O pistoleiro apertou o passo, finalmente atingindo um verdadeiro trote acelerado e logo ultrapassando-o. Ela estava espantada com a agilidade dele, agora que a dor no quadril havia passado. Podia ouvir sua respiração, assim como podia senti-la no subir e descer das costas: rápida, ofegantes sugadas de ar seguidas de ásperas expulsões que soavam quase como gritos de irritação. Susannah daria qualquer coisa para poder correr ao lado dele com suas próprias pernas, as fortes, que Jack Mort lhe roubara.
Na última vez que escrevi aqui, Muricy estava começando seu trabalho no Flamengo. Isso foi em março e todos sabemos no que deu. Ou melhor dizendo: no que não deu. No texto, meu foco não era o desempenho do time. Meu foco era os jogadores do Flamengo.
Muito bem. De lá pra cá, tenho ouvido cada vez mais críticas à gestão do Eduardo de Mello. As críticas são, em sua maioria, justas. A cada derrota do time, boa parte da torcida elenca os pontos onde a diretoria tem falhado. E é razoável que seja assim. A derrota nos faz refletir onde estamos errando, dentro e fora de campo, e nos faz querer corrigir o que está errado. E tome cobrança.
Enquanto lia as diversas críticas aos jogadores, ao técnico e ao presidente do clube, percebi que uma grande disputa de narrativas surge a cada derrota, questionando as prioridades da diretoria e o trabalho ruim do departamento de futebol. Jogadores que custaram muito dinheiro e que estão no banco, indefinição de elenco e indefinição sobre o técnico, fora o resto.
Eu concordo com a maioria dessas críticas. Não posso deixar de notar que estamos em julho e o Flamengo ainda não fechou seu elenco, não decidiu em que local vai mandar os jogos no campeonato brasileiro e ainda não definiu se o técnico interino será efetivado ou se irá contratar outro técnico. Isso em julho (!!). Porca miséria, quanta incompetência.
Mas meu ponto é outro. Por mais trágica que seja a inépcia da diretoria do Flamengo no departamento de futebol, a idéia de levar sempre a discussão para a escala gerencial é muito tentadora — e, admito, muitas vezes necessária. Mas, antes de baixar o sarrafo na diretoria, gostaria de perguntar: o que os jogadores estão fazendo para levar nosso amado Flamengo de volta ao topo da tabela?
O que eu sempre vejo (eu e a torcida do Flamengo) é a incapacidade de diversos jogadores. Melhor dizendo: as incapacidades, no plural. Incapacidade de raciocínio, incapacidade de executar um passe longo, incapacidade de realizar uma jogada mais elaborada, incapacidade de finalizar, incapacidade de se expressar nas entrevistas, incapacidade, enfim, de representar o Flamengo em campo e honrar todos aqueles que torcem pelo clube.
O Flamengo precisa, urgentemente, fugir desse mar de mediocridade. Como o Pistoleiro, apertar o passo, atingir um verdadeiro trote acelerado e logo ultrapassá-lo e fugir. As linhas em negrito que abrem esse texto falam disso, de fuga. Como estamos num saloon, sempre teremos algum pistoleiro nos guiando pelo texto. Roland é o nome do pistoleiro em questão. Ele é o protagonista da série A Torre Negra, do escritor Stephen King, e o pequeno texto em negrito está em um dos livros da série. Não vou dizer em qual deles na esperança de que você fique curioso e leia todos.
Roland e Susannah estão fugindo através de um túnel sob o Castelo Discórdia. Susannah daria qualquer coisa para poder correr ao lado de Roland com suas próprias pernas, pois ela não tem pernas. Bem, não tem parte delas. Foram amputadas pouco abaixo dos joelhos. Por isso Roland a carrega com a ajuda de uma espécie de arreio feito com cordas. O túnel é iluminado por várias lâmpadas e em determinado ponto, ao mesmo tempo em que notam que estão sendo seguidos por alguma coisa gigantesca que não conseguem enxergar, as lâmpadas que funcionam começam a ficar cada vez mais raras, até o ponto em que ficam na mais completa escuridão.
E é aí que as coisas se complicam. Na mais completa escuridão, os dois, Roland e Susannah, continuam não enxergando a coisa gigantesca, mas começam a ouvi-la se aproximar cada vez mais, acompanhada de um cheiro inimaginável. E, mesmo imersos na escuridão, Roland começa a correr, contando os passos para não cair nos lances de escada que aparecem a cada 100 metros, correndo, descendo outro lance de escada, correndo… dezessete… dezoito… dezenove… Escada! Ao mesmo tempo em que Susannah procura em sua mochila alguma fonte de luz para afastar o monstro que se aproxima.
Eu imagino o Flamengo na figura de Roland, e o presidente da vez (e os funcionários, e os jogadores) na figura de Susannah, sempre apoiada no Flamengo. Para o Flamengo conseguir fugir da mediocridade, nosso presidente e jogadores não podem ser um fardo para o clube. Eles precisam ajudar. Jogadores não podem cometer erros infantis em todos os jogos. Eles devem treinar fundamentos sempre. E exaustivamente. Se inspirar nos grandes atletas do passado do clube e aprender cada fundamento necessário. Tomar café, almoçar e jantar futebol. Todos os dias.
O monstro da mediocridade e da falta de responsabilidade pessoal é como o monstro que ameaça o Pistoleiro e sua companheira: não se pode vê-lo, apenas sentir sua ameaça e seu cheiro podre. E para que o Flamengo fuja desse monstro, é preciso que todos tenham o que Roland e Susannah tiveram ao disparar numa corrida insana na escuridão e no vazio: inteligência, coragem e agressividade.
O futebol é repleto de possibilidades, belezas, perigos e riscos. Os jogadores têm de estar preparados para eles.
Sérgio Vieira é Mengão, fã de A Torre Negra e quer responsabilidade.
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