Trazer o comandante da defesa menos vazada do Brasileirão parece fazer sentido… Mas será que dá para pensar assim?
Rogério Ceni chega ao Flamengo com o respeito conquistado no seu bom trabalho no Fortaleza. Lá, ajudou a reestruturar o clube, chegou a mais de 150 jogos e se tornou ídolo.
O que essa passagem tem a nos dizer? A primeira conclusão parece óbvia. Afinal, o grande problema do Flamengo hoje é defensivo e ninguém nega.
Trazer o comandante da defesa menos vazada do Brasileirão parece fazer sentido… Mas será que dá para pensar assim? Algumas pessoas já não aguentam mais me ouvir falar a palavra “contexto”. Prometo repetir só mais uma vez: futebol é contexto!
Além disso, futebol é contexto. E não podemos esquecer que futebol é contexto! Nenhuma análise pode terminar no mapeamento do contexto. Se for assim, fica rasa e acaba virando muleta.
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Toda boa análise, no entanto, precisa ter o contexto como ponto de partida, ou será incompleta, incoerente ou até mesmo desonesta. E os contextos de Flamengo e Fortaleza são muito diferentes, portanto não dá para simplesmente transpor os números de um lado para o outro.
Aliás, se fosse assim, seria bom alertar também que o Fortaleza tem o segundo ataque menos efetivo da competição até aqui… Vamos olhar um pouco mais profundamente para os números, então, e ver o que eles nos revelam.
Análise dos números
O número de gols sofridos nos diz pouco por si só, então podemos recorrer ao funil defensivo para entender o porquê por trás.
A comparação com os outros clubes é interessante. O Internacional, por exemplo, dá pouco a bola ao adversário, o mantém longe do gol, concede poucas finalizações e, por fim, quando o adversário chuta, é em condições ruins (de longe, marcado etc).
O Flamengo também dá pouco a bola e mantém o adversário longe do gol. Mas, quando deixa chegar, acaba deixando finalizar muito, ainda que em geral sejam finalizações em posições ruins. (Talvez seja uma releitura a um velho lema da torcida…).
Já o Fortaleza está bem na média em posse de bola, progressão permitida e volume de finalizações concedidas. A diferença é que a qualidade das chances concedidas é baixa (terceira menor) e a conversão é disparada a mais baixa de todas.
Ou seja, em média, os adversários não finalizam em condições muito boas. Estão distantes e/ou marcados. Mesmo assim, a bola está entrando muito menos que o esperado. Pode ter muita coisa envolvida aí: grande temporada de um goleiro, incompetência dos adversários ou mesmo sorte.
É mais ou menos o oposto do que acontecia com o Vasco no início do ano. Chegava pouquíssimo, mas a bola sempre sempre entrava. O Fortaleza se defende bem, é verdade, mas a bola simplesmente não está entrando lá.
Um dos maiores méritos do Fla de JJ e um dos maiores defeitos do Fla de Domenec era a marcação-pressão. A torcida se acostumou a ver o time sempre pressionando. Como solução, o Fla buscou o treinador do time que menos pressiona alto e que menos recupera bolas no campo de ataque.
O jogo em que o Fortaleza mais recuperou bolas no campo de ataque foi contra o Ceará: 9.
Mesmo com todos os problemas, o Flamengo roubou 22 contra o SPFC, 18 contra o Coritiba, 17 contra o Bragantino, 16 contra o Grêmio… Em apenas 6 dos 20 jogos o número foi menor que 9.
Além disso, o Fortaleza é o time que menos vezes quebra de posse de bola para cada minuto em que o adversário tem a bola, enquanto o Fla é o segundo que mais faz isso.
É um time que não morde, não incomoda tanto o adversário, não tem aquela intensidade sem bola.
Mas é preciso entender a INTENÇÃO que leva a esses números
O Fortaleza joga, em muitos jogos, bastante recuado, deixando o adversário avançar com a bola até encontrar uma defesa bem montada protegendo a área.
A linha de quatro defensores tem um papel fundamental. Tem sempre movimentos coletivos muito bem coordenados e ensaiados. Com isso, mesmo jogando bem recuado, o Fortaleza é o sexto time que mais deixa os adversários impedidos. Uma arma que o rubro-negro conheceu bem com JJ.
Aliás, o comportamento coletivo é elogiável. Até lembra o Flamengo de 2019 nesse quesito. E quando o sistema funciona bem, os indivíduos também conseguem prosperar. Ceni transformou Paulão em um dos melhores zagueiros do campeonato, sem exageros.
Essa linha protege bem a boca do gol e está sempre montada (o que chamam de “linha sustentada”). Nos raros momentos que quebra, o time tem problemas no segundo pau. Quando os volantes perdem a conexão com a defesa, aparece um problema grave na entrada da área (o “funil”)
É possível ver tudo isso claramente nos gols sofridos pelo Fortaleza no campeonato. De fato, não dá para simplesmente transpor os números.
A marca dos grandes profissionais é a flexibilidade
Um trabalho não é igual ao outro porque as condições (eu prometi que não falaria mais “contexto”) são diferentes. Os jogadores do Flamengo são diferentes dos jogadores do Fortaleza e os objetivos dos clubes também. Mas não dá necessariamente para transpor as ideias também.
A maneira como Ceni jogava no Fortaleza foi a melhor solução que ele encontrou no Fortaleza! Com ferramentas diferentes, precisa encontrar soluções diferentes.
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Essa é a questão que pouca gente entende. A marca dos grandes profissionais é a flexibilidade. Eles SEMPRE precisam saber se adaptar. Não adianta dizer “Fulano JOGA assim e ponto!”
Esse tipo de fala foi feita com JJ, com Domenec, será feita com Ceni e com os próximos… Olhando de fora, com todas as limitações que isso impõe, podemos apenas tentar entender quais são as ideias mais importantes, os conceitos estruturantes, e como isso pode ser transportado ou adaptado às novas circunstâncias.
O próprio Rogério Ceni conhece bem esse processo dentro do próprio Fortaleza. Sendo um time de meio de tabela no Brasileirão, ele precisa jogar recuado em alguns jogos, mas precisa propor o jogo e amassar em outros.
Ele teve menos posse de bola que o adversário em exatamente metade dos jogos. No outra metade, claro, teve mais posse.
Suas menores posses foram contra o Atlético-MG (35%) e o Athletico-PR (37%), jogando no contra-ataque, e as maiores foram contra Ceará (72%) e Bragantino (61%).
Na Copa do Nordeste 2020, por outro lado, o Fortaleza foi o time com mais posse de bola, chegando a mais de 60% de média nos 10 jogos.
Conclusões finais
De fato, Rogério Ceni parece preferir controlar o jogo com a bola, mas se adapta às circunstâncias em que isso é difícil (ou impossível).
E ele vai bem controlando a posse, inclusive usando uma posse defensiva.
Nos jogos em que teve menos posse que o adversário (normalmente contra times mais fortes), tomou uma média de 1,22 gols por jogo. Quando teve mais posse, tomou uma média de 0,33.
Seu maior problema ainda parece ser furar defesas fechadas.
Nos cinco jogos em que teve mais posse no campeonato (Bragantino, Botafogo e Atlético-GO em casa, Coritiba fora e Ceará no Castelão), só tomou um gol (do Ceará), mas só conseguiu fazer gol em um jogo (3×0 no Bragantino).
Agora, ele terá em mãos o ataque mais poderoso do campeonato, capaz de oferecer muito mais alternativas para furar qualquer tipo de defesa. Resta saber como vai aproveitá-lo.
Ao mesmo tempo, encontrará uma defesa em escombros, cheia de problemas individuais e coletivos, com a necessidade de encontrar soluções rápidas no curto prazo e sem poder, pelo menos no longo prazo, montar um bloco lá atrás e esperar.
O Flamengo precisa atacar, o Flamengo precisa se impor. Pressionar, controlar, agredir.
O Flamengo é diferente do Fortaleza, então Rogério Ceni precisará ser diferente também. A disposição ele já mostrou mais cedo na coletiva. A capacidade? Só o campo dirá.
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