remo, estatutário, dificilmente vai deixar de ser deficitário pelos custos de manutenção dos barcos. Então vamos falar de esportes olímpicos, mas deixar o remo separado. Em 2013, uma das nossas metas era tornar os esportes olímpicos autossustentáveis. O remo não pertencia (no organograma das diretorias executivas) aos esportes olímpicos até 2015, em 2016 começou a migração. Tanto é que eu não participei de um orçamento do remo até 2016. Agora sim a gente está alinhado, é um grupo de modalidades, apesar de ser separado do ponto de vista de VPs e orçamento. Mas a gestão profissional desde 2016 é conjunta e está sob minha responsabilidade. Em 2013 tínhamos uma receita de 2 milhões contra uma despesa de 19 milhões (17 milhões de déficit). 2014 já melhorou muito, passou de um déficit de 17 milhões para 6 milhões, algo assim. Cortamos basicamente a natação, que tinha um orçamento de R$ 5 milhões, não tinha receita, e a gente estava há quatro meses sem pagar. E outra coisa que é importante falar: todas as dívidas dos esportes olímpicos de 2007 a 2012 estavam sendo pagas até 2016 e só este ano começamos com um orçamento corrente.
Além do corte de atletas caros, quais outros fatores contribuíram para equilibrar o orçamento?
A conquista das certidões negativas de débito (CNDs) foi muito importante, pois o clube passou a ser uma instituição cidadã, que paga os seus impostos e com isso está apto a buscar os recursos. Os projetos incentivados do IR federal, os projetos incentivados do ICMS, do Estado, a Confederação Brasileira de Clubes, e aí nós fomos buscar também alguma coisa de convênios, mas em 2015 eles fecharam os convênios para clubes, só deixaram convênios para confederações. Mas a gente estava preparado para tudo isso. Nós começamos através dessas certidões a elaborar projetos e buscar aprovação. Começou um ciclo virtuoso. Agora, tudo é um processo. Também tivemos algumas receitas de patrocinadores direto do basquete, bilheteria do basquete. 2016 fecha com uma receita muito alta de bilheteria pelas finais do NBB. Só o basquete que tem receita de bilheteria, o resto não tem. E aí começa um processo que vai crescendo.
A saída da Sky, que vocês não conseguiram repor, faz uma falta grande?
O ano fiscal do basquete e do vôlei é de julho a junho. Ele pega metade de um ano, metade do ano seguinte. Tivemos algumas outras receitas que contemplaram a saída do patrocínio máster da Sky. Tivemos uma bilheteria acima do previsto, o recurso da transferência do Cristiano Felício para o Chicago Bulls, a premiação da Liga das Américas pela quarta colocação, deixar de pagar aquelas dívidas antigas, algumas rubricas que equilibraram mesmo sem o patrocinador. Mas claro que faz falta. O time deste ano é um investimento um pouco menor.
O time mais barato para 2016/2017 já estava planejado ou foi uma readequação justamente por não ter patrocínio?
É meio assim, se perguntar pra mim, eu acho que a gente está no caminho certo, mesclar experiência, o auge da idade, e jovens. Eu acredito em equipes assim. Os protagonistas vão ficando mais experientes, surgem novos como protagonistas e uma leva muito jovem de coadjuvantes loucos para serem protagonistas. Assim foi com o Cristiano Felício, com o Benite e outros. Não quero um time com todos acima de 30 anos, como alguns times têm, e não estou criticando, isso é filosofia. Às vezes a diminuição do orçamento te força a fazer uma coisa que é o mais correto. Eu acredito muito em elenco com três grupos. Um grupo experiente, um grupo com seus 24 a 30 anos, e metade do time de basquete tem hoje entre 19 e 22 anos. E já aparecendo. Isso é ótimo. O próprio Humberto tem 21 anos, só que ele teve contusões seguidas e não pôde contribuir. O investimento foi menor, mas eu não achei ruim. A nossa equipe tem que pensar daqui a médio e longo prazo sem deixar de ser competitiva no presente. E a nossa equipe é competitiva. A meta neste ano é estar na final do NBB de novo. E entrar no Final Four se estivesse disputando a Liga das Américas. É lógico que você quer ganhar. E cada vez que se ganha, se torna mais difícil ganhar. Nem o Michael Jordan ganhou quatro seguidas. Ganhou três e três. É muito difícil em qualquer campeonato do mundo você ganhar quatro vezes seguidas. Nós estamos indo para a quinta, estamos preparados para ganhar a quinta. Mas não dá para garantir que vai ganhar. A grande paixão do esporte é o risco de perder. É o medo de você perder o jogo, você sofre. Se ganhar fosse fácil, não tinha tanta graça torcer.
Há alguma solução no horizonte para o patrocínio máster do basquete?
A gente sabe que depende do momento do mercado. Perdemos o patrocínio máster e não conseguimos outro. Mas não é só a gente. Aconteceu com vários times de basquete e vôlei. O marketing está negociando. No segundo semestre do ano passado, além da crise, teve a ressaca pós-Olimpíada. Mesmo se não tivesse crise, pós-Olimpíada é uma ressaca, porque quem investe muito investiu nas Olimpíadas. 2017, ainda problemático, começa a dar sinais de melhora. O Marketing do Flamengo está buscando empresas.
O Marketing conseguindo o patrocinador, existe possibilidade de mais algum reforço?
Até poderia para a Liga das Américas, mas não vamos disputar. Pelo NBB, as inscrições acabaram ao fim do primeiro turno. A última contratação foi a do Hakeem Rollins.
Como se chegou ao nome de Hakeem Rollins, sabendo que seria a última contratação da temporada?
A gente tinha um orçamento muito curto. A indicação parte do técnico, é claro que eu e o Póvoa participamos, mas é ele que estuda o atleta. Tem sido uma temporada muito atípica. Muitas contusões, nós nunca tivemos isso. Chegamos à uma conclusão: estávamos com três jogadores da área de fora machucados: Marcelinho, Fischer e Humberto. Se machucasse um dos três pivôs, a gente podia perder a temporada inteira. Por isso a chegada do Rollins.
Vocês se arrependeram de liberar o Meyinsse, ou não tinha como segurar?
O ciclo dele tinha acabado. O Meyinsse veio para um projeto muito legal de três anos e ganhou tudo. O último ano já não foi tão bom. Jogador não gosta de diminuir tempo em quadra. Eu também saí do Sírio porque era reserva do Oscar. Não queria mais ser reserva do Oscar. No ano seguinte fui eleito o melhor jogador. Outra questão foi salarial. O dólar já tinha batido quase quatro na época. A gente paga tudo dentro da lei, estrangeiro recebe 100% CLT, ou seja, mais 30% de encargo no meu orçamento. Mais moradia. Então não dava para segurar. Nós fizemos uma proposta que o salário dele seria o mais alto do time. Mas longe da proposta que ele recebeu lá. Tanto que ele nem fez uma contraproposta. Quando eu fechei com ele o dólar era 2,30. A economia mudou. Jerome é fantástico, sensacional. Foi homenageado. Ele foi para um time que os caras estão investindo muito. Ele sabe que tem as portas abertas no Flamengo.
Tem que ver para quem ele vai torcer no Flamengo x San Lorenzo pela Libertadores…
Eu falei que tem que chamar o Jerome para ficar no camarote do Flamengo contra o San Lorenzo (risos). Ele recebeu o título de sócio-honorário, só que ele não pôde vir no dia, estava em competição. Ele veio depois, só que aí quem viajou fui eu, e não entreguei.
No basquete estamos tendo a volta do Vasco, e não está acontecendo do jeito que era esperado. Dentro de quadra derrota faz parte, mas em relação à torcida, não poder ter jogo com torcida e não ter onde jogar. Poderia ser uma coisa legal pro basquete do Rio, do Brasil, ter um clássico desse porte, e só está trazendo problemas. Como você vê isso?
Como esportista, acho muito triste. Você jogar com torcida única é uma aberração. O bacana é você ter duas torcidas cantando. Uma torcida já é absurdo, agora, sem torcida não existe. Os três jogos da final do Carioca foram sem torcida, e agora o primeiro jogo do NBB também. Pelo que eu leio e converso, o Vasco quer torcida dos dois lados, porque tem que fazer dinheiro, tem que fazer bilheteria. Claro, aquele episódio com a torcida do Flamengo no primeiro jogo ajudou a provocar isso. No Tijuca, gás de pimenta, as famílias correndo, pânico.
Atrapalha até para conseguir um patrocinador, umas imagens dessas?
Eu lembro que a gente estava negociando em 2013 uma marca multinacional, europeia, para entrar no esporte daqui. Aí foi exatamente quando teve aquela briga na Libertadores, na Argentina, com o Palmeiras, em 2013. Aí a empresa disse: entrar com essas brigas, tô fora. E não era para o futebol, era para o basquete. Voltando à sua pergunta: nós defendemos qualquer clássico com as duas torcidas. Para encher o ginásio, fazer um espetáculo, dar mais audiência à televisão, um ginásio com 8 mil, 10 mil pessoas cantando aumenta tudo, é uma bola de neve que vai positivamente atraindo tudo. E no próximo jogo a gente está vendo algumas alternativas. Ou no Rio ou fora do Rio. A gente quer um local que possa sentar junto a torcida do Flamengo e do Vasco. (Dias depois da entrevista, feita na última segunda-feira, o clube confirmou que o Clássico dos Milhões pelo NBB acontecerá em Manaus).
A Liga das Américas este ano já era, não tem mais o que fazer. Mas como o Flamengo está se movimentando para voltar a essa competição que é a mais importante do continente?
Vou ser realista. Hoje a gente está fora do sistema FIBA. Somos uma liga independente, assim como a NBA e a Euroleague. A ideia pode ser a criação de uma liga sul-americana. Os únicos prejudicados foram os clubes: a CBB continua aberta, não há nenhuma competição de seleções até o meio do ano. A causadora não foi punida. Nós conversamos, para entrar na Corte Arbitral do Esporte, os clubes iam entrar juntos, pensamos em entrar, só que tem um prazo, que já passou, enquanto estávamos esperando reverter. A gente ficou surpreso, achamos que íamos ser revertido, não foi – e perdemos a data para entrar no tribunal.Os únicos penalizados foram os clubes da LNB, que fazem as coisas certas, são como oásis dentro disso tudo. Mas a informação que eu tive é que já tinha uma jurisprudência. A FIBA já tinha feito isso com o México e com o Japão.
O título da Liga das Américas em 2014 possibilitou que o Flamengo disputasse e ganhasse o Mundial, um título que você já tinha como jogador no Sírio e o Brasil não conseguia desde aquela época. Só que aí no ano passado teve uma decisão do Conselho Deliberativo de não colocar uma estrela na camisa do uniforme. Como isso repercutiu dentro dos esportes olímpicos, dentro do basquete do Flamengo?
Eu acho que a não ida à Liga das Américas agora foi mais pesada do que a questão da estrela. Lógico que teria sido bacana demais. Mas se quem decide não entende assim, se eles não entendem que é importante, tá bom, a gente vai continuar lutando, jogando, sendo campeões e tentar mostrar um dia que o basquete também, assim como o remo, assim como o futebol, tem seu espaço definitivo na história do Flamengo. Essa é a luta. Se tivesse a estrelinha, seria uma coisa espetacular. Não senti que isso abalou. Abalou muito mais a questão da Liga das Américas. Ninguém falou, mas o time caiu de produção. Imagina o time de futebol treinando para disputar a Libertadores, com méritos, e de repente não vai disputar mais. Nossa primeira meta era a Liga das Américas. Não que a gente esteja desprezando o NBB, mas a Liga te dá chance de disputar o Mundial Interclubes. Nunca ninguém falou para mim, mas eu sinto quando converso com eles, um sentimento de que foram alijados de disputar o maior torneio. O Bauru também deu uma caída. O Mogi foi derrotado três vezes seguidas em casa.
Como está a questão do início da construção da Arena Multiuso, agora que a prefeitura finalmente liberou a licença?
Quem pode falar sobre isso é a pasta de patrimônio e projetos. É uma questão de contrato. Mas passou um mês só, porque o Paes liberou no fim do mandato. Acho que falta acertar o contrato com o patrocinador. A gente está louco para que saia.
A melhor piscina do Brasil está na Gávea agora. O Flamengo terá os melhores nadadores do Brasil nesta piscina também?
Nós temos oito modalidades olímpicas, mas nem todas têm time adulto. Vôlei eu não tenho. Ginástica masculina eu não tenho. Natação eu não tenho. Com adulto, nós ganhamos no basquete, pólo feminino e ginástica feminina. Então se eu tenho cinco ou seis equipes e três são as melhores do país, nós temos um bom resultado. Na base, os resultados são muito bons em qualquer modalidade. Basquete nós fomos para o Sul-Americano da base em Novo Hamburgo e de quatro categorias nós ganhamos duas e perdemos noutra a final por um ponto para o Pinheiros. Natação hoje no Rio de Janeiro a gente ganha tudo, e sempre beliscando entre os quatro, cinco no Brasil, menos adulto. O trabalho a gente está fazendo. Agora, quando eu vou ter uma equipe adulta? Alguns meninos até disputam adulto para ganhar casco. Mas participamos basicamente com base, até 20 anos.
Especialmente na natação, estamos com uma estrutura muito boa na base. O CUIDAR veio para dar uma ajeitada na área de tecnologia, ciência, preparação física e performance e têm nos ajudado bastante. Eu acredito hoje e tenho conversado isso com muita gente aqui: o Flamengo, não o Flamengo, o esporte brasileiro, tem que voltar a ser como nos anos 90. As modalidades com menor visibilidade, principalmente as individuais, precisam ter mais estrutura, para eles atingirem o sonho deles. Começar a repensar o esporte. Por que há 20 anos tínhamos mais clubes de basquete e de vôlei? O fazer esporte ficou muito caro. E cada vez menor o número de clubes fazendo esporte olímpico. Antes a gente se preocupava em transformar o atleta em um bom cidadão. Que ele possa fazer um colégio melhor e vá para a faculdade. Perdeu-se um pouco disso no Brasil. Hoje os meninos param de estudar com 15, 16 anos. A gente quer mudar essa história no Flamengo. Eu não tenho que pagar atleta de base, eu tenho que dar estrutura, dar um bom colégio, uma faculdade. Nos EUA, nas universidades, todo mundo paga pra competir. Paga. Você vai pra universidade, você ganha bolsa, não ganha mais nada. Não ganha salário. Aqui no Brasil ninguém estuda e os clubes morrendo, porque não tem como pagar atleta. Hoje temos trinta bolsas na Estácio, mais outras oito bolsas 100% na PUC, que custam cerca de R$3.500. Com a gente dividindo 50% são mais seis na PUC. Temos agora o Yes, curso de inglês. Parceria com três excelentes colégios – CEL, Pinheiro Guimarães e Mallet Soares. A gente está com uma estrutura muito boa, física, o CUIDAR, que vem complementar com a qualidade mais refinada de parâmetros científicos, desenvolvimento, avaliações. Nós estamos mandando agora 21 profissionais para os EUA, hoje eu recebi um e-mail do Comitê Olímpico, que eles querem que a gente mande esse pessoal entre julho e agosto, lá em Colorado Springs. Dentro daquele contrato com o comitê dos EUA, eu fiz questão de colocar uma cláusula que eu queria troca de conhecimento. Então eu vou mandar, tudo pago por eles. Um grupo de profissionais da área técnica; um grupo para planejamento e outro grupo multidisciplinar – medicina, psicologia e demais. Além disso, quatro profissionais vão para Londres, tudo pago pelo Comitê Olímpico Britânico, para entender essa área de planejamento, o que eles fazem. Então isso aí é conhecimento. Se eu tiver piscina boa e não tiver conhecimento e práticas boas, que adianta? Não que a gente não tenha, é aprimorar.
Os esportes aquáticos foram castigados em quatro anos. A piscina fechou em março de 2013. Eu tinha uma única piscina para a natação – o Flamengo tem 300 crianças federadas -, polo aquático masculino e feminino, nado sincronizado, lazer livre do sócio, e de vez em quando escolinha também ia para lá. E a gente batalhou esses anos e conseguiu ainda estar entre os melhores da natação de base. Essa outra piscina agora precisa melhorar porque o nado e o polo precisam ter altura, e ela não tem. O que a gente vai precisar no futuro também, se quiser continuar crescendo, não é piscina, é outro ginásio. Se eu tiver hoje vôlei adulto, masculino e feminino, vou treinar onde? O ginásio está ocupado até dez da noite.
E vai ter vôlei adulto?
Antes de trazer qualquer outro esporte para o clube precisamos retomar a natação adulta, vôlei masculino adulto, vôlei feminino adulto, ter basquete feminino – não estou dizendo que teremos, mas são modalidades que já temos por aqui – por que pensar em uma nova modalidade, se ainda não tenho essas completas? Eu não tenho basquete feminino, porque não tem ginásio hoje para treinar.
E quando tiver a arena?
Vai ter treino. Com o ar desligado, né, porque é muito caro. Mas não é só aqui não, lá na NBA também se desliga o ar pra treinar (risos). No Minas também desliga, só no jogo que funciona. Mas mesmo assim, você tem vôlei feminino, são cinco equipes, vôlei masculino, são cinco equipes, basquete, que tem adulto, e aí a conta já chega em 16 horários. Sem contar futsal, que não é da nossa área, mas também treina. Futsal não tem ginásio. E a toda a base do Flamengo não treina de manhã porque estão estudando. Então treino é a partir de uma da tarde até às dez da noite. Treina uma hora e meia, que é pouco, mas é o que eu tenho, porque todos têm que treinar. Pensando no futuro, teria que ter mais uma quadra.
O vôlei masculino esteve na Superliga B. Por que foi abandonado esse projeto? Foi um projeto meio arrastado, na verdade. Aprovamos o projeto, não captamos; aí reduzimos o projeto para disputar a Superliga B, mesmo assim não captamos, zero de captação. E aí nós disputamos, mas, se você não planeja, você não merece. Nós não merecemos subir para a Superliga A. Então, para voltar a disputar uma Superliga B – que é o caminho – nós temos que pensar em um projeto para médio e longo prazo. Não adianta subir se eu não vou ter toda a estrutura. É a minha opinião. Eu converso muito com Póvoa e defendo isso. Se a gente tem a modalidade desde a escolinha, que começa com 8 anos, até os 20 anos, tanto no masculino, quanto no feminino, e é um bom trabalho que a gente faz, a gente tem que ter adulto. Só que o Flamengo não pode entrar num campeonato para ficar em décimo-segundo, em último. Tem que disputar entre os oito, entre os quatro. Só que a gente ainda está longe desta realidade em função de recursos. O vôlei é um projeto mais caro que o basquete. A gente queria que o Rexona virasse Flamengo/Rexona. A gente queria, nós tentamos. O pessoal do marketing para botar o time na Superliga B masculina, foram a mais de 200 empresas. E não conseguiram. Nós conseguimos cerca de 60 mil para disputar a Superliga B. Isso a gente não quer mais, entrar por entrar. Para a Superliga B é um valor menor, mas é preciso que seja um valor planejado. Para, depois, chegarmos à Superliga A. Queremos disputar sim. Quem sabe a gente já não inaugura a Arena com vôlei? Estamos trabalhando.
Já que o remo agora está sob seu guarda-chuva também, o que está faltando para o Flamengo voltar a vencer? Sabemos que há uma pressão muito específica para ser sempre campeão no remo. Quais são as perspectivas?
Eu respondo para dois vice-presidentes, o de Remo e o de Esportes Olímpicos. O remo veio para a minha responsabilidade no fim de 2015, menos de um ano e meio. O remo do Flamengo é Flamengo, não é porque está fisicamente do outro lado da pista que vai ser outro clube. Essa integração com os esportes olímpicos é o meu sonho desde o início. O remo começou a fazer um processo de retomada, de pensar diferente. Vamos pensar no remo brasileiro: não tem uma boa performance internacional há décadas. Por quê?
E aqui fica uma disputa só entre os clubes da Lagoa Rodrigo de Freitas. É isso que o Flamengo quer? Só ganhar o Campeonato Carioca? Não, eu quero que você me dê nomes para disputar as provas internacionais – consequentemente eu vou ganhar o Carioca. Se eu pensar em ganhar só o Carioca vai continuar sendo um remo medíocre. Você não ganha nem do Chile. Argentina nem se fala. Se bobear perde para outro da América do Sul. É isso que a gente quer? O Brasil não disputa uma final de remo olímpico ou mundial há 30 anos. A prova que a Fabiana Beltrame disputava não é olímpica. Tudo bem, ganhou, mas é diferente. Quem mais nos últimos 30 anos?
Aí começou uma reestruturação. Nós fomos ver que a última flotilha do Flamengo tinha sido doada pelo Plínio Serpa Pinto (atual chefe de gabinete da presidência) no início dos anos 2000, já tinha 15 anos de uso. O remo tem um investimento maior porque tem um desgaste de material. Então o Flamengo pensou na reestrutura. Conseguimos montar uma academia top e um centro de força top. Conseguimos agora quase 60 barcos de formação, que devem chegar até o final de março, início de abril. Ano passado nós adquirimos uma flotilha canadense. Então, é uma transformação do remo.
Pra mudar o remo, a gente tinha que pensar diferente. O Flamengo estava trazendo técnicos que já haviam rodado os outros clubes, e eles vinham com os mesmos vícios: “é preciso ganhar o Carioca”. Então, trouxemos o francês Stéphane Durand, com resultados espetaculares, como um consultor técnico que vai intercalar, neste primeiro momento, a cada dois meses, uns vinte dias conosco. Estará, inclusive, de volta nos próximos dias. A ideia é que, no meio do ano, a gente consiga fazer uma proposta para que ele fique em definitivo. Então o remo está num momento de repensamento. E aí, quando você começa a ter resultados, os atletas começam a quere vir para o Flamengo – sem leilão. Estamos com estrutura nova, com esse treinador francês, estamos com dois remadores participando de camping em Porto Rico com o Durant. Fomos convidados, não pagamos passagem.
Um atleta brasileiro, que mora na Suíça, já acertou com a gente, vai competir pelo Flamengo. E vai ter o Brasileiro de barcos curtos, podemos ter surpresas aí. Estamos motivados.
Falamos sobre a CBB, do caos que é para o basquete. Deve ser muito difícil lidar com uma porção de confederações…
Confederações é um capítulo a parte. A federação de remo do Rio é boa, uma exceção desse sistema. Agora a confederação de remo é um horror, assim como as outras. Não trabalho com a CBV, então não posso falar nada dela. É um sistema falido. Os maiores concorrentes dos clubes, hoje, em relação aos patrocinadores, são as confederações – que não formam ninguém. Vê se chega algum centavo da confederação para o clube? Pelo contrário, eles pegam o nosso atleta por meses, o nosso técnico, ou técnica, por mais alguns outros meses também. E a gente fica pagando. A gente pode falar por horas.
A cada conquista do esporte olímpico do Flamengo – quando o basquete ganha, quando inaugura a piscina, quando atletas vão para olimpíadas, agora com esses barcos do remo – a gente lembra dos comentários de jornalistas que criticaram a reforma que se iniciou em 2013, quando você veio para o Flamengo. Um coro forte dizendo que o Flamengo não ia investir mais no esporte olímpico. Quatro anos depois, você ficou feliz de ter tomado a decisão de ter vindo para o Flamengo, de estar nesse projeto?
Entre tantas bobagens que falaram, fiquei foi mais chateado com um jornalista do Lance, que saiu uma matéria que eu ganhava bônus acabando com o Esporte Olímpico. E pegou um contrato que não era o meu. Alguém vazou um contrato que não era o meu. Eu sei de quem era o contrato, não era o meu. Eu fiquei louco, e quis entrar na Justiça, como pessoa física, não como Flamengo. Aí eu decidi, em vez disso, mostrar serviço.
Encarei a minha vinda para o Flamengo como um grande desafio – até mais do que eu esperava (risos). Sou movido a desafios e nunca vou estar satisfeito. No basquete eu falei: “o bom não é ser campeão, bom é ser pentacampeão, aí no ano que vem, hexacampeão”. Se contentar em ser campeão… O bom é estar ganhando sempre.
O Póvoa, por exemplo, você vê que ele não tem mais saco para isso de ser campeão carioca, ele quer é títulos maiores, queria o bi da Liga das Américas…
O Póvoa ainda é muito emoção. O executivo tem que ser mais razão. Perder faz parte do esporte, não posso perder um jogo e contaminar a temporada inteira achando que não vai dar certo. O que eu transmito para a equipe de basquete é minha confiança total – é um grupo muito competitivo. E vai estar bem. Agora, ganhar ou não é outra história. Em 2014-2015, em que teoricamente tivemos o melhor time, foram seis derrotas no primeiro turno e acabamos com nove, e em terceiro. Na semifinal varremos o Limeira (3 a 0), fomos pra final com o Bauru, eles tinham o mando de jogo e era melhor de três. Ganhamos aqui e varremos o segundo jogo lá. Foi meu time com mais derrotas na primeira fase. Hermann, Laprovittola, Cristiano Felício, Benite… E tivemos nove derrotas.
Como foi essa sua transição de atleta para o cargo de diretor-executivo?
Eu joguei meus últimos dois anos no Minas, me aposentei do basquete em 1995. Em 1999, voltei a estudar, estava fazendo um curso de gestão esportiva, em São Paulo, na FGV. E voltei ao esporte na Secretaria de Estado, durante o governo Itamar Franco (em Minas). Fiquei um ano e meio, até que fui para a Inglaterra fazer um mestrado. Ajuda ter sido atleta para trabalhar com esporte mas é preciso se capacitar. Atleta sem preparação é zero chance de dar certo como gestor. E só a preparação sem vivenciar um pouquinho o esporte, pode atrapalhar um pouquinho também. Depois dos atentados de 2001 o mundo deu uma freada e eu voltei para o Brasil. Em 2007 trabalhei na preparação dos Jogos Pan-Americanos de 2007, no COB. Foi aí que recebi um convite profissionalmente melhor, em termos financeiros e como desafio, para trabalhar no Atlético-MG, na área comercial.
O Ricardo Guimarães (dono do BMG) era o presidente do Atlético naquela época. Ele teve tudo para fazer o que o presidente do Flamengo fez a partir de 2013 (pagamento de dívidas), ainda em 2003, mas não quis. Tem os seus motivos, não quis. Tanto é que o Atlético hoje é um dos clubes que mais deve – hoje deve mais de R$ 600 milhões, naquela época eram R$ 120 milhões. Ele tinha o clube na mão. Foi uma decepção grande que eu tive. Como a chapa azul entrou aqui: vamos ser uma instituição limpa, acabou a bagunça. O Atlético não quis.
O Atlético estava numa fase muito ruim, atrasando pagamentos, o time caindo para a segunda divisão, um clima péssimo aí o Minas me convidou. Eu tinha contrato com o Atlético. Fui lá no BMG, sentei lá na sala do presidente, e falei: estou com salário atrasado, eu quero cumprir o meu contrato, o Minas me chamou para trabalhar part time, quero saber se eu posso fazer part time no Atlético. Acabou meu contrato, dois anos, e eu saí. E o time caiu depois de dois meses.
No Minas, trabalhei na área comercial, sempre na área comercial, eu seria o Spindel lá, nada na área técnica. No COB, foi na área técnica, no Minas e no Atlético, na área comercial.
Quando o Póvoa me convidou, ele falou que eu cuidaria das duas áreas aqui no Flamengo. O futebol ia consumir tanto os profissionais, que eu montei uma mini-estrutura de captação de recursos. O Flamengo, depois de um ano e meio, resolveu centralizar toda a parte de marketing, saiu da minha esfera. Hoje eu só cuido do esporte olímpico.
Vocês pensam em alguma coisa para um ídolo como o Marcelinho, para ele trabalhar em outra função quando parar de jogar? Parece que não vai parar nunca, mas alguma hora ele vai ter que parar.
Eu converso com ele. Mas sabe por que eu acho que ele está arrebentando esse ano? Eu falo isso para ele. Ele voltou a estudar, ele se formou, não pensa só no basquete. Tem que estudar, ficar mais inteligente, fazer outras coisas, ter outros amigos, você sai daquele mundo, absorve mais as pressões. Se eu fosse um menino desses do futebol, eu ia estudar, não importa se leva dez anos, eu estou fazendo algo diferente. Pensando em coisas diferentes. O esporte olímpico futebolizou. Tem que mudar isso. Temos uma vida pela frente, parei com 35, quero viver pelo menos até os 70, não vou ser ex-jogador por 35 anos. Hoje a transição não é só mental. É o que vou fazer da minha vida? Eu não sei fazer nada! Na Europa não é assim, nos EUA não é assim. A preocupação não deve ser a transição, é lá atrás, durante a formação. Que esses meninos estudem, se prepararem para outra carreira. Parar de jogar e se encaixar no mercado. Porque hoje eles param e não podem nem ser professor de escolinha no Flamengo. Para ser um professor de escolinha tem que ter CREF (registro no Conselho Regional de Educação Física).
O que o esporte olímpico planeja, na questão do compromisso social do clube, para captar atletas de comunidades carentes?
Não é fácil. Hoje nós temos cinco núcleos de basquete para atender comunidade, mas para iniciação esportiva. Eu acho que mais de 50 % dos atletas da base vem de comunidades carentes. Eu tive uma reunião com a NBA muito bacana. A NBA tem um projeto chamado NBA Junior que eles utilizam para aumentar a fan base. Eles querem lançar um agora chamado NBA School, para meninos de 8 a 12 anos que começam a treinar de uma forma lúdica, mas eles só trabalham fundamentos. Na Austrália, tem o NBA Academy, para meninos de 15 a 16 anos, neste os meninos têm escola, moram, treinam fundamentos, participam das atividades da NBA. Este é o modelo. Eu não quero perder meu atleta quando ele tiver 15 anos para um projeto desses, eu quero que ele vá para a equipe adulta. Não é fácil. Eu gosto de desafio. O problema é que a estrutura do esporte brasileiro fica muito em cima dos clubes. A escola no Brasil também tinha que fazer.
(Bruno Vasconcellos e Wanderson Emerick colaboraram com a transcrição e a edição desta entrevista)
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