E este longo artigo é para isto: dizer “fiquem”. Fiquem, senhores!
No magistral filme de Rob Reiner que leva o título deste artigo, quatro meninos do Oregon (EUA) vivem aquele piscar de olhos chamado infância com toda a intensidade. Os quatro são absolutamente diferentes um do outro, mas todos eles resolvem se unir para um objetivo surpreendente: encontrar o corpo de um jovem que havia se perdido na mata, e que era efetivamente dado como morto. Objetivo: ver, pela primeira vez, um cadáver.
O filme é inspirado numa obra de Stephen King chamada “O Corpo”, presente no livro Quatro Estações – aliás, um dos contos do livro é o incrível e extraordinário “Rita Hayworth e The shawshank redemption”, transformado no estupendo filme de Frank Darabont de nome “The shawshank redemption” ou em português “Um sonho de liberdade”, um dos filmes mais enternecedores que assisti. Estes dois filmes, que não são de terror, curiosamente se transformaram nos dois filmes mais humanos de King.
Já li alhures que o nome do filme, “Stand by me”, se deve ao fato de que Rob Reiner quis porque quis colocar o sucesso de Ben E. King na trilha sonora e, por conta disso, ficou com esse nome. Eu prefiro a versão de que a frase “fique comigo”, ou “Conta comigo”, como ficou em português, diz mais sobre o filme do que qualquer outro nome. A história de Gordie, Vern, Chris e Teddy é devastadora porque é simples: nos confronta com uma saudade insolúvel. E nos dá uma resposta que nos faz entender a infância.
Sim: fique comigo. É o que todos nós dizemos aos 11, 12 anos de idade, esse tempo que leva tanto tempo para passar mas que de repente passamos a ver como um lampejo. “Nunca mais teremos amigos como tivemos aos 12 anos”, diz o narrador, um Richard Dreyfuss fazendo o papel de um Gordie adulto – na verdade, o próprio Stephen King, na pele de um menino contador de histórias, o mais sério dos quatro. Dos outros três, um teve destino trágico na vida real: River Phoenix, que vive Chris no filme, morreu de overdose muito novo (não sei a idade e não tenho saco de ir no google agora). O irmão mais novo de Joaquin Phoenix tinha uma carreira promissora – havia sido, uns anos depois de Stand By Me, o Indiana Jones jovem em “A Última Cruzada” (não confundir com o filho de Indy vivido por Shia Le Boeuf já neste século em que estamos). Os outros dois meninos são o famoso Corey Feldman, de Goonies, e Jerry O’Connel, que eu só vi mesmo em uma série policial obscura chamada Crossin Jordan.
Ao longo do filme, nos defrontamos com a vontade de que nada daquilo acabe: o verão em Oregon, a caminhada na mata, a casa na árvore, até os bullys dos meninos mais velhos. Gordie e seu amigo Chris discutem sobre o futuro, em que escola vão estudar, e só quem lembra da infância sabe o quão angustiante é pensar que você e seu melhor amigo vão para caminhos diferentes. “Perder” um amigo é perder uma parte do seu coração.
E aí, neste momento em que os poucos leitores que ainda aguentam estas crônicas já pensam em desistir, é que chego ao ponto, ao tema de sempre: o Flamengo.
Neste momento, Gordie, Chris, Vern e Teddy não estão procurando um corpo: eles já encontraram, e não é um corpo, é o Flamengo. O Flamengo que eles procuraram caminhando pelas matas dos nossos sonhos, nós, que somos mais velhos. Há milhões de torcedores que têm hoje de oito a 15 anos de idade que estão sendo irremediavelmente encantados pelo Flamengo de Jesus, e que estão vivendo o melhor de suas infâncias, estão vivendo aquilo que contarão saudosos aos netos. E eu sei que é assim. E explico da forma que conto há décadas: houve um dia, ou melhor, houve uns anos.
Começa sutil, não com um campeonato brasileiro ou Libertadores, e sim com um cabeceio: Rondinelli sobe, supera Abel e Leão e somos campeões estaduais. Sim, o millenial intrigado já vai me perguntar porque um estadual seria tão importante. Com efeito, não é importante. É o Flamengo que é. O Flamengo que um ano antes tinha me dado uma tristeza terrível, ao perder um estadual para o Vasco nos pênaltis, com Tita errando a cobrança.
Também no Ethos Flamengo:
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O Caçador de marajás
Já contei a história no livro “Ser Flamengo”, da Editora Folha Seca, e num livro jamais lançado chamado “O Velho e o Zico” (talvez jamais seja lançado por questão de timing perdido): eu tinha 10 anos e não tinha ido ao Maracanã – umas 180 mil pessoas devem ter ido. Meu pai, desesperançoso, desligou o rádio lá pelos 39 do segundo tempo. A cena é até hoje inesquecível e eu SEI onde se passou, o local exato da casa, por onde ele passa quando, ao ligar o rádio, ouve o “gooooool” – a memória até me traiu uma vez, quando eu achava que era de Jorge Cúri, já que a palavra “goool” foi berrada longamente. Mas não foi tanto assim.
Talvez tenha sido o susto: gol de quem? Pareceu durar mais mesmo. Mas ao fundo veio a vinheta da Rádio Globo: “Fla-mên-go-go”. E a gente se abraçou como nunca antes e nunca depois.
A saudade que sinto deste momento é absolutamente indescritível. Mas tal e qual os meninos na cabana da árvore de Stand By Me, tal e qual os meninos caminhando juntos na mata, eu realmente achei que poderia nunca acabar.
E não é que continuou? Fomos ver o Flamengo campeão em 1979 juntos, meu primeiro título no Maracanã, um 0 a 0 contra o Botafogo. Fomos ver outro estadual em 1979 (sim, teve dois). Fomos ver jogos do Brasileiro de 1980, vimos juntos a Libertadores, o Mundial (dezembro de 1981, pusemos os ingleses na roda, 3 a 0 no Liverpool, ficou marcado na história). Fomos ver ao esculacho de 3 a 0 sobre o Santos na final de 1983.
Aí “encontramos o corpo”, e foi como se aquilo tudo acabasse: Zico foi embora para a Udinese. Aquele Zico que convivera com a gente desde 1974, o Zico do Flamengo, o Zico do nosso time, o Galinho. Moraes Moreira cantaria, “e agora como é que eu fico, nas tardes de domingo, sem Zico no Maracanã?”.
Nem eu e nem Moraes Moreira sabíamos, mas haveria mais uma pessoa que não iria mais ao Maracanã nos domingos: o velho. Que nem era tão velho assim: aos 54 anos, partiu, me permitindo uma poesia triste e flamenga: por que viver sem Zico, né, velho?
Mas tudo valeu, valeu demais. De 1978 a 1983 fomos felizes como poucos pais e filhos neste mundo. Só pais e filhos flamengos.
Raul, Cantarelli, Leandro, Rondinelli, o saudoso Manguito, o saudoso Toninho Baiano, Júnior, Andrade, Adílio, o gigante Lico, Mozer, Marinho, Tita, o volante Carpegiani, o bigode Reinaldo, e last but never least, o Zico. Falo esses nomes desde 1983, a torcida do Flamengo idem, são personagens de nossa história quase tanto um Tiradentes é para a História do Brasil. São cantados em cordel, partido alto e samba de breque. As histórias deles são contadas oralmente de avô para netos, como odisseias nos mares.
E este longo artigo é para isto: dizer “fiquem”. Fiquem, senhores Diego Alves, Rafinha, Rodrigo Caio, Pablo Marí, Filipe Luis, Willian Arão, Gérson, De Arrascaeta, Gabriel Barbosa, Everton Ribeiro, Bruno Henrique, Vitinho, Thuler, Renê, Rodinei. Fiquem. Para que ir embora em 2020? Para ganhar, vá lá, um milhão a mais e perder a eternidade? Ora, quem bebe sabe: depois dos mil reais, há pouca diferença entre os vinhos. Vocês já têm a fama e a fortuna, podem ganhar bem no Flamengo, mas isso tudo é etéreo e passageiro. Me desculpem, não gosto de me meter na vida de ninguém, acho que cada um sabe da sua independência financeira, mas eu estou pensando no bem de vocês: eu não conheço nada melhor que ser um ídolo do Flamengo, do que fazer parte de sua história, de seu Panteão.
Esqueçam Itália, Espanha, Arábia, Inglaterra, China. Não há terra mais linda do que a paisagem flamenga. Não há nada mais poderoso e imparável do que a Magnética. Imaginem um Bruno Henrique passando no Flamengo o mesmo tempo que um Lico passou, ganhando tudo, cantando Ferrugem e fazendo milhões de crianças mais felizes e mais flamengas? Não há como haver glória maior!
Sim: não há amizades como a que tivemos aos 12 anos. E não há, igualmente, ídolos maiores. Vocês vão se tornar os ícones de toda uma geração rubro-negra, e ícones de verdade, sólidos, eternos. Aos 70 anos, serão abordados por sujeitos de 60 anos, que vão dizer “obrigado” a vocês – e vocês talvez não entenderão na hora (“how terribly strange to be seventy”). Hoje, talvez milhões de meninos estejam como os quatro de “Stand by me”, discutindo, não onde eles vão estudar, mas quando os jogadores do time atual vão sair para outro desafio. E esta angústia é a mesma, porque os senhores não merecem apenas 2019.
Não: vocês não merecem apenas ser o “Gabigol que fez um campeonato de 2019 brilhante pelo Flamengo e depois foi pro Schalke 04”. Não: vocês merecem ser o Castilho, Píndaro e Pinheiro, o Garrincha, Didi e Nilton Santos, o Ademir de Menezes e Vavá, o Zico, Adílio e Adão, os nomes que serão pronunciados eternamente como terem feito época, governado a maior de todas as Nações.
Livros rubro-negros que não podem faltar na sua biblioteca flamenga: 1981. O Ano Rubro-Negro – Eduardo Monsanto
Fiquem com a gente. Sejam a nossa Nova História. Milhões de crianças rubro-negras levarão vocês para sempre em seus corações em chamas. Sejam a história que os meninos contarão hoje e, já de cabelos brancos, sentirão saudades, dos tempos do Maracanã lotado, dos abraços nos pais, do calor e do êxtase desse dia longo e ensolarado que os senhores hoje nos proporcionam. E que não precisa terminar agora.
Quando a gente se completa, é só felicidade. É verdade.
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