Queria falar um pouquinho sobre o pênalti do Diego, tomada de decisão, estudo e teoria dos jogos. Não quero defender o Diego. Acho que ele errou em muitos níveis. Só quero tentar entender os motivos que levaram ao erro. O post é longo, mas cheio de histórias.
Toda disputa de pênaltis é basicamente uma disputa emocional. Todo jogador profissional consegue chutar a bola de forma indefensável a 11 metros do gol. A questão é que a perna pesa, a visão borra e o gol fica pequeno. Alguns sentem mais que outros.
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A prova disso é a minha estatística preferida sobre pênaltis: em média, 76% das cobranças em disputas de pênalti são convertidas, mas quando a situação é “se fizer, ganha”, o aproveitamento sobe para 92% e quando é “se não fizer, perde”, cai para 60%.
Isso tem a ver com um conceito chamado “aversão à perda”, uma das ideias que levou o psicólogo israelense Daniel Kahneman a receber o prêmio Nobel de Economia em 2002.
No futebol atual, todo mundo precisa fazer o dever de casa. Goleiros estudam batedores e criam estratégias de todos os tipos. Uma das histórias mais famosas é a do goleiro Lehman nas quartas de final da Copa de 2006, entre Alemanha e Argentina.
Dos sete nomes que Lehman havia anotado, apenas dois bateram – os dois como ele previu – e ele defendeu a cobrança de Ayala.
Outra história interessante aconteceu na final da Champions League em 2008, entre Chelsea e Manchester United. O treinador do Chelsea, Avram Grant, conheceu o economista basco Ignacio Palacios-Huerta que estudava cobranças de pênaltis. Juntos, os dois desenvolveram uma estratégia.
Eles viram que Edwin van der Sar escolhia o canto do chute cruzado. Quando o cobrador era destro, ele saltava para a direita e vice-versa. O plano era que todos os jogadores batessem no lado oposto, no chute aberto: destros no canto esquerdo do gol e canhotos no canto direito.
Os três primeiros destros marcaram. Cristiano Ronaldo perdeu para o Man U e o Chelsea estava em vantagem. Até que Ashley Cole mandou um foda-se e decidiu bater do seu jeito preferido: chute cruzado. Van der Sar acertou o canto e quase defendeu, mas a bola entrou.
Na última cobrança, Terry chutou como planejado, deslocou o goleiro, mas escorregou e a bola saiu. Jogo empatado. Cobranças alternadas. Kalou, destro, bateu como combinado e deslocou o goleiro.
Veio Anelka, destro, e Van der Sar teve uma epifania: todos haviam chutado no seu canto esquerdo. Ele então para na linha e começa a apontar para a esquerda. Ele entra na cabeça de Anelka, que não sabe o que fazer.
O francês muda, chuta cruzado, e o goleiro pega. Man United campeão.
Agora historinha do Flamengo. Bruno era um exímio pegador de pênaltis. Até 2010, ele defendeu 17 e outros 5 caras chutaram para fora. Na semi-final da Taça Guanabara daquele ano, defendeu duas cobranças de Dodô. No dia seguinte O Globo faz uma matéria sobre sua estratégia.
Na sequência, o Globoesporte.com faz um vídeo com todas as cobranças defendidas por Bruno e logo dias antes da final da Taça Rio sai um infográfico n’O Globo indicando todos os comportamentos do goleiro rubro-negro.
Uma coisa ficava clara nesses estudos. Bruno era excelente em tudo, mas tinha um único padrão: NUNCA ficava parado no meio. Vem a final contra o Botafogo e Marcelo de Lima Henrique marca duas penalidades para eles durante o jogo.
Na primeira Herrera dá uma porrada no meio do gol. O goleiro cai antes e nem vê a bola. Na segunda, o Botafogo muda de batedor. Loco Abreu dá a famosa cavadinha e marca. Não foi coincidência. Até eu sabia e gritava desesperado na arquibancada para que Bruno ficasse parado.
Por falar em Loco Abreu e cavadinha, uma última história, sobre a disputa contra Gana na Copa de 2010. Loco estava tão nervoso que não viu a primeira cobrança. Ele se vira e pergunta para Fucile: “Fuci, o goleiro pulou antes?”. “Sim, Loco”, ouviu a resposta.
Na segunda cobrança, a mesma coisa. Loco não consegue ver nada e confirma com o companheiro. Na terceira, ele puxa Fucile, que puto da vida responde: “Sim, ele está caindo antes! Dá logo a sua cavadinha e para de me encher o saco!” Dito e feito.
Há um levantamento que diz o seguinte: 15% dos pênaltis são batidos no meio do gol, mas em apenas 2% das cobranças os goleiros ficam parados. A questão aí é o “viés da ação”. Goleiros preferem tomar o gol fazendo algo do que tomar o mesmo gol sem fazer nada.
Isso significa que a cobrança no meio é, em geral, uma cobrança segura. O problema é que os batedores também preferem perder no canto “batendo bem”, do que correr o risco de bater no meio e perder, o que configura uma batida ridícula.
Diego sentiu uma pressão enorme em 2017 contra o Vitória. O pênalti aos 50 do segundo tempo classificaria o Flamengo para a Libertadores do ano seguinte. Ele decidiu bater no meio, de forma segura, e fez. Agora, contra o CAP, fez a mesma escolha. Não é coincidência.
Mas há dois erros importantes na escolha de Diego. Antes de mais nada, aquela era a primeira cobrança. É importante entender o comportamento do goleiro antes de arriscar. O primeiro batedor não tem informação. Aprendemos isso com Loco Abreu e Van Der Saar.
O segundo ponto é mais sutil. Na hora de autorizar a cobrança de Diego, o árbitro percebeu que havia um fotógrafo na bandeira de escanteio, lugar proibido. Ele então paralisou o lance e ficou dois minutos tentando tirar o fotógrafo dali.
Dois longos minutos em que Diego ficou olhando a bola e o goleiro, o goleiro e a bola. Acontece que pênalti é psicológico. Cada segundo que passa o gol fica menor, o goleiro consegue ler melhor o atacante, o batedor duvida de si mesmo, pensa em mudar de ideia.
Diego deveria ter colocado a bola debaixo do braço e virado de costas para o gol. Só deveria ajeitá-la de novo quando o juiz autorizasse. Deveria tirar a pressão de si e jogar para Santos, parado sobre a linha.
Mas o 10 do Flamengo não fez nada disso. Decidiu bater no meio sem saber como o goleiro se comportaria, depois de uma longuíssima encarada entre os dois. Perdeu e ficou marcado. Pênalti não é loteria, é detalhe.
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